23 Fevereiro 2016
A declaração conjunta com o patriarca de Moscou, certamente, não é um documento modernista; ela foi, porém, assinada ao término de um encontro de grande porte histórico que aproxima, depois de mil anos de separação, não só duas Igrejas, mas também Europa oriental e Europa ocidental.
A análise é do historiador italiano Agostino Giovagnoli, professor da Università Cattolica del Sacro Cuore, em Milão, e diretor do Departamento de Ciências Históricas da mesma instituição. O artigo foi publicado no jornal La Repubblica, 21-02-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
No México, Francisco não só testemunhou apaixonadamente a misericórdia para com os últimos: também os convidou a se comprometerem com o seu próprio resgate. Embora pedindo perdão aos índios, não deixou espaço para a autopiedade. Embora detendo-se longamente diante da Virgem de Guadalupe que "protege" o povo mexicano, ele foi muito duro contra a metástase do narcotráfico e severo com os jovens que entram no giro dos narcotraficantes. Aos bispos e aos religiosos, ele pediu que sejam "pastores do povo de Deus e não clérigos de Estado", enquanto renovava a condenação da corrupção que destrói os Estados e abandona os mais fracos à violência.
A sua mensagem atingiu o seu auge na prisão de Ciudad Juárez. Se "quem experimentou o inferno pode se tornar profeta na sociedade", como ele disse aos presos, então realmente tudo é possível. O que está feito está feito, reconheceu ele, aludindo de forma realista aos crimes cometidos pelos detidos, mas "isso não significa que não haja a capacidade de escrever uma nova história". Dirigindo-se aos presos, não Francisco não falava só da prisão.
A cultura do descarte, que aqui é dominante, condiciona realmente toda a sociedade. A prisão é expressão de uma mais ampla "cultura que deixou de apostar na vida" e de uma "sociedade que abandonou os seus filhos". Nessa ótica, a misericórdia é o que coloca a história novamente em movimento: não uma "mais" desejável, mas um "quê" necessário para "uma melhor convivência".
A religião de Francisco não se parece em nada com o ópio dos povos de que falava Karl Marx. Ela se conecta, em vez disso, com um desígnio em que os encontros com os líderes políticos (de Obama a Putin, de Merkel a, se possível, Xi Jinping) e com os líderes religiosos (do recente com Kirill ao próximo com el-Tayeb, xeique de al-Azhar) estão em função de uma geopolítica dos povos.
Francisco, de fato, está em sintonia com a "geopolítica das emoções" de Dominique Moisi, segundo a qual os povos são dominadas de vez em quando por sentimentos diferentes: medo, humilhação, esperança. Francisco aparece como um grande líder do século XXI por ser capaz de mover milhões de pessoas do medo ou da humilhação à esperança.
Mas, para muitos europeus – os comentários destes dias mostram isso –, esse papa continua sendo, acima de tudo, um "modernista" (visto a partir da direita) ou um "progressista" (visto a partir da esquerda), um pontífice que não defende o suficiente os valores morais ou que critica corajosamente o capitalismo ultraliberal.
Na verdade, a declaração conjunta com o patriarca de Moscou, certamente, não é um documento modernista; ela foi, porém, assinada ao término de um encontro de grande porte histórico que aproxima, depois de mil anos de separação, não só duas Igrejas, mas também Europa oriental e Europa ocidental.
No México, Francisco foi muito severo com aqueles que destroem a família, "base de toda sociedade saudável"; ele fez isso, porém, falando de colonialismo ideológico, um dos modos através dos quais se expressa a opressão dos povos fortes sobre os fracos. Também lhe foi atribuída uma atitude típica de papa sul-americano anti-yankee, mas ele enviou aos Estados Unidos sobretudo uma mensagem contra o uso político do medo contra os migrantes, como destacou o New York Times.
Não só a aplicação das categorias de modernista e de progressista são contraditórias, mas ambas também traem a convicção de que, não importa o que ele diga ou faça, Francisco se insere, no entanto, em um sistema fechado e em jogos já feitos. O papa, em suma, só pode mover um pouco mais para a direita ou um pouco mais para a esquerda os equilíbrios existentes. Francisco, no entanto, quer mudar a história, e isso, para muitos europeus, é simplesmente impossível.
Mas é interessante que, precisamente na Europa, a "geopolítica da misericórdia" teve um precedente esclarecedor. Em 1943, em plena Segunda Guerra Mundial, um prestigiado expoente do pensamento laico e anticlerical e antifascista convicto, Benedetto Croce, expressou um sentimento generalizado.
Ele argumentou, de fato, que, depois da devastação provocada pelo nazismo e pelo fascismo, apenas uma palavra cristã poderia colocar novamente em movimento a história europeia: perdão. Depois da passagem da Europa da guerra ao pós-guerra, muitas outras transições do século XX também envolveram processos de reconciliação.
Croce zombava com sarcasmo dos estudiosos modernistas do início do século XX, que, com base em rigorosas argumentações exegéticas e filológicas, negavam a autenticidade da página do Evangelho de João que ele considerava a mais expressiva de todo o Cristianismo. É o trecho da adúltera perdoada por Jesus, para quem "quem não tiver pecado que atire a primeira pedra". Precisamente a esse trecho, não por acaso, Francisco se referiu ao concluir a sua viagem ao México com a visita à prisão de Ciudad Juárez.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
A geopolítica da misericórdia. Artigo de Agostino Giovagnoli - Instituto Humanitas Unisinos - IHU