19 Abril 2012
A Congregação para a Doutrina da Fé do Vaticano ordenou que a maior organização de lideranças das religiosas norte-americanas reforme seus estatutos, programas e filiações para se conformar mais de perto "aos ensinamentos e à disciplina da Igreja".
A reportagem é de Joshua J. McElwee, publicada no sítio do jornal National Catholic Reporter, 18-04-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O Vaticano também disse nessa quarta-feira, 18, que nomeou o arcebispo de Seattle, Peter Sartain, para supervisionar a Leadership Conference of Women Religious (LCWR), que tem sido objeto de uma "avaliação doutrinal" pela congregação vaticana desde 2009, e lhe deu poder para rever e revisar as políticas da organização.
A notícia veio em um comunicado de imprensa dessa quarta-feira de manhã por parte da Conferência dos Bispos dos EUA, que foi acompanhada por um documento de oito páginas da Congregação doutrinal e de uma declaração de uma página do cardeal William Levada, prefeito da Congregação.
De acordo o documento da Congregação, Sartain receberá autoridade sobre o grupo em cinco áreas, incluindo:
Segundo a carta, o mandato de Sartain irá durar "até cinco anos, na medida do necessário". Também se espera que Sartain estabeleça uma equipe de consultoria, incluindo clérigos e religiosas, para "trabalhar colaborativamente" com as lideranças da LCWR e para "relatar o andamento desse trabalho à Santa Sé".
"Dessa forma, a Santa Sé espera oferecer uma contribuição importante para o futuro da vida religiosa na Igreja nos Estados Unidos", afirma a carta.
De acordo com o comunicado dos bispos dos EUA, Dom Leonard Blair, bispo de Toledo, Ohio, e Dom Thomas John Paprocki, bispo de Springfield, Illinois, irão trabalhar com Sartain.
Embora as lideranças da LCWR não responderam imediatamente aos pedidos de comentários sobre esse fato, uma ex-líder do grupo disse ao NCR que a nomeação e a ordem para que o grupo revise a si mesmo era "realmente imoral".
"Dentro do quadro canônico, eu só vejo uma forma para lidar com isso", disse a irmã beneditina Joan Chittister, que atuou como presidente do grupo, assim como em várias posições de liderança (Chittister também escreve uma coluna para o NCR). "Elas [os membros da LCWR] teriam que se dispersar canonicamente e se reagrupar como um grupo de interesse não oficial".
"Essa seria a única forma de manter o crescimento e alimentar os seus carismas congregacionais e o carisma da LCWR, que é o de ajudar as comunidades religiosas a avaliar os sinais dos tempos. Se tudo que você faz deve ser aprovado por alguém de fora, então você está abrindo mão do seu carisma e certamente está menosprezando a capacidade das mulheres de fazer distinções".
Visitação
A avaliação da LCWR por parte da congregação doutrinal vaticana começou logo após a Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica do Vaticano ter anunciado uma visitação apostólica independente das ordens religiosas femininas norte-americanas. Os resultados desse estudo foram submetidos a Roma em janeiro deste ano.
Embora grande parte da informação contida no documento do Vaticano divulgado nessa quarta-feira seja informações relatadas anteriormente sobre a avaliação, o comunicado também revela mais detalhes sobre a extensão das investigações do grupo e fornece informações previamente desconhecidas sobre a linha do tempo do processo e o envolvimento de Papa Bento XVI.
Acerca do cronograma, o documento afirma que a Congregação vaticana tomou contato pela primeira vez com os resultados da avaliação doutrinal em janeiro de 2011 e decidiu então examinar que formas de "intervenção canônica" poderiam ser disponibilizadas para abordar os "aspectos problemáticos" que ela afirma existirem na organização, e que a diz que carta são considerados "graves e uma questão de séria preocupação".
O documento também afirma que o Papa Bento XVI se reuniu com Levada dois dias depois do encontro e, nesse ponto, deu a Levada a autoridade para explorar a "implementação" das conclusões da Congregação.
Citando uma passagem do Evangelho de Lucas – "Eu rezei por você, Pedro, para que a sua fé não desfaleça. E você, quando tiver voltado para mim, fortaleça os seus irmãos e irmãs" –, o documento diz que o papa deu a Levada a autoridade para mostrar sua "preocupação pastoral" pelas religiosas, "que, ao longo dos últimos séculos, foram muito fundamentais na construção da fé e da vida da Santa Igreja de Deus".
Em sua carta dessa quarta-feira, Levada escreve que a nomeação de Sartain "visa a fomentar uma renovação paciente e colaborativa dessa conferência de superioras-maiores, a fim de fornecer uma fundamentação doutrinal mais forte para as suas muitas e louváveis iniciativas e atividades".
