22 Novembro 2016
O Brasil assinou o Acordo de Paris e junto dele propôs metas para contribuir com a mitigação climática. Entre elas, está o fim do desmatamento ilegal e a redução de 43% de dióxido de carbono em relação a 2005, até o 2030. O secretário-executivo do Observatório do Clima, Carlos Rittl, acredita que as metas brasileiras não são ambiciosas o suficiente e que o governo ainda não está focado como deveria nas responsabilidades com o meio-ambiente.
A entrevista é de Carolina de Barros e Alexandre Gonçalves Jr, publicada por Envolverde, 18-11-2016.
Eis a entrevista.
Existe algum fenômeno recente no Brasil que pode ser atribuído às mudanças climáticas?
Para saber isso, temos que analisar tendências temporais. Não só nos últimos cinco anos, mas nos últimos 10 ou 30 anos. É muito difícil atribuir essa relação direta. O que podemos dizer com certeza é que o aumento da frequência da intensidade dos eventos climáticos extremos que têm acontecido no Brasil e em todo mundo tem uma relação direta com o aquecimento global e com a forma que ocupamos o território, como ocupações de encostas e várzeas de rios, por exemplo as marginais do Tietê e Pinheiros em São Paulo. Essa ocupação desordenada junto das mudanças climáticas torna o risco de eventos cada vez maiores. Esse ano tivemos ressacas fortíssimas no Sul do Brasil, Rio de Janeiro, Nordeste. A seca no Nordeste, que parece uma normalidade, já que sempre ouvimos falar de seca no semiárido, é consequência de alterações climáticas. Em algumas regiões, é a pior seca em 90 anos. Além disso, em São Paulo acontecem microexplosões, que é aquela chuva muito forte com ventania que provoca a queda de centenas de árvores. Tudo isso é uma fotografia do que as mudanças climáticas já trazem e no futuro podem trazer com mais frequência, intensidade e custos.
Segundo dados do SEEG publicados pelo Observatório do Clima, o Brasil em 2015 aumentou as emissões em 3.5%. Qual o impacto desse aumento no cumprimento das NDCs do Brasil?
O aumento de 3.5% congrega todos os gases da unidade do dióxido de carbono equivalente. Você traduz o potencial de aquecimento global de todos gases na unidade dióxido de carbono, então, tem dióxido de carbono, metano e outros gases aí nessa conta. O que preocupa nesse aumento das emissões é que ele ocorre em um período de recessão econômica, associado ao aumento da taxa de desmatamento, que é intolerável. Estamos chegando a 7 mil km² de áreas destruídas na Amazônia no último ano! E provavelmente uma área de entre 5 e 6 mil km² destruídas por ano no Cerrado e na Mata Atlântica. Embora as metas da NDCs sejam só para depois de 2020, assim como de todos os países no âmbito do Acordo de Paris, as taxas de emissões brasileiras anuais mostram que a gente ainda não está promovendo a transição necessária na economia e nas atividades econômicas para um rumo da descarbonização. Precisamos mudar a forma como usamos recursos naturais e como se produz e consome no Brasil. Qual o rumo da nossa economia quais são os pilares da nossa economia? Falamos mais de pré-sal e de fósseis do que de energias renováveis, apesar das serem uma realidade no mundo cada vez maior. Por hora, o Brasil fala que ratificou o Acordo de Paris mas isso está muito no papel. Tirar o Acordo de Paris do papel significa, aqui na COP e nas negociações, o processo evoluir. Mas, principalmente, a implementação é doméstica porque a gente ainda não tem plano, só uma meta.
O Brasil tem a meta do desmatamento zero, que está longe da realidade. O que você acha que seria necessário para reverter esse quadro?
Primeiro, é preciso vontade política. A própria meta tem que ser mudada. A nossa meta é eliminar o desmatamento ilegal, só na Amazônia e só em 2030. Ou seja, tolerar o crime ambiental, por mais 14 anos. E em outras regiões sequer tem uma data para acabar com o desmatamento ilegal. Isso é muito pouco, muito tarde. Estima-se que existam entre entre 50 e 90 milhões de hectares de pastagens abandonadas, degradadas ou subutilizadas, que são áreas que se recuperadas são capazes de atender demandas de produção de alimentos para consumo interno e exportação. O que a gente precisa é tratar mudanças climáticas como um tema de desenvolvimento, é algo que ameaça nossa qualidade de vida, traz riscos para nossa economia, mas não lidamos com o nível de responsabilidade necessária. Ainda tratamos como agenda ambiental, mas não é agenda ambiental, é agenda de desenvolvimento. Os brasileiros vão sofrer mais com os impactos da mudança climática, vamos emitir mais e contribuir para que o problema se torne mais grave e assim também perderemos oportunidades econômicas, relacionadas à economia de baixo carbono e às energias renováveis. A contribuição do Brasil foi importante e tem que ser reconhecida, mas temos que olhar pra frente. O mundo vem se aquecendo, e se aquece de forma muito rápida. A gente pode fazer mais e deve fazer mais. Pelo nosso próprio benefício e para nossa própria segurança, pelo bem do clima e também da economia.
