22 Agosto 2016
Como é possível ler a profunda transformação da vida consagrada em curso nestes anos e como ajudar os/as religiosos/as a enfrentar os desafios do contexto em mudança? Quais oportunidades e perspectivas para o futuro? Essas são as questões que atravessam as ordens e congregações em todos os continentes, ainda que a situação dos países ocidentais manifeste cada dia mais a dificuldade, especialmente dos números, que, depois, significa pessoas e possibilidades ou não de continuar a missão que lhes foi confiada pelos fundadores. Mas, talvez, também poderia não ser um problema, mas sim uma oportunidade.
A reportagem é de Maria Teresa Pontara Pederiva, publicada no sítio Settimana News, 18-08-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Falaram sobre isso, em Atlanta, Georgia, as cerca de 800 superioras maiores dos Estados Unidos, membros da Leadership Conference of Women Religious (LCWR), por ocasião da assembleia anual realizada entre os dias 9 e 13 de agosto passado sobre o tema Embracing the Mystery: Living Transformation [Abraçando o Mistério: transformação viva].
Em 1971, no momento da sua constituição na forma atual, a LCWR incluía as superiores que representavam mais de 150 mil freiras dos EUA. Naqueles anos, no país, o número total das religiosas chegava a 181 mil; em 1995, as freiras haviam caído para 107 mil; dez anos depois, em 2005, eram 72 mil e, no ano passado, 2015, 49 mil (destas, 39 mil pertencem à LCWR).
No arco de 20 anos (1995-2015), as religiosas passaram de 107 para 49 mil, e as projeções para a próxima década falam de uma queda para 29 mil. "Estamos literalmente evaporando!", brincou a presidente, Ir. Marcia Allen, que acrescentava: "Os carismas, sem dúvida, ainda são válidos, mas são chamados a algo novo". O problema, porém, é sempre o mesmo: qual é a mudança que pode ser eficaz hoje?
Uma pista foi indicada pela Ir. Allen, referindo-se aos ensaios de Anne M. Butler, "Através das fronteiras de Deus. Freiras católicas nos Estados Unidos 1850-1920" (2012) e de Tilley W. Terrence, "Reinventar a tradição católica" (2011). A sua tese era esta: a tradição pode ser reinventada no tempo de acordo com as diversas circunstâncias, e isso é exatamente o que fez, por assim dizer, a sorte das religiosas estadunidenses.
Demonstrou-se eficaz o fato de compartilhar a vida das pessoas, das minas às ferrovias, nas pradarias desoladas, nas montanhas ou no deserto. Os carismas dos fundadores, inicialmente apenas europeus, sobreviveram, mas completamente modificados: deixaram para trás tudo o que já era distante e passado, justamente por estarem "encarnados" no presente da nova vida de fronteira.
Percebe-se, aqui, o eco daquilo que escreveu também o teólogo Jürgen Moltmann sobre a esperança do povo de Israel: quando tudo parece perdido, é o próprio Deus que oferece caminhos novos, aquilo que ele chama de "horizonte de expectativa". Não se trata de um otimismo de moda ou de utopia, mas de estar pronto para reconhecer as novas perspectivas que se descerram, porque ter fé significa saber que elas sempre se abrirão.
As religiosas ainda pensam que são de alguma utilidade para os seus irmãos de hoje? Se a resposta for positiva, que as irmãs não fiquem paralisadas se os conventos não estão lotados de novas membros jovens.
Há uma questão que já deve ser superada: nos últimos anos, foram feitas análises e pesquisas, fusões e reconversões, fechamentos e partidas, especialistas foram chamados para uma ajuda que, no fim das contas, significava fazer com que o carisma fosse capaz de "passar" para a próxima geração. Buscava-se uma garantia de sobrevivência: um trabalho estressante, que consumiu muitas energias. Talvez, chegou a hora de virar a página e olhar para um novo horizonte.
Era exatamente esse o desejo da Ir. Sharon Holland – a presidente que tinha "arrastado" a LCWR para além do pântano da polêmica com o Vaticano – durante a assembleia do ano passado: "Sigamos em frente!".
"Chega de nos atolarmos em estratégias locais de curto prazo, deslocando pessoas apenas com o objetivo de garantir algo que existia antigamente, mas que, evidentemente, hoje não serve mais. Talvez, dentro de uma ou duas gerações, até mesmo as regras e os regulamentos poderão parecer obsoletos aos nossos sucessores, e talvez uma nova transformação ainda vai ser necessária, mas, enquanto isso, devemos agir hoje e inventar uma nova tradição."
Não chegaram receitas decisivas durante a assembleia, mas uma orientação clara, sim: pôr de lado as questões práticas. O horizonte que se abre é o de um retorno ao essencial da escolha de uma vida consagrada. Em outras palavras, acima de tudo, a oração e a partilha com a humanidade próxima e distante.
