29 Dezembro 2025
"Feliz 2026 ao Brasil que circunscreve a geografia do paraíso terrestre, sem terremotos, tufões, furacões, maremotos, desertos, vulcões, geleiras, neves e montanhas inabitáveis. Conceda-nos Deus a bênção de tantos dons, livres de políticos que insistem em construir para si o céu na Terra com a matéria-prima do inferno coletivo", escreve Frei Betto.
Frei Betto é escritor, autor Felicidade foi-se embora? – com Leonardo Boff e Mário Sérgio Cortella (Vozes), entre outros livros.
Eis o artigo.
Feliz Ano-Novo aos que acordam em 2026 sem a ressaca da culpa, plenos de vida na qual a paixão sobrepuja a omissão e o encanto tece luzes onde a amargura costuma bordar teias de aranha.
Feliz ano a quem não sonega afetos, arranca de si fontes onde borbulham transparências e não mira os que lhe são próximos como estranhos passageiros de uma viagem sem pouso, praias ou horizontes.
Felizes os que abandonam no passado seus excessos de bagagem e, corações imponderáveis, recolhem à terra a pipa do orgulho e do tédio; generosos, abraçam a humildade.
Ano novo a todos que despertam ao som de preces e agradecem o tido e não havido, maravilhados pelo dom da vida, malgrado tantas rachaduras nas paredes.
Bom ano a quem se alimenta prazerosamente de feijão e se compraz na partilha do pão; a vida é dádiva, contração do útero, espírito glutão insaciado de Deus.
Novo seja o ano àqueles que nunca maldizem e dominam a própria língua, poupam palavras ácidas e semeiam fragrâncias nas veredas dos sentimentos.
Seja também feliz o ano de quem se guarda no olhar e, se tropeça, não cai no abismo da inveja nem se perde em escuridões onde o pavor é apenas o eco de seus próprios temores.
Novo ano a quem se recusa a ser velho, que ambiciona tudo novo: corpo, carro e amor. Viver é graça a quem acaricia suas rugas e trata seus limites como cerca florida de choupana montanhesa.
Tenham um feliz ano todos que sabem ser gordos e felizes, endividados e alegres, carentes de afago, mas repletos de vindouras fortunas em seus anseios.
Feliz Ano-Novo aos órfãos de Deus e de esperanças, e aos mendigos com vergonha de pedir; aos cavalheiros da noite e às damas que jamais fizeram do espelho seu termômetro de autoestima.
Felizes sejam também no novo ano os homens ridiculamente adornados, supostos campeões de vantagens; aqueles que nada temem, exceto o olhar súplice do filho e o sorriso irônico das mulheres que não lhes querem.
Felizes sejam as mulheres plenas de amor, e também de dor por quem não merece, e que, no espelho, se descobrem tão belas por fora quanto o sabem por dentro.
Seja novo o ano para os bêbados que jamais tropeçam em impertinências e para quem não conspira contra a vida alheia.
Feliz Ano-Novo para quem coleciona utopias, faz de suas mãos arado e com o seu esperançar rega as sementes que cultiva.
Sejam muito felizes os velhos que não se disfarçam de jovens e os jovens que superam a velhice precoce; seus corações tragam a idade alvíssara de emoções férteis.
Muita felicidade aos que trazem em si a casa do silêncio e, à tarde, oferecem em suas varandas chocolate quente adocicado com sorrisos de sabedoria.
Um ano feliz aos que não se ostentam na vaidade, tratam a morte sem estranheza e brincam com a criança que os habita.
Feliz Ano-Novo aos sonâmbulos que se equilibram em fios que unem postes e aos que garimpam luzes nas esquinas da noite.
Um Ano-Novo muito feliz a todos nós que juramos sequestrar os vícios que carregamos e não pagar o resgate da dependência; o futuro nos fará magros por comer menos; saudáveis por fumar oxigênio; solidários por partilhar dons e bens.
Feliz 2026 ao Brasil que circunscreve a geografia do paraíso terrestre, sem terremotos, tufões, furacões, maremotos, desertos, vulcões, geleiras, neves e montanhas inabitáveis. Conceda-nos Deus a bênção de tantos dons, livres de políticos que insistem em construir para si o céu na Terra com a matéria-prima do inferno coletivo.