O documento da Congregação enfatiza novamente o motivo da avaliação doutrinal, escrevendo que Levada dissera às lideranças da LCWR em 2008 que a Congregação tinha três áreas principais de preocupação com o grupo:
O documento cita um discurso da irmã dominicana Laurie Brink, proferido na assembleia da LCWR de 2007 [disponível aqui, em inglês] , e diz que ele é uma "séria fonte de escândalo e é incompatível com a vida religiosa".
O texto afirma que Levada recebeu cartas de lideranças de diversas ordens dos EUA protestando contra o ensino da Igreja sobre questões incluindo a ordenação de mulheres e o ministério apropriado para as pessoas homossexuais.
"Os termos das cartas sugerem que essas irmãs, coletivamente, tomam uma posição não em acordo com o ensino da Igreja sobre a sexualidade humana", afirma o documento. "Esse é um sério assunto quando essas equipes de lideranças não estão oferecendo uma liderança e exemplo efetivos para suas comunidades, mas sim colocando-se fora do ensino da Igreja".
O documento também afirma que certas apresentações da LCWR "correm o risco de distorcer a fé em Jesus e em seu Pai amoroso que enviou seu Filho pela salvação do mundo" e "até minam as doutrinas reveladas da Santíssima Trindade, da divindade de Cristo e da inspiração da Sagrada Escritura".
Duplo problema
Por fim, o texto afirma que a avaliação doutrinal realizada pela Congregação revelou "um duplo problema" na organização: de um "erro positivo" – citando o que ela chama de declarações "doutrinalmente problemáticas" nas assembleias anuais – e de "silêncio e inércia (...) diante de tal erro".
O documento assinala especificamente "a ausência de iniciativas" por parte dos membros da LCWR para promover a recepção dos ensinamentos da Igreja, mencionando especificamente a carta apostólica do Papa João Paulo II sobre a ordenação de mulheres, Ordinatio sacerdotalis.
O texto também critica observações das religiosas segundo as quais seu desacordo com a doutrina oficial da Igreja sobre certos tópicos poderiam ser considerados como proféticos, escrevendo que essa noção está "baseada em uma compreensão equivocada da dinâmica da profecia na Igreja", que "justifica a discordância ao postular a possibilidade da divergência entre o magistério da Igreja e uma intuição teológica 'legítima' de alguns dos fiéis".
A revisão "parece ainda mais oportuna" à luz do próximo aniversário de 50 anos da abertura do Concílio Vaticano II, "cuja visão teológica e recomendações práticas para a Vida Consagrada podem servir como um modelo providencial para a revisão e a renovação da vida religiosa nos Estados Unidos", afirma o documento.
Em sua carta, Levada escreve que o primeiro passo para a implementação das conclusões será um "encontro pessoal" entre os membros da Congregação e as lideranças da LCWR.
"Esse encontro pessoal permite a oportunidade para rever o documento em conjunto, em um espírito de respeito e colaboração mútuos, na esperança, assim, de evitar possíveis mal-entendidos acerca das intenções e do escopo do documento", escreveu Levada.
"Motivação imoral"
Chittister disse estar profundamente perturbada com a notícia da nomeação de Sartain e da ordem para que a LCWR se revise.
"Quando você define que uma pessoa ou um grupo que não fizeram nada de errado devem se reformar, você deve ter uma intenção, uma motivação que não é meramente de base moral, mas, na verdade, imoral", disse.
"Pelo fato de você estar tentando controlar as pessoas por causa de uma coisa e de uma só coisa – e se trata de pensar, de estar disposto a discutir as questões de época... –, se pararmos de pensar, se pararmos de exigir o direito divino de pensar e de ver isso como um dom católico, então estamos traindo a Igreja, independentemente do que os poderes da Igreja vejam como uma verdade inconveniente em seus próprios tempos".
Na tentativa de tomar tal controle sobre o pensamento das pessoas, disse ela, "você faz um escárnio da busca de Deus, de toda a noção de manter os olhos sobre os sinais dos tempos e de prover as pessoas com a melhor orientação e presença espirituais possíveis que você pode dar".
"Quando eu era criança, eu fui ensinada de que era um pecado ir a uma igreja protestante. Ao longo da minha vida, a Igreja, para seu crédito eterno, admitiu que isso estava errado. O escândalo e o pecado é que ela levou 400 anos para fazer isso".
Chittister disse que as religiosas, desde o Vaticano II, têm tentado "ajudar a Igreja a evitar esse tipo de escuridão e de controle (...) Elas têm sido um dom para a Igreja em sua liderança, em seu amor e em sua contínua fidelidade".
"Quando você estabelece que se reforme esse tipo de testemunho, lembre-se, ao terminar, de quem condenou a Igreja a mais outros 400 anos de escuridão. Não terá sido o povo da Igreja que fez isso".
A cópia da íntegra da carta da Congregação para a Doutrina da Fé está disponível aqui, em inglês. Já a cópia da carta do cardeal Levada, também em inglês, pode ser acessada aqui.
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Vaticano ordena revisão e reforma de organização de religiosas dos EUA - Instituto Humanitas Unisinos - IHU