24 Setembro 2016
Há 55 anos, o então presidente dos Estados Unidos, John F. Kennedy, fez um poderoso discurso no Texas para convencer seu país a entrar na corrida espacial. “Nós escolhemos a Lua, não porque é fácil, mas porque é difícil, porque é um objetivo que servirá para tirar o melhor de nossas energias e habilidades.” O discurso marcou um momento de inspiração e exaltação das capacidades técnicas e científicas dos EUA e permitiu, sete anos depois, que Neil Armstrong entrasse para a história com seu famoso passo.
A reportagem é de Bruno Calixto, publicada por Blog do Planeta, 23-09-2016.
Um grupo de pesquisadores e empreendedores brasileiros acredita que nós estamos precisando de um novo momento de inspiração como esse – só que para enfrentar outro problema, muito mais próximo da gente. Em um artigo publicado na revista científica PNAS, pesquisadores renomados argumentam que é hora de mudar a forma como encaramos a Amazônia. “A Amazônia precisa de uma missão aspiracional do tipo “homem na Lua”, que avance as fronteiras digital, biológica e de materiais avançados para atingir a meta de usar a ciência para enfrentar grandes problemas”, diz o estudo.
No caso da Amazônia, os grandes problemas são bem conhecidos. Desmatamento e mudanças climáticas, juntos, podem acabar com a maior floresta tropical do mundo. Atualmente, os pesquisadores acreditam que há dois pontos sem volta para a Amazônia: se a média do clima da região aumentar 4ºC, ou se o desmatamento chegar a 40% da floresta, a Amazônia passará por um processo de savanização. Trocar a floresta por savana não será nada agradável para a humanidade.
Perderíamos a habilidade da floresta de controlar o clima, distribuindo as chuvas pelo país – grande parte da chuva que cai no Centro-Sul do Brasil vem de lá. O país ficaria ainda mais quente e as crises de água mais recorrentes. Isso sem falar na perda de espécies raras e até mesmo desconhecidas. Quão perto estamos desses pontos sem volta? A Amazônia já está 1ºC mais quente, e o desmatamento acumulado chega a quase 20%.
Segundo o estudo, a Amazônia chegou a esse estado por um conflito entre os dois modelos de políticas para a conservação da região. O primeiro é isolar áreas de florestas com a criação de áreas protegidas onde não são permitidas atividades econômicas. O segundo modelo é a intensificação da agricultura nas áreas já desmatadas, para que as atividades econômicas não avancem sobre a floresta. Esses modelos não estão dando conta do problema. “Por um lado, é difícil colocar tudo em unidades de conservação. Por outro, a agropecuária continua se expandindo com baixa tecnologia, mesmo quando há intensificação. Se o debate continuar assim, a floresta vai desaparecer ou ficar completamente recortada e isolada, como acontece hoje com a Mata Atlântica”, diz o climatologista Carlos Nobre, um dos autores do estudo. “Nós chegamos à conclusão de que os dois modelos são inviáveis. A única solução é a Amazônia ter uma atividade econômica muito mais rentável do que a pecuária.”
É aí que entra a revolução tecnológica que os autores do estudo estão propondo. Nobre conta que, como cientista, seu papel principal é avaliar os riscos do aquecimento global e desmatamento. Desta vez, ele quis dar um passo além e juntar a visão do cientista com a de empreendedores que estão se aventurando com as tecnologias da chamada “quarta revolução industrial” para trazer inovação e sustentabilidade para a Amazônia. Juan Carlos Castilla-Rubio é um desses empreendedores, presidente da Space Times Ventures, uma empresa que se dedica a incubar projetos e startups. A ideia é fomentar um novo tipo de desenvolvimento econômico na Amazônia. “Nós podemos usar artigos de biodiversidade para poder, efetivamente, criar novos produtos, novos mercados com grande potencial econômico para a região amazônica”, diz Castilla-Rubio.
Historicamente, as revoluções industriais estão associadas com a introdução de uma nova e potente tecnologia. A primeira foi a máquina a vapor, seguida pela energia elétrica, e mais recentemente a internet. A quarta revolução industrial virá da mistura de três grandes áreas promissoras: a de tecnologias digitais, como a inteligência artificial e a robótica; a de biotecnologia; e a de materiais avançados, como os criados por nanotecnologia ou pela internet das coisas.
Como a Amazônia entra nessa revolução industrial? Pelos ativos de sua biodiversidade. Identificando espécies de plantas, suas moléculas ou comportamentos, é possível “copiar” técnicas desenvolvidas pela natureza há milhões de anos. Por exemplo, há trabalhos para desenvolver um robô aquático inspirado no movimento dos peixes dos rios amazônicos. Ao imitar o movimento dos peixes, o robô consegue economizar energia e causa um impacto ambiental menor. Outro exemplo é uma rã, descoberta na Amazônia, que tem em sua saliva uma espuma que absorve gás carbônico (CO2). Essa rã pode inspirar a criação de novos componentes bioquímicos essenciais na tarefa de reduzir gases de efeito estufa e limitar o aquecimento global.
Mas nem tudo está tão distante assim. Já existe, hoje, biotecnologia para um grande impulso de inovação em alguns setores, como o de cosméticos e fármacos. E há pelo menos um grande exemplo que prova que a floresta pode nos brindar com um mercado bilionário e um produto delicioso: o açaí. Um produto milenarmente consumido na Amazônia se tornou, hoje, um produto alimentício que preencheu um nicho mundial. Encontra-se açaí como alimento ou suplemento alimentar em praticamente todo o país, e o produto é exportado da Amazônia para diversos países mundo afora. O açaí é hoje a terceira indústria de produtos naturais da Amazônia, perdendo apenas para madeira tropical e carne. Ao mesmo tempo, o açaí é mais produtivo, por hectare, do que a pecuária amazônica, e não degrada a floresta. O estudo sugere que, se mais produtos da floresta forem disseminados como o açaí, e se for possível dar escala de mercado a esses produtos, será possível criar uma economia três vezes maior do que a madeira e a pecuária.
“Nossa esperança é que os benefícios dessa economia sejam tão grandes, para todos, que vai minimizar o impacto dos outros dois modelos e criar uma terceira via, um novo paradigma de desenvolvimento para a Amazônia”, diz Castilla-Rubio. Para que isso aconteça, tem muito trabalho pela frente. A publicação do artigo é só o primeiro passo. Agora, os pesquisadores e empreendedores esperam criar uma coalizão, englobando universidades, instituições, startups, para começar a traçar o caminho para essa terceira via. Depois, haverá uma fase de incubação, em que os autores esperam criar empresas e projetos inovadores para mostrar para a sociedade que esse modelo é possível. Se o plano der certo, em algumas décadas poderemos olhar para trás e ver que o artigo foi nosso discurso do “homem na Lua” – e que nossa sociedade decidiu escolher a Amazônia.
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Como inovação e tecnologia podem salvar a Amazônia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU