24 Janeiro 2017
Neste artigo, o teólogo italiano Carlo Molari, padre e ex-professor das universidades Urbaniana e Gregoriana de Roma, recorda a história do movimento religioso em que Lutero se inseriu: os eremitas agostinianos e, em particular, aquele grupo de mosteiros que haviam acolhido a forma mais rígida da fidelidade à regra de Santo Agostinho.
O artigo foi publicado na revista Rocca, nº1, 01-01-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Este ano marca os 500 anos (1517-2017) da Reforma luterana, que é uma etapa importante da história cristã, em particular da Igreja ocidental. A Reforma pode ser celebrada como um momento positivo para toda a Igreja. O que não significa que todos os aspectos do seu processo histórico o sejam, já que todo evento da história humana é imperfeito e, em certos aspectos, incompleto. Mas significa que o nosso modo de celebrar o seu aniversário pode dar um significado novo ao evento, desenvolvendo os dados positivos e redimensionando os negativos. Para fazer isso, é útil recordar a história do movimento religioso em que Lutero se inseriu: os eremitas agostinianos e, em particular, aquele grupo de mosteiros que haviam acolhida a forma mais rígida da fidelidade à regra de Santo Agostinho.
O Concílio Lateranense IV (11 a 30 de novembro de 1215), por causa do extraordinário florescimento de grupos eremitas ou conventuais do século anterior, tinha expressamente proibido a fundação de novas ordens. No cânone 13, havia sancionado: “Para que a excessiva variedade das ordens religiosas não seja causa de grave confusão na Igreja de Deus, proibimos rigorosamente que, no futuro, sejam fundadas novas ordens. Portanto, quem quiser abraçar uma forma religiosa de vida, escolha uma daquelas já aprovadas. Igualmente, quem quiser fundar uma nova casa religiosa, assuma a regra e as instituições das ordens religiosas já aprovadas”.
Na realidade, a vida da Igreja pressionava por novas formas de vida comunitária. O próprio São Francisco tinha obtido há poucos anos a aprovação verbal da sua regra (1009-1010), que foi reconhecida alguns anos depois pelo Papa Honório III, no dia 29 de novembro de 1223, com a bula Solet annuere Sedes Apostolica.
Com o nome de agostinianos, indicam-se diversas estruturas religiosas que se remetem a dois filões distintos: os Cônegos Regulares de Santo Agostinho, que remontam ao Concílio de Latrão de 1059, e a Ordem de Santo Agostinho, nascida na segunda metade do século XIII, com o nome de Ermitões ou Eremitas Agostinianos. Os Cônegos Regulares são sacerdotes que decidem viver em comunhão junto com o bispo. O Sínodo de Latrão de 1059 impôs, para essas formas de vida comunitária, a Regra de Santo Agostinho, com absoluta rejeição de outras regras que permitiam a propriedade privada.
A celebração solene da liturgia, a oração coral e a atividade paroquial representam as principais funções dos Cânones Regulares Agostinianos. Um exemplo ainda existente é o Mosteiro de Novacella, fundado em 1142 pelo Bem-aventurado Hartmann, que pertence à Congregação Lateranense Austríaca dos Cônegos Regulares de Santo Agostinho.
Os Eremitas ou Ermitões de Santo Agostinho se organizaram como ordem em 1256, quando Alexandre IV reuniu várias congregações de eremitas que surgiram em várias regiões italianas. Os delegados dos diversos mosteiros, em março de 1256, a mando do Papa Alexandre IV, reuniram-se em Roma, na igreja de Santa Maria del Popolo. Na presença do enviado do papa, acolheram a vontade do pontífice de constituir um único grande instituto: a Ordem dos Eremitas de Santo Agostinho. Nasceu, assim, a família religiosa agostiniana, que foi inserida entre as ordens “mendicantes” ou “fraternidade apostólica”, no modelo dos franciscanos e dos dominicanos.
O Papa Alexandre IV aprovou a nova ordem com a bula Licet Ecclesiae Catholicae no dia 6 de abril de 1256. Somente depois do Concílio Vaticano II é que o Capítulo Geral aprovou a mudança do título de Eremitas de Santo Agostinho para Ordem de Santo Agostinho (Osa). Enquanto isso, a partir do seu tronco, devido a sucessivas reformas, haviam surgido outras duas ordens agostinianas masculinas com constituições e superiores diferentes: a Ordem dos Agostinianos Recoletos (Oar) e a Ordem dos Agostinianos Descalços (Oad). Outras reformas se desenvolveram ao longo dos séculos, expressando a vontade de uma maior perfeição, depois de períodos de decadência e de relaxamento dos costumes, especialmente da vida comunitária e da pobreza. Muitas vicissitudes produziram reações contraditórias, e não faltaram movimentos de reforma que constituíram congregações de observância dentro da própria ordem. O grupo que abraçou essa forma de vida logo se converteu em uma congregação de observância dentro da ordem, mas com uma grande autonomia de governo e, nos séculos posteriores, no início do século XX, em uma ordem independente. Martinho Lutero foi membro de uma dessas congregações de observância, a da Saxônia.
