02 Agosto 2019
Do meio da multidão, alguém disse a Jesus: «Mestre, dize ao meu irmão que reparta a herança comigo». Jesus respondeu: «Homem, quem foi que me encarregou de julgar ou dividir os bens entre vocês?».
Depois Jesus falou a todos: «Atenção! Tenham cuidado com qualquer tipo de ganância. Porque, mesmo que alguém tenha muitas coisas, a sua vida não depende de seus bens». E contou-lhes uma parábola: «A terra de um homem rico deu uma grande colheita. E o homem pensou: ‘O que vou fazer? Não tenho onde guardar minha colheita’. Então resolveu: ‘Já sei o que fazer! Vou derrubar meus celeiros e construir outros maiores; e neles vou guardar todo o meu trigo, junto com os meus bens. Então poderei dizer a mim mesmo: meu caro, você possui um bom estoque, uma reserva para muitos anos; descanse, coma e beba, alegre-se!’. Mas Deus lhe disse: ‘Louco! Nesta mesma noite você vai ter que devolver a sua vida. E as coisas que você preparou, para quem vão ficar?’. Assim acontece com quem ajunta tesouros para si mesmo, mas não é rico para Deus».
Leitura do Evangelho de Lucas 12,13-21. (Correspondente ao 18º Domingo do Tempo Comum, ciclo C do Ano Litúrgico).
O comentário é de Ana Maria Casarotti, Missionária de Cristo Ressuscitado.
A narrativa que a liturgia nos oferece este domingo apresenta o ponto de vista de Jesus em referência aos bens deste mundo. Jesus denuncia o apego e a avareza a esses bens, desconsiderando o verdadeiro sentido da nossa existência. Essa atitude leva a uma vida sem sentido porque está simplesmente voltada para as posses deste mundo, como aparece no texto sobre uma herança recebida.
Do meio da multidão alguém quer envolver Jesus na briga com seu irmão pela partilha da herança. Num primeiro momento Jesus responde com palavras muito claras: “Homem, quem foi que me encarregou de julgar ou dividir os bens entre vocês?”. Ele não é nem juiz nem árbitro para atuar nessa situação, mas aproveita para esclarecer ainda mais seu pensamento, contando a parábola conhecida como a parábola do rico insensato.
É uma situação comum a todos os tempos: a busca do acúmulo de riquezas, considerando que nelas se garante o bem-estar, sem preocupar-se com os demais e desconsiderando-os totalmente. Na parábola, Jesus narra a vida de um homem que tinha administrado seus bens acumulando riqueza e ele pensa que dessa forma poderá gozar com tranquilidade dos bens acumulados. Ele disse a si mesmo: “meu caro, você possui um bom estoque, uma reserva para muitos anos; descanse, coma e beba, alegre-se!” Mas lhe acontece aquilo que era inesperado: chega-lhe a morte e sua riqueza não pode impedir. “Mas Deus lhe disse: ‘Louco! Nesta mesma noite você vai ter que devolver a sua vida. E as coisas que você preparou, para quem vão ficar?’.”
Na parábola Deus o chama de louco e lembra que sua vida é um dom de Deus, que ele deve “devolver”. Ele esqueceu que sua vida pertence a Deus e há um limite que não é comprado pelo dinheiro nem por nenhum outro bem! Todo seu acúmulo de dinheiro deveria ser uma simples administração de bens recebidos. Sua propriedade é limitada. Por isso Jesus finaliza o texto dizendo: “Assim acontece com quem ajunta tesouros para si mesmo, mas não é rico para Deus”.
Desta forma Jesus critica os que se preocupam demais em acumular bens sem se importar se as pessoas ao seu redor estão passando fome ou não têm dinheiro para comprar aquilo que é necessário para viver. A cobiça não é desejada por Deus e faz perder o sentido verdadeiro da existência. Os verdadeiros valores do Reino expressam-se na partilha, na justiça e numa verdadeira solidariedade. Assim atuam as pessoas movidas pelo Espírito de Deus, que impulsiona continuamente a olhar ao redor e a atuar com liberdade, sem ficar com a cegueira própria dos que olham para si mesmos sem ver o que acontece ao seu redor.
Jesus denuncia a cultura materialista que vivemos também hoje, a qual tenta convencer que a felicidade está nos bem possuídos: quanto mais temos, mais seremos.
Como afirma o papa Francisco, em intervenção na Cúpula Pan-Americana de Juízes: “A injustiça e a falta de oportunidades tangíveis e concretas por trás de tantas análises incapazes de se colocar aos pés do outro – e digo pés, não sapatos, porque em muitos casos essas pessoas não têm –, é também uma forma de gerar violência: silenciosa, porém violenta ao fim. A normatividade excessiva nominalista, independentista, desemboca sempre na violência.” E continua: “Hoje vivemos em imensas cidades que se mostram modernas, orgulhosas e até vaidosas. Cidades – orgulhosas de sua revolução tecnológica e digital – que oferecem inumeráveis prazer e bem-estar para uma minoria feliz..., porém os nega o teto a milhares de vizinhos e irmãos nossos, inclusive crianças, e se os chama, elegantemente, 'pessoas em situação de rua'”. "Não há democracia com fome, nem desenvolvimento com pobreza, nem justiça na desigualdade", afirma Papa Francisco
Lamentavelmente isto está acontecendo dia após dia no Brasil, por exemplo, na distribuição das terras. No comunicado do povo Munduruku do Médio e Alto Tapajós, eles sofrem a presença dos invasores que atentam contra sua autodemarcação e como consequência colocam em perigo sua vida. “Os invasores estão matando a nossa vida e derramando o sangue da nossa floresta. A nossa vida está em perigo. Mas por isso, nós vamos continuar mostrando a nossa resistência e a nossa autonomia. Somos capazes de cuidar e proteger o nosso território para nossos filhos e as futuras gerações. Ninguém vai fazer medo e ninguém vai impedir porque nós mandamos na nossa casa que é nosso território. Estamos aqui defendendo o que é nosso e não dos pariwat. Por isso sempre
vamos continuar lutando pelas demarcações dos nossos territórios. Nunca vão nos derrubar. Nunca vamos negociar o que é sagrado.” Texto completo: Comunicado dos Munduruku às autoridades
Neste domingo, somos chamados a escutar as palavras de Jesus e deixar-nos questionar por elas. Jesus pede a todos os cristãos serem testemunhos pela própria vida e lutar contra todo tipo de exploração que gere o desemprego de milhares de pessoas. Por isso podemos perguntar-nos: onde temos colocado nossa segurança, nossa esperança? Vivemos uma vida assegurada nas coisas materiais, desta terra, centrados em nós mesmos/as? Deixemos que as palavras de Jesus entrem no mais profundo da nossa vida e das nossas comunidades, respondendo assim ao seu convite para viver uma verdadeira liberdade.
Ninguém foi ontem,
nem vai hoje,
nem irá amanhã
a Deus
por este mesmo caminho
que eu vou.
Para cada homem e cada mulher,
guarda um raio novo de luz, o Sol;
e um caminho virgem, Deus.
(León Felipe)
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
A chave da verdadeira liberdade - Instituto Humanitas Unisinos - IHU