30 Mai 2017
“Seria excessivamente otimista esperar uma mudança súbita nas relações entre o pontificado de Francisco e a presidência de Trump devido à descoberta milagrosa de um terreno comum anteriormente invisível.”
A opinião é do historiador italiano Massimo Faggioli, professor da Villanova University, nos Estados Unidos, em artigo publicado por Religion News Service, 28-05-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Não importa quais sejam as suas inclinações teológicas, os defensores de Donald Trump deveriam ficar felizes com as reformas modernas no Vaticano: até algumas décadas atrás, um papa nunca teria recebido em audiência um chefe de Estado divorciado duas vezes e casado três vezes, acompanhado por uma filha que se converteu ao judaísmo.
Felizmente, esse não foi um problema para a família Trump, que acompanhou o presidente em sua visita de Estado na semana passada.
A única notícia real, de fato, foi que a passagem do presidente estadunidense pelo Vaticano foi bastante rápida e notavelmente sem intercorrências. Isso não significa que nada de importante aconteceu; pelo contrário.
Durante a longa viagem internacional de Trump, a primeiro de sua turbulenta presidência, o Vaticano foi a parada menos desafiadora, a partir de um ponto de vista estritamente diplomático: mas, em comparação com a Arábia Saudita e Israel, as duas primeiras paradas dessa “viagem inter-religiosa”, o Vaticano foi também a “atmosfera mais distante”, politicamente falando.
O que divide politicamente Trump de Francisco não divide Trump do rei saudita Salman ou do primeiro-ministro israelita Benjamin Netanyahu. A tensão em torno do encontro com Francisco, em oposição à afinidade política natural com os sauditas e com os líderes israelenses, é mais uma prova de que a peregrinação do presidente não tinha a ver realmente com religião.
Ao contrário, tratava-se de descobrir como usar a religião para os fins políticos da administração (combater o terrorismo e alimentar o complexo anti-Irã) sem mudar fundamentalmente a narrativa dessa administração sobre a religião. E isso, apesar do seu discurso em Riad, ainda se concentra em uma cosmovisão antimuçulmana.
Em certo sentido, a religião do trumpismo é a inclinação presidencial à política do evangelicalismo branco, cuja substância teológica nos Estados Unidos hoje está em perigo de se reduzir ao evangelho da prosperidade.
O discurso de Trump falhou em reconhecer o que acabara de acontecer no Irã com a reeleição do presidente Hassan Rouhani e ofereceu um paralelo ao discurso de Francisco no Cairo apenas três semanas antes: mas trajetórias paralelas, por definição, não se encontram.
A inadequação histórica, cultural e teológica da Casa Branca de Trump foi confirmada por essa viagem: a sorte de Donald Trump é que o protocolo muito formal e estruturado do Vaticano ofereceu menos ocasiões para mostrar essa inadequação.
O encontro face a face no Vaticano com Francisco durou 29 minutos, e a conversa privada criou alguma conexão pessoal entre eles (e a família do presidente – para Francisco, é sempre muito importante conhecer as famílias dos seus interlocutores). Mas não conseguiu superar as lacunas entre as cosmovisões deles.
Foi uma oportunidade para familiarizar a Casa Branca com o catolicismo não estadunidense e global – algo que é importante para o governo Trump, que é muito mais nacionalista do que os seus antecessores.
Não deveria surpreender que algumas questões delicadas, como as mudanças climáticas, passaram despercebidas no breve comunicado oficial da Santa Sé; áreas de desacordo nunca são mencionadas nesse tipo de declaração.
Na verdade, o fato de não serem mencionadas sugere que a lacuna permanece. E não é a única. Há algumas discrepâncias interessantes entre o comunicado final emitido pelo Vaticano e pela delegação estadunidense sobre o encontro com o papa e o encontro seguinte entre Trump e as autoridades estadunidenses e o secretário de Estado papal, cardeal Pietro Parolin: a declaração da Casa Branca não menciona a imigração, enquanto o Vaticano, sim.
Para além dos encontros e dos comunicados, essa cúpula altamente antecipada deve ser posta em um contexto mais amplo.
Em primeiro lugar, a diminuição das expectativas durante a semana antes do encontro do dia 24 de maio sinalizou o interesse de ambos os lados de se reconectarem depois de um período extraordinariamente difícil de observações à distância entre Trump e Francisco.
Esse rápido assentimento diplomático foi feito com a nomeação de Callista Gingrich como embaixadora dos Estados Unidos junto à Santa Sé, de modo que pudesse ser anunciada antes da visita e mostrar que o Vaticano não queria exacerbar uma relação particularmente delicada.
Em segundo lugar, as expectativas para esse encontro, em cada campo, eram muito diferentes.
O foco de Trump era estreito: o papa e o Vaticano. Os próprios interesses políticos e a legitimidade moral de Trump são muito diferentes dos do papa, e especialmente de um papa como Francisco.
Do outro lado da mesa, Francisco teve que manter em mente não só a pessoa à sua frente, mas também vários setores que podem ser alvos das ações e políticas do presidente estadunidense: os bispos dos Estados Unidos, os católicos estadunidenses como um todo, o 1,2 bilhão de católicos em todo o mundo, migrantes e refugiados que o pontífice transformou em prioridade para a Igreja, e também as outras religiões – incluindo o Islã –, que, de algum modo, contam com o papa para falar a verdade ao novo poder estadunidense.
Terceiro: a audiência também forneceu algumas garantias de que a retórica anti-imigração e nativista da campanha Trump não vai se consagrar em uma presidência anticatólica no sentido de hostilidade arraigada ao papa e ao Vaticano.
Mas a distância permanece e faz parte da relação complexa entre Roma e os Estados Unidos sob Francisco.
O fenômeno Trump conquistou o GOP – o Partido de Deus na política estadunidense – diretamente depois da viagem de Francisco aos Estados Unidos em setembro de 2015. De certa forma, Trump era, e é, um sintoma mais do que uma causa das dificuldades – não apenas moral-teológicas (o debate sobre o casamento e a família que levou à Amoris laetitia), mas também políticas (a encíclica ambiental e de justiça social Laudato si’) – entre Francisco e os Estados Unidos.
Quarto: o encontro de Francisco com Trump foi uma forma de o papa enviar mensagens para essa e sobre essa administração.
O papa pode ter menos divisões (militares) do que Trump, mas tem mais formas de usar o seu soft power. Menos de uma hora depois do fim do encontro com o presidente, Francisco realizou a sua audiência pública semanal na Praça de São Pedro com milhares de peregrinos e turistas.
A sua catequese durante a audiência se centrou na passagem do Evangelho de Lucas sobre o encontro de Jesus ressuscitado com seus discípulos no caminho de Emaús. Mas também serviu como uma forma indireta de reforçar a abordagem de Francisco a essa presidência estadunidense e às suas reivindicações e apelo religiosos.
Seria excessivamente otimista esperar uma mudança súbita nas relações entre o pontificado de Francisco e a presidência de Trump devido à descoberta milagrosa de um terreno comum anteriormente invisível.
O encontro entre Trump e Francisco não foi, de fato, um armistício, mas sim uma distensão.
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Francisco e Trump: distensão, e não armistício. Artigo de Massimo Faggioli - Instituto Humanitas Unisinos - IHU