Publicamos aqui o comentário do monge italiano Enzo Bianchi, fundador da Comunidade de Bose, sobre o Evangelho deste 32º Domingo do Tempo Comum, 06 de novembro de 2022 (Lucas 20,27-38). A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Tendo chegado quase ao término da lectio cursiva do Evangelho segundo Lucas prevista para o Ano Litúrgico C, hoje escutamos um trecho evangélico que diz respeito à morte, tema decisivo e inevitável para todos os humanos e, portanto, também para os discípulos de Jesus.
Jesus já entrou na cidade santa de Jerusalém (cf. Lc 19,28-38) e, nos seus últimos dias durante sua pregação, é interrogado por aqueles que o escutam. No nosso texto, é o caso de algumas pessoas pertencentes ao movimento dos saduceus, uma porção do povo de Israel essencialmente clerical, ligada ao sacerdócio.
Profundamente conservadores e tradicionalistas, eles praticavam uma leitura fundamentalista das Sagradas Escrituras, entre as quais privilegiavam a Torá (o Pentateuco), enquanto não consideravam como reveladores os profetas e os escritos sapienciais. E, justamente porque na Torá, por meio de uma interpretação literal, não se encontra a ressurreição dos mortos como verdade a se acreditar, os saduceus a rejeitavam, diferentemente dos fariseus e dos essênios, que, por sua vez, professavam-na como destino último dos justos.
Para mostrar o absurdo de tal fé na ressurreição do corpo da morte, esses saduceus dão a Jesus um exemplo ridículo e absurdo, que parece demolir a convicção que Jesus e os seus discípulos também compartilhavam com os outros filhos de Israel. Eles recorrem à lei do levirato, presente na Torá (cf. Dt 25,5-10), que autorizava um homem a se casar com a cunhada que ficara viúva e sem filhos. O objetivo dessa normativa é evidente: aos filhos que nascessem seria imposto o nome da família do pai, de modo que a descendência fosse assegurada ao irmão falecido.
Com base nessa lei – dizem os saduceus – uma mulher se torna esposa de sete irmãos, porque estes morrem um após o outro. “Por fim – concluem – morreu também a mulher. Na ressurreição, ela será esposa de quem? Todos os sete estiveram casados com ela.”
É bom saber que, no tempo de Jesus, era dominante uma concepção material do Reino messiânico e das realidades a ele conectadas. Por isso, acreditava-se que a ressurreição permitiria que os mortos do passado participassem do Reino para serem julgados e para reencontrar na bem-aventurança uma fecundidade extraordinária. Por exemplo, o rabino Gamaliel afirmava: “Virá o tempo em que a mulher dará à luz uma vez por dia”.
A ressurreição era pensada como reanimação do cadáver, retorno à vida corpórea anterior: uma concepção no mínimo enigmática, que abriria numerosos problemas...
Olhando para essa intervenção dos saduceus, não podemos deixar de denunciar o cinismo de muitos homens religiosos, também na Igreja de hoje: para eles, não existe, acima de tudo, o sofrimento humano, mas sim a leitura da realidade por meio de uma casuística teológica ou moral... Eles não sentem o peso muitas vezes insuportável da dor humana, mas lhes interessa, principalmente, a “doutrina” e, consequentemente, medem tudo com o apelo à lei.
Mas quem não conhece a compaixão pode ser um bom teólogo? Pode ser alguém que tem uma palavra para a humanidade sofredora e pecadora? Não, é apenas alguém que fala de Deus por ofício, sem a paixão por quem se esforça tanto para viver!
Jesus, em vez disso, responde com autoridade, interpretando de modo diferente a ideia da ressurreição: ele revela que este mundo passa, e que a novidade do reino dos céus não conterá mais a necessidade inscrita na vida biológica de homens e mulheres. Para Jesus, entre este mundo e o mundo que vem, há um contraste radical, não porque esta terra e este céu devam ser destruídos e voltar ao nada, mas no sentido de que a estrutura e a necessitas inscritas neles não estarão mais presentes.
O mundo que vem é uma realidade diferente daquela que conhecemos: nele entrarão todos aqueles que, com base no juízo universal de Deus (cf. Mt 25,31-46), serão considerados dignos, os “abençoados pelo Pai” (Mt 25,34).
O juízo provocará uma crise e uma classificação: aqueles que, na terra, viveram de acordo com a vontade de Deus – quer a conhecessem ou não – tomarão parte do Reino. Para aqueles que, ao contrário, contradisseram essa vontade que é o amor, nada mais do que o amor pelos outros, ou seja, sobre os “malditos” (Mt 25,41), não há nenhuma palavra no Evangelho segundo Lucas: sobre eles, um silêncio total, como se não fossem dignos de ser levantados do nada da morte...
É assim que Jesus levanta o véu sobre a realidade do outro mundo, na qual haverá uma recriação inimaginável, uma transfiguração radical que só podemos entrever pensando nos anjos, nos mensageiros de Deus, criaturas não mortais, não corruptíveis. Jesus também acrescenta que, no Reino, cessará toda atividade de continuação da espécie e, portanto, toda atividade sexual, porque não se morrerá mais.
Confessamos honestamente que, sobre essa realidade que não conhecemos e que nos é anunciada de modo alusivo, não sabemos dizer, não sabemos imaginar. Deveria bastar para nós o fato de estarmos convencidos de que a realidade após a ressurreição da carne será comunhão com Deus e com todos os humanos, e que, nessa comunhão, nada será perdido do amor que vivemos, amando e aceitando ser amados. Isto deveria nos bastar: uma eterna comunhão de amor, uma condição na qual não haverá mais o pranto, o luto, a separação, a dor, a morte (cf. Is 25,16; Ap 7,17; 21,4), porque seremos “filhos de Deus”.
Diante da realidade cruel da morte, o anúncio da ressurreição é o não evidente, o não credível por excelência, mas precisamente esse é o núcleo da fé cristã: fé em primeiro lugar na ressurreição de Jesus Cristo, o Senhor, e de todos aqueles que nele creem.
Como o apóstolo Paulo pregou, se Cristo não ressuscitou dos mortos, vã é a fé cristã, e, se não há ressurreição dos mortos, então nem mesmo Cristo venceu a morte, nem mesmo ele está vivo para sempre (cf. 1Cor 15,12-17).
Quanto às palavras de Jesus: “Os homens e as mulheres casam-se, mas os que forem julgados dignos da ressurreição dos mortos e de participar da vida futura, nem eles se casam nem elas se dão em casamento”, não podemos esquecer que, durante séculos, elas foram lidas como um convite a viver já aqui o celibato pelo Reino. Também não esqueçamos que, justamente a partir dessa afirmação, os monges falavam do seu próprio status como “vida angélica”.
Hoje, em vez disso, lemos tais palavras com uma hermenêutica diferente, não as considerando mais como um fundamento para a condição do celibato pelo Reino. De fato, sabemos que Jesus se servia das imagens de sua cultura, compreensíveis para a sua audiência, para enfatizar o anúncio da ressurreição da carne como esperança para seus discípulos.
Mas, na minha opinião, o ponto teológico e revelador culminante dessa discussão com os saduceus está em uma afirmação de Jesus contida no trecho paralelo de Marcos e de Mateus: “Vocês estão enganados, porque não conhecem as Escrituras nem o poder de Deus” (Mc 12,24; Mt 22,29), aquela dýnamis que pode agir, criar e recriar... Acusação terrível dirigida àqueles sacerdotes aos quais competia dar ao povo o conhecimento de Deus (cf. Os 4,6)!
E eis que, nas palavras conclusivas de Jesus, a correção desse não conhecimento: “Que os mortos ressuscitam, Moisés também o indicou na passagem da sarça, quando chama o Senhor de ‘o Deus de Abraão, o Deus de Isaac e o Deus de Jacó’ (Ex 3,6). Deus não é Deus dos mortos, mas dos vivos, pois todos vivem para ele”.
De acordo com Jesus, a ressurreição já é testemunhada pela Torá, embora os saduceus não saibam discerni-la dentro das Sagradas Escrituras: os pais da nossa fé viveram para Deus, e a sua fé fez com que eles estejam vivos em Deus, além da morte. Porque a aliança entre Deus e o seu povo, entre Deus e todos os humanos é tamanha que nada nem ninguém poderá rompê-la: certamente não a morte, porque ele é fiel e, na morte, se apresenta a nós de braços abertos, à espera de nos tomar consigo como filhos e filhas amados para sempre.
Eis a ignorância dos saduceus, a sua incapacidade de ler as palavras ditas por Deus a Moisés e, portanto, a sua não fé no poder de Deus. Os fiéis, por sua vez, estão convencidos de que, estando em aliança com Deus, quando morrem, vivem para Deus e em Deus, porque Deus é fiel e nunca abre mão de sua promessa e de sua aliança.
Somos postos diante do grande mistério do êxodo pascal: morremos para este mundo para sermos reerguidos mediante uma transfiguração de toda a nossa pessoa, espírito e corpo, para a vida em Cristo, no Reino eterno do amor.
Esta página evangélica não é apenas testemunho e confissão da ressurreição por parte de Jesus, mas também contém perguntas para nós hoje. Quais são as razões pelas quais nos dizemos cristãos e vivemos? Acreditamos realmente que a morte não é a última palavra sobre cada um de nós e que as razões pelas quais vivemos até dar a vida são razões de fé e de esperança na ressurreição, que não será um prolongamento, uma continuidade da nossa vida terrestre, mas sim continuidade do nosso amor vivido como homens e mulheres dotados da graça do Senhor? Acreditamos realmente que o amor de Deus por nós vai além da morte? Acreditamos concretamente que a morte é um evento pascal, um evento que devemos viver e atravessar para amar até o extremo (cf. Jo 13,1) e para acreditar em Deus radicalmente, totalmente, fazendo da nossa morte um ato de entrega da vida a ele, que a deu para nós?
Hoje, a crise da fé que atravessa a Igreja é, acima de tudo, fraqueza da fé na ressurreição, na vida eterna.