Martinho Lutero (1483-1546), antes de entrar nos agostinianos, estudou com os Irmãos de Vida Comum, fundados pelo holandês Florens Radewijns (1350-1400), discípulo de Geert Groote (1340-1384). Groote acreditava que a combinação de religião, trabalho honesto e ensino-aprendizagem eram uma maneira segura para a salvação e a evolução espiritual: todos deviam ser capazes de ler e compreender a Bíblia, que ele mesmo começou a traduzir para a língua corrente.
No dia 17 de julho de 1505, Lutero entrou no mosteiro de Erfurt, que pertencia à Congregação da Observância da Saxônia. Depois de dois anos, foi ordenado sacerdote e, como jovem religioso agostiniano, dedicou-se com fervor aos estudos teológicos e à prática das virtudes monásticas, sob a orientação espiritual de Johann von Staupitz (1465-1524), vigário geral dos agostinianos alemães. Impressionado com os dotes e com a disciplina de Lutero, ele o tinha indicado a Frederico III da Saxônia, que, em 1502, fundara a Universidade de Wittenberg e buscava novos professores. Em 1508, Lutero começou a ensinar dialética e física lá, lendo e comentando a Ética a Nicômaco de Aristóteles e, em seguida, passando a dirigir as disputas escolásticas organizadas entre os estudantes, segundo o costume e os métodos tradicionais. Nos anos seguintes, continuou os seus estudos de teologia e das Sagradas Escrituras. De volta a Erfurt (1509), a fim de ler as Sentenças de Pedro Lombardo, foi depois chamado de volta para Wittenberg, onde se tornou subprior. Em 1510, foi enviado a Roma por questões relativas à observância e à reforma que, em 1504, Staupitz mesmo tinha organizado.
No dia 19 de outubro de 1512, Lutero se formou em teologia e assumiu a cátedra de exegese bíblica, que ele manteria até a morte. O próprio von Staupitz, que ensinava teologia e se tornou decano, deixou a sua cátedra a Lutero, que, em 1513, começou a proferir lições sobre os Salmos. A Lutero, Staupitz também confiou importantes missões em nome da ordem. Em 1515, Lutero foi nomeado, pelo Capítulo regional, vigário-geral dos conventos do distrito de Meissen e da Turíngia. Johann von Staupitz, de acordo com o costume da época, acompanhou-o para visitar muitos desses importantes mosteiros.
A teologia de Lutero, elaborada nos comentários bíblicos (são fundamentais os Dictata super Psalterium, 1513-1516, e as lições sobre a Epístola aos Romanos, 1515-1516) e em disputas acadêmicas, escritos de edificação, pregações, epístolas, caracterizou-se desde o início pela polêmica contra a teologia escolástica de tendência ockhamista, que Lutero acusava de pensar Deus e o homem de acordo com a simples razão. Como religioso católico de acordo com a tradição universitária, ele comentou as Escrituras e, com paixão, publicou inúmeros comentários bíblicos. A própria crítica ao método escolástico nasceu da sua experiência como professor. Com as 95 teses no dia 30 de outubro de 1517, ele convidou a um debate público sobre o tema das indulgências, como era o costume universitário. A grande divulgação que recebeu o conciso e essencial texto latino o obrigou a publicar um comentário mais amplo. Lutero abandonou a Ordem Agostiniana, subtraindo-se também da obediência na Igreja em 1521.
Também é significativo o fato de que o seu superior, Johann von Staupitz, em 1520, renunciou como vigário-geral dos agostinianos alemães e, em 1522, obteve a permissão para se tornar beneditino na Abadia de St. Peter de Salzburgo, onde morreu como abade em 1524. A última carta de Lutero ao seu antigo mestre é de 1523. Com a sua última carta a Lutero de 1524, Staupitz expressou a sua amargura com a orientação tomada pelo discípulo. Agora, os caminhos se entrelaçavam novamente.
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O Lutero católico. Artigo de Carlo Molari - Instituto Humanitas Unisinos - IHU