A Ir. Pat Farrell, presidente emérita e ex-missionária na América Latina, indicou isso com o entusiasmo do momento da profissão. "Aprofundar a dimensão contemplativa da vida religiosa nos levará às origens do movimento das religiosas iniciado ainda nos anos 1950 e desenvolvido depois do Concílio. Cristo nos propôs um caminho irresistível a seguir, um caminho baseado no amor e na misericórdia que leva à construção de um mundo mais justo e inclusivo. Ponhamo-nos à escuta daquilo que Ele nos pede aqui hoje: o Reino de Deus já está na terra. Acordemos e coloquemos à disposição as nossas mãos e os nossos corações para torná-lo visível aos nossos irmãos."
Banidas, por assim dizer, as preocupações práticas que paralisaram capítulos e encontros nos últimos anos (e a LCWR também teve a sua "questão romana"), que as irmãs voltem à sua missão de oração e de ação, de acordo com o carisma dos fundadores. Rezar pelas tantas solidões e misérias das pessoas de hoje, rezar pela resolução dos conflitos e pelo fim de tantas violências é uma semente lançada que trará frutos.
"A atitude contemplativa cotidiana significa sintonizar-se conscientemente, fornecendo a energia para a transformação do mundo, como o fermento que se expande no silêncio e transforma a massa."
As religiosas estadunidenses, portanto, parecem estar voltadas a novos horizontes: distantes das preocupações dos fechamentos ou vendas de instalações, estão prontas para voltar às origens dos seus carismas, para se interrogarem na oração sobre quais mudanças são necessárias no mundo contemporâneo para abraçar o sofrimento e a dor, para acolher cada pessoa, em particular os pobres e os marginalizados da sociedade.
"O reino de Deus tem a precedência sobre tudo o que somos", concluía a Ir. Farrell, pedindo uma espécie de "purificação" interior para se abrir humildemente ao mistério da vida, das pessoas e da criação.
As pessoas consagradas como fermento para o advento do Reino dentro das suas ordens e congregações e, depois, fermento para a Igreja e para o mundo inteiro. O testemunho, se for autêntico, fala por si só, e os frutos virão, embora ninguém saiba imaginar quais são.
O campo que se abre é muito vasto: da preocupante campanha pelas próximas eleições presidenciais nos EUA às interrogações que nascem dos assassinatos de jovens negros pela polícia, da degradação ambiental à escalada planetária do terrorismo. O futuro é incerto, como um "caminho escondido pela neblina", um caminho repleto de dificuldades, mas a vida religiosa é um caminhar juntos, jovens e idosos, compartilhando alegrias e dores, confiando cotidianamente na ajuda de Deus a quem se ofereceu a própria vida.
Nesse contexto, as religiosas podem assumir também o papel fundamental de consciência crítica sobre os eventos no mundo (ainda no início de agosto, 5.671 irmãs tinham assinado um apelo aos candidatos à presidência dos EUA para que não se esqueçam dos valores fundamentais sancionados na Constituição).
Na mesma sintonia, a Ir. Liz Sweeney destacou a contribuição determinante para a formação das consciências no sentido de uma maior inclusividade e misericórdia no social, e a Ir. Margaret Wheatley, compartilhando a sua experiência pessoal de religiosa no meio dos sofredores, recordava o valor da proximidade com aqueles que estão na dor e no desespero: o testemunho fundamental de uma presença de amor quando tudo parece perdido.
Durante a assembleia, as participantes foram convidadas, depois, ao compromisso de criar cotidianamente espaços de silêncio na oração pessoal e comunitária, apesar dos horários e dos ritmos impostos pela missão (em um país como os EUA onde as distâncias a percorrer são muitas vezes massacrantes).
Também foram várias as resoluções aprovadas, entre as quais se destaca o compromisso para combater toda forma de discriminação, começando pela cor da pele; para abolir a escravidão moderna que dilacera o tecido social; para garantir o direito de cidadania aos imigrantes; para promover a justiça econômica, o cuidado pela criação e a proteção da biosfera.
Significativo do atual contexto também foi o Prêmio Outstanding Leadership Award, a tradicional honraria concedida pela diretoria da LCWR: a edição de 2016 foi entregue a Janice Bader, das Irmãs do Preciosíssimo Sangue, pelo seu trabalho como diretora executiva do Escritório Nacional para os Religiosos Aposentados.
A Ir. Maria Pellegrino, das Irmãs de São José de Baden, Pensilvânia, assumiu o cargo de presidente da LCWR para 2016-2017, enquanto a conferência votou na Ir. Teresa Maya, líder da Congregação das Irmãs da Caridade do Verbo, em Santo Antônio, Texas, como sua presidente eleita.
"Que os seus dias juntas possam ser repletos de frutos", tinha escrito o padre José Carballo, secretário da Congregação vaticana. Não se sabe se ele imaginava as conclusões: as irmãs dos EUA decidiram viver a sua vida de consagradas, custe o que custar, sem ficar encalhadas nas preocupações da queda das vocações ou do fechamento dos conventos. Com a mesma fé de Clara de Assis, de Catarina de Siena e de tantas outras que as precederam.
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O novo (antigo) horizonte das religiosas dos EUA - Instituto Humanitas Unisinos - IHU