Como está evoluindo essa questão das energias renováveis e quais medidas práticas o governo poderia fazer para que isso fosse instituído para o cidadão comum?
O Brasil precisa entender que a gente não pode extrair até a última gota do pré-sal. Claro que os poços onde há extração não vão se fechar do dia para a noite, mas a gente tem que ter um plano de saída. Precisamos saber qual o limite de combustíveis fósseis que a atmosfera vai suportar em todo o planeta e qual espaço o pré-sal vai ocupar em uma economia que precisa descarbonizar sua matriz energética, o que significa que a gente precisa parar de consumir combustíveis fósseis. Além disso, a energia solar está se tornando bem mais barata e deve ser, em menos de 10 anos, a fonte mais barata em qualquer região de mundo. Junto disso tem um processo intensivo de eletrificação dos transportes. Esses fatores mostram que a gente pode sair dos combustíveis fósseis, seja para gerar eletricidade em nossas casas, seja para fazer um automóvel se deslocar. Mas ainda é muito caro e tem poucas compensações. No Brasil, o máximo que você consegue fazer é pagar o preço de um carro popular para colocar numa casa pequena painéis solares, o que obviamente não é todo mundo que pode. A economia será descontada da futura conta de energia, com limitação. Ou seja, diferente do sistema americano ou europeu, no Brasil você não tem nenhum benefício econômico e quando tem é muito pequeno. O tempo que leva para pagar o investimento é de quatro, cinco ou até 20 anos. Quem investe hoje, investe por puro amor a causa e pura preocupação com o planeta. O governo deveria colocar medidas para permitir que a implementação aconteça. O cidadão comum não deveria precisar pagar pelo investimento, e a empresa de energia deveria comprar a energia economizada redistribuí-la, como nos outros países. O problema é que a gente ainda acha que grandes obras como o pré-sal são a nossa passagem para o primeiro mundo, mas não. O País tem muito vento, muito sol, muito biomassa da madeira, da cana de açúcar, muito recurso renovável que pode e deve ser aproveitado numa escala maior. Aproveitamos pouco as nossas energias renováveis modernas e precisamos priorizá-las em nossos investimentos.
Você acha que o Brasil vai ser capaz de cumprir as NDCs que ele propôs no acordo de Paris? O que precisa mudar para conseguirmos realizar essas metas?
A meta do Brasil, embora comparando com as de outros países possa parecer melhor, não é uma meta ambiciosa. Nunca foi. É uma meta possível, factível, e a partir de políticas existentes a gente conseguiria atingi-la. A recessão econômica, infelizmente, vai impactar na nossa trajetória de emissões e deve ajudar atingir as metas com uma maior facilidade. O grande risco está justamente aí: a gente se acomodar. Já estamos muito acomodados com tudo aquilo que foi feito, sem avançar nos investimentos, no caminho da energia renovável, da agricultura de baixo carbono, da restauração florestal, de acabar com o desmatamento, com a maior eficiência da indústria. A gente precisa mudar esse cenário. Atingir as metas das NDCs é fácil. Não vai existir, hoje, nenhum grande sacrifício, basta manter as políticas atuais com uma ou outra pequena intervenção, mas a gente tem que fazer mais, este é o ponto, podemos e devemos fazer mais.
Então você acha que essas metas foram metas confortáveis, não são um desafio atingi-las. O que seria esse “fazer mais”?
Todos os países grandes emissores terão que fazer mais. A soma dos esforços de dos países signatários levam a um mundo que é no mínimo três graus acima da temperatura média do planeta e dos níveis pré-industriais. Isso é o dobro do objetivo do Acordo de Paris, que é limitar o aumento a um grau e meio. Acho que essa tem que ser a meta por questões morais, porque acima de um grau e meio você tem o risco de desaparecimento de países. O que precisa ser feito é construir novos cenários, considerando a realidade econômica do Brasil. Do nosso ponto de vista, as emissões brasileiras têm que ser bem abaixo de um bilhão de toneladas em 2030 para, minimamente, fazer a nossa parte. E, hoje, a gente chegaria em 2030 com muito mais que um bilhão de tonelada. Precisamos melhorar nos agregados, na nossa contribuição, e focar nas ações que vão entregar a redução de emissões. Parar de discutir desmatamento ilegal zero só em 2020 e discutir desmatamento zero e desmatamento residual pequeno agora. Ao invés de, digamos, trabalhar com a perspectiva de que desmatamento vai acontecer, porque que não se paga pelo benefício que aquela floresta em pé traz para o país e para o clima? Então, a gente precisa mudar a lógica. A agenda de desenvolvimento tem que ser a agenda de desenvolvimento da fiscalização do baixo carbono, da eliminação das emissões ao longo do tempo e com o aumento da nossa capacidade de adaptação e resiliência. A gente trata isso de uma maneira muito marginal. Fala de “PAC”, “infraestrutura”, “pré-sal”, e nada disso vem conversando com agenda de clima.
A agricultura realmente tem uma parcela importante na economia do Brasil, mas ela também tem uma parcela importante, se não a maior nas emissões. O que você acha que poderia mudar nessa questão da agropecuária para que ela se tornasse mais sustentável?
A agricultura e a pecuária chamadas de “baixo carbono” são nada mais, nada menos, do que atividades baseadas em um modo de produção mais eficiente. Aumentar a eficiência da produção, como, por exemplo, o melhor manejo de pastagens. Um melhor uso de fertilizantes, que no Brasil usa fertilizantes em excesso. E medidas para recuperação de pastagens degradadas e solos para permitir a produção de alimentos, produzir melhor. Produzir melhor significa maior ganho para o produtor. Maior ganho para o produtor significa redução de emissões e melhor economia. É um “ganha-ganha”. Precisa muito ampliar a assistência técnica, para que as técnicas chamadas de “baixo carbono”, como integração lavoura-pecuária-floresta ou plantio direto sejam assimiladas pelos produtores pequeno, médio e grande. É necessário essa assistência técnica, mas isso não tem que ser visto como um custo, tem que ser visto como um investimento. Se ao longo do tempo o produtor está ganhando mais e estamos emitindo menos por que não fazer? Se a atividade agrícola e pecuária destrói a floresta que produz a água da qual ela depende, tem alguma coisa errada nessa equação. Nesse exato momento, temos áreas do Mato Grosso e do Pará onde produtores rurais estão sofrendo com a combinação do desmatamento e o aquecimento global. Está trazendo efeitos de queda da produtividade, quebra de safra em algumas regiões e é esse cenário que vai acontecer se não revertermos essa tendência agora. A gente desmata muito e não restaura. É parar de desmatar e restaurar muita floresta. E milhões e milhões de hectares precisam ser restaurados em áreas de preservação no Brasil.
Foi muito falado sobre aumentar ambição e sobre introduzir as metas de uma forma mais rápida. Vários estudos falam que 2020 é muito tarde pra fazer essas mudanças. Então, o que você acha que o Brasil deveria mudar nesse sentido, tanto de aumentar a ambição de diminuir emissões, quanto em agilizar esse processo?
Está previsto aqui na Convenção de Clima o chamado “diálogo facilitado” sobre ambição a mais necessária para atingir os objetivos do Acordo de Paris. Isso deve acontecer em 2018. O que o Brasil deveria fazer ainda aqui em Marrakech, durante a COP22, é contribuir para que esse processo de 2018 não seja uma simples conversa, um simples encontro em que as pessoas se dão conta, mais uma vez, de que “olha, o que tem na mesa é muito pouco”. A gente tem uma margem muito pequena e, hoje, uma chance muito grande de não atingir os objetivos do Acordo de Paris. Então, contribuir para que haja um diálogo que traga resultados concretos. Mesmo que, legalmente, do ponto de vista do que foi acordado em Paris não exista obrigação de antes de 2020 aumentar a ambição, isso é moralmente necessário por causa dos impactos que acontecem hoje. Esses impactos tendem a crescer e vão afetar principalmente as populações mais pobres. Essa é a primeira contribuição. Segundo, é começar um diálogo dentro de casa sobre o que nós podemos fazer a mais, como nós podemos fazer mais até chegar em 2018, colocando isso na mesa e se preparar para, em 2020, entregar mais do que tem na nossa NDC. Quando a gente olha para o lado na mesa de negociação, a meta brasileira é um pouquinho melhor, uma direção, uma meta de redução absoluta de emissão. Mas todo mundo está no mesmo barco e se o nosso furo é um pouquinho menor do que o furo dos demais países, não importa. O barco vai afundar e a nossa contribuição não foi suficiente.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
O Brasil “ainda não tem plano, só uma meta”. Entrevista com Carlos Rittl - Instituto Humanitas Unisinos - IHU