Jesus busca quem está perdido

28 Outubro 2022

Publicamos aqui o comentário do monge italiano Enzo Bianchi, fundador da Comunidade de Bose, sobre o Evangelho deste 31º Domingo do Tempo Comum, 30 de outubro de 2022 (Lucas 19,1-10). A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto.

Hoje o Evangelho narra o encontro entre Jesus e Zaqueu. É um texto que reúne em si numerosos fios que atravessam a trama geral do Evangelho segundo Lucas.

Jesus está no caminho que sobe da Galileia para Jerusalém, meta da viagem empreendida por ele com grande decisão (cf. Lc 9,51). Uma etapa dessa viagem é a cidade de Jericó, zona de fronteira da província romana da Judeia. Enquanto Jesus está atravessando Jericó, outro personagem entra em cena. É “um homem”, essa é a sua qualidade primeira: o evangelista a destaca imediatamente, para esclarecer o que o protagonista principal do relato, Jesus, vê nele.

Jesus sabe ir além da opinião comum, é capaz de sentir intensamente, de ver em profundidade: vê um homem onde os outros só veem um criminoso, capta em cada um de seus interlocutores a condição de ser humano, sem nenhuma prevenção.

Seu nome é Zakkaj, que significa “puro, inocente”: ironia do destino ou outro detalhe que nos diz nas entrelinhas aquilo que só Jesus pode ver nele? Quanto ao seu ofício, não é apenas um publicano, mas um “chefe dos cobradores de impostos”, o emblema por excelência do pecador público, que se enriqueceu graças a uma conduta injusta.

Zaqueu está ciente de que é pecador, de que não tem méritos para se vangloriar. Não pode afirmar, como outro rico: “Observei os mandamentos desde a minha juventude” (cf. Lc 18,21). Humilhado por essa condição de alguém desprezado por todos, ele tem no coração um grande desejo de conhecer o profeta e mestre Jesus, na esperança de que o encontro com ele possa mudar algo em sua vida.

Seu comportamento mostra isso: “Procurava ver quem era Jesus, mas não conseguia, por causa da multidão, pois era muito baixo”. Nós também, como ele, vamos ao encontro de Jesus e o buscamos não em uma perfeição inexistente, em um esplendor cândido e cintilante, mas com os nossos próprios limites, os nossos defeitos e trevas muito particulares. Ou aceitamos ir desse modo, ou, enquanto sonhamos em nos embelezar para acolhê-lo, a vida escorre atrás de nós sem que nos demos conta e, assim, perdemos inexoravelmente a hora decisiva do encontro com o Senhor!

Certamente, é preciso desejo, paixão por Jesus, a fim de assumir inteligentemente esses limites e poder levá-los também a ele. Tal paixão transparece no comportamento de Zaqueu: “Então ele correu à frente e subiu numa figueira para ver Jesus, que devia passar por ali”.

Esse homem passa na frente de Jesus: é um unicum nos Evangelhos, nos quais o discípulo está sempre atrás de Jesus (cf. Lc 7,38; 9,23; 14,27), no seu seguimento. Tal gesto aparentemente descarado narra de modo icástico a verdade de uma palavra paradoxal de Jesus: “Os publicanos e as prostitutas passam na frente de vocês no reino de Deus” (Mt 21,31).

Além disso, para alcançar seu objetivo, Zaqueu não hesita em se ridicularizar aos olhos alheios. Imaginemos a cena: um homem conhecido, que tem um certo poder, subindo em uma árvore... E eis uma reviravolta repentina: “Quando Jesus chegou ao lugar,
olhou para cima, viu-o e lhe falou”. Zaqueu deseja ver e descobre que é visto por Jesus: nesse cruzamento, está todo o sentido da vida cristã. Nós queremos ver Jesus, mas é ele que nos vê, nos ama antecipadamente, nos chama e nos oferece vida em abundância.

Por outro lado, se é verdade que a iniciativa é de Jesus e é gratuita, ela se insere em uma disponibilidade da pessoa, a quem cabe a responsabilidade de preparar tudo para a entrada de Jesus em sua vida: se naquele dia Zaqueu não tivesse subido na árvore, ele teria permanecido um anônimo para Jesus no meio multidão!

Aqui é necessário deter-se pacientemente sobre as palavras de Jesus. Certamente, na realidade, a cena deve ter ocorrido com uma pressa ditada pela urgência do momento. Mas, ao narrar esse episódio, Lucas dosa sabiamente as palavras, para permitir que o leitor de todos os tempos compreenda o valor paradigmático desse encontro: “Zaqueu, desce depressa! Hoje eu devo ficar, habitar na tua casa”.

- “Zaqueu”: Jesus o chama pelo próprio nome.

- “Desce”: é como se lhe dissesse: “Volta à terra, adere à terra: o extraordinário serviu-te por um momento, mas agora volte à sua condição cotidiana!”.

- “Depressa, às pressas”: não há tempo a perder, a oportunidade deve ser aproveitada sem demora!

- “Hoje”: nem ontem nem amanhã. Palavra-chave em Lucas, desde o nascimento de Jesus, quando os anjos anunciam aos pastores: “Hoje, na cidade de Davi, nasceu para vocês um Salvador” (Lc 2,11); no início de sua atividade pública, na sinagoga de Nazaré, quando pronuncia aquela homilia muito curta: “Hoje esta Escritura se cumpriu aos ouvidos de vocês” (Lc 4,21); depois, algumas outras vezes, até a hora da cruz, quando Jesus diz ao “bom ladrão”: “Hoje estarás comigo no paraíso” (Lc 23,43). Nós sempre encontramos Jesus hoje!

- “Devo, é necessário”: outra palavra-chave (deî, que aparece nada menos do que 18 vezes neste Evangelho, de Lc 2,49 a Lc 24,44). Expressa o modo como Jesus, em sua plena liberdade, vai ao encontro da necessitas humana e divina da paixão, cumprindo a vontade de salvação de Deus para todos os homens e mulheres.

- “Ficar, habitar” (não simplesmente “parar”), como ocorre com o Ressuscitado com os discípulos de Emaús (cf. Lc 24,29).

- “Na tua casa”: entrar na casa de outra pessoa significa compartilhar a intimidade com ela; especificamente, sendo Zaqueu um pecador público, esse autoconvite de Jesus significa comprometer-se de maneira escandalosa com o pecado dele.

Examinadas em conjunto, essas palavras de Jesus também mostram uma grande delicadeza. Jesus não diz: “Desce depressa porque quero te converter”, ou, como talvez o Batista teria feito: “Converte-te, dê frutos dignos de conversão (cf. Lc 3,8), depois desce, e veremos o que fazer”. Não, ele pede a Zaqueu para ser seu hóspede. Ou seja, faz-se necessitado, “despoja-se” para entrar em diálogo com ele, fala sua língua, a de quem estava acostumado a dar banquetes e a acolher pessoas na própria casa para fazer negócios. E aqui está prestes a fazer o negócio de sua vida!

E assim chegamos não só ao centro do nosso texto, mas também ao coração de uma verdade, que, se acreditarmos verdadeiramente, pode mudar a nossa vida: não é a conversão que causa o perdão por parte de Deus, de Jesus, mas é o perdão que pode suscitar a conversão! Pensemos na parábola do Pai pródigo de amor (cf. Lc 15,11-32): o filho mais novo, encontrando-se em dificuldades, havia preparado o discurso circunstancial, mas suas palavras morrem em sua boca quando vê o pai que, “enquanto ainda estava longe, viu-o, foi tomado por uma compaixão visceral, correu ao seu encontro, jogou-se ao seu pescoço e o beijou” (cf. Lc 15,20).

É neste momento que ele é convertido, não com base em um programa de conversão próprio! Com seu comportamento, Jesus revela um rosto de Deus que nos oferece gratuitamente o seu perdão: se o acolhermos, também poderemos nos converter, e não o contrário!

Isso é demonstrado pela reação de Zaqueu, que “desceu depressa, e recebeu Jesus com alegria”, uma alegria que é uma característica da vida do discípulo de Jesus (cf. Lc 6,23; 8,13 etc.). Com essa anotação, o texto poderia se concluir: no mistério do face a face entre Jesus e Zaqueu, realizar-se-á a salvação para a vida desse homem.

Mas eis que, como muitas vezes ocorreu com Jesus, os bem-pensantes não toleram a liberdade dele e não toleram que ele se dirija preferencialmente aos pecadores manifestos, narrando assim o desejo de Deus de “salvar todos os humanos” (cf. 1Tm 2,4), começando por aqueles apontados como “perdidos” (cf. Lc 15,6.9.24.32).

Várias vezes no Evangelho segundo Lucas, Jesus é desprezado pelos homens religiosos, que murmuram pelo fato de se sentar à mesa com os pecadores (cf. Lc 5,30; 15,1-2). No nosso trecho, registra-se até uma condenação generalizada: “Todos começaram a murmurar, dizendo: ‘Ele foi hospedar-se na casa de um pecador!’”. Sempre há a possibilidade de um olhar malvado, que continua vendo em Zaqueu apenas o pecador e, em Jesus, apenas um falso mestre...

A primeira reação a essas vozes de condenação é de Zaqueu, que está de pé, em sua baixa estatura, e fala com firmeza. Jesus não disse nada a Zaqueu sobre sua conduta injusta como chefe dos publicanos, mas a confiança que lhe foi dada por esse rabi é suficiente para compreender que ele deve mudar radicalmente. Zaqueu, então, restituído à sua subjetividade, fala dirigindo-se a Jesus, a quem chama de “Senhor” (grande confissão de fé!), sem se importar com os falsos justos que os acusam.

Estes pecam em seus corações e com seu olhar malvado; ele se compromete a fazer um gesto concreto que diz respeito às suas riquezas e sobretudo aos outros, os destinatários de seu pecado: “Senhor, eu dou a metade dos meus bens aos pobres, e se defraudei alguém, vou devolver quatro vezes mais”, muito além do devido, de acordo com a Lei. O gesto desse homem traz a marca da justiça e da partilha: esse é o modo de usar as riquezas para um discípulo de Jesus.

Nesse ponto, Jesus, voltando-se apenas a Zaqueu, faz um comentário articulado em dois momentos. Primeiro, diz: “Hoje a salvação entrou nesta casa, porque também este homem é um filho de Abraão”, ou seja, não só um homem, mas também um membro da comunidade de fé, um filho levantado das pedras da pecado (cf. Lc 3,8). E como se manifesta a salvação, como ocorre a história da salvação? Na salvação das histórias daqueles que Jesus encontra. Sim, a acolhida da salvação já é diretamente acolhida do próprio Cristo, é experiência de quem encontra Jesus, põe nele a sua confiança e se deixa salvar por ele.

O comentário final expressa bem isso: “O Filho do homem” – ou seja, o próprio Jesus que fala de si mesmo na terceira pessoa, distanciando-se misteriosamente de si mesmo – “veio procurar e salvar o que estava perdido”. É uma palavra que remete a outras de Jesus: “Eu não vim para chamar justos, mas os pecadores” (Lc 5,32); ou a conclusão da parábola já citada: “Era preciso fazer festa e alegrar-se, porque este teu irmão estava morto e voltou à vida, estava perdido e foi encontrado” (Lc 15,32).

Além disso, é um ditado extraordinário, que recapitula e relança este trecho, iluminando a nossa vida cotidiana. De fato, ele nos diz que, assim como entrou naquele dia na vida e na casa de Zaqueu, a salvação trazida pelo Senhor Jesus pode entrar todos os dias, a cada dia, nas nossas vidas. O Senhor nos pede apenas que abramos o nosso coração ao anúncio que tem a força de converter as nossas vidas: ele “veio procurar e salvar o que estava perdido”, veio nos oferecer para viver com ele ou, melhor, que ele venha habitar em nós. Na verdade, cada um de nós deveria confessar: “Cristo Jesus veio ao mundo para salvar os pecadores, e destes eu sou o primeiro” (1Tm 1,15)!

A sua busca e a sua salvação em relação a nós são a nossa alegria indizível, a fonte da nossa possível conversão. Mesmo quando nos sentimos perdidos, nunca devemos nos desesperar em relação ao amor misericordioso do Senhor Jesus, mais tenaz do que todos os nossos pecados, mais profundo do que todos os nossos abismos: com ele, a salvação é a possibilidade de recomeçar a caminhar verdadeiramente livre pelas estradas da vida.

O que aconteceu naquele dia com Zaqueu pode acontecer também conosco hoje, graças ao encontro com Jesus. Esse “hoje” é sempre possível novamente: nada nem ninguém pode se opor ao perdão de Deus em Jesus Cristo, que nos permite recomeçar todos os dias.

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