27 Abril 2018
O desafio deste domingo: cada um deve dar fruto assim como os ramos da videira, pois esta é a marca do discípulo, o fruto como glória do Pai, o «Agricultor». Fruto que é, enfim, o resultado de permanecer ligado ou não, em comunhão ou não: «Aquele que permanece em mim, e eu nele, esse produz muito fruto».
A reflexão é de Marcel Domergue (+1922-2015), sacerdote jesuíta francês, publicada no sítio Croire, comentando as leituras do 5º Domingo da Páscoa, do Ciclo B. A tradução é de Francisco O. Lara, João Bosco Lara e José J. Lara.
Referências bíblicas
1ª leitura: «Barnabé contou-lhes como Saulo tinha visto o Senhor no caminho» (Atos 9,26-31)
Salmo: Sl. 21(22) - R/ Senhor, sois meu louvor em meio à grande assembleia!
2ª leitura: «Este é o seu mandamento: que creiamos no nome do seu Filho, Jesus Cristo, e nos amemos uns aos outros» (1 João 3,18-24)
Evangelho: «Como o ramo não pode dar fruto por si mesmo se não permanecer na videira, assim também vós não podereis dar fruto se não permanecerdes em mim» (João 15,1-8)
Eis o texto.
Palavra surpreendente! Pois não precisamos estar ligados ao Cristo para poder construir as nossas máquinas, cultivar nossos legumes, etc. E mais; tem muita gente que «faz o bem» e «dá fruto» sem qualquer referência ao Evangelho. Neste sentido, é incontestável que se possa levar uma vida humana correta, e mesmo até mais, sem que se conheça ou se reconheça a Cristo. À luz da fé, no entanto, mesmo que disto sequer tenhamos consciência, sabemos que a energia que nos anima, a inteligência que nos guia e o benquerer que nos religa aos outros são obra do Verbo em quem vive tudo o que é vida. A Bíblia mesmo já via a «Sabedoria divina» na origem da habilidade manual do artesão. O Verbo está aqui, em toda a humanidade, cada vez que homem ou mulher aceita fazer algo de bom, de humano. Nada, com efeito, escapa à ação criadora de Deus. O Verbo fez-se carne desde sempre e o Cristo está aqui, escondido no mistério de Deus e na tumultuada história dos homens. Com Jesus, o que estava escondido tornou-se visível, e eis que somos interpelados por esta Palavra que se tornou audível. Estamos, assim, submetidos a uma escolha: acolher ou recusar. Por isso muitas vezes a Escritura qualifica Jesus como «juiz»: sua presença e sua ação conduzem cada um a revelar os seus pensamentos e os seus desejos mais profundos: a operação verdade. «Quem é da verdade escuta a minha voz» (João 18,37)
Podemos perguntar em que a vinda de Cristo pode nos servir? Se em última análise todo ato bom de um não crente vem do Verbo, sendo como que uma humanização da Palavra divina, o que nos traz de novo a Encarnação? Bom, primeiro, uma revelação: através do Cristo, ficamos sabendo que as nossas atividades humanas, e também nossas tomadas de posição, têm um alcance divino. Daí que o fruto que tenhamos dado «permanece»; está revestido da solidez do próprio Deus. Mas este fruto, em primeiro lugar, somos nós mesmos, transformados pelo que escolhemos e pelo que fazemos. Já há aí uma forma de promessa de vida eterna. Produzindo o fruto de Deus, estes ramos que nós somos não podem acabar no «fogo», perecendo na destruição dos seres inúteis. Mas a revelação dada e recebida em Cristo ainda nos traz outra coisa: faz-nos alcançar a mais alta liberdade que existe. Daí em diante, conhecendo nossa verdade última, estamos em condição de escolher, de responder com um sim ou com um não. Podemos escolher o que devemos ser. Saímos da noite para nos dirigirmos à plena luz. Permanecer em Cristo ou nos separarmos dele, é esta a escolha que, através da parábola da videira e dos ramos, Jesus nos propõe.
Com o pastor e as ovelhas estávamos no universo animal; hoje, com a videira, estamos no reino vegetal. Nos dois casos, trata-se de nos fazer passar de uma realidade de nosso mundo, do qual temos experiência, à realidade invisível, da qual ela é a figura imperfeita. O verdadeiro pastor e a videira verdadeira só nos são acessíveis pela fé, mas, sob os nossos olhos, temos um esboço que, por imperfeito que seja, não é menos revelador. Assim, antes de Se revelar perfeitamente em Cristo, que é «o ícone do Deus invisível» (Colossenses 1,15), Deus se manifesta com imagens aproximativas e imperfeitas, mas que estão a caminho da sua perfeição, o que irão atingir quando estiverem totalmente criadas no Filho: é o mundo que ainda geme nas dores do parto (Romanos 8,22). Mas Isto não impede que as realidades deste mundo nos falem de Deus: «desde a criação do mundo, através das criaturas, a sua realidade invisível tornou-se inteligível» (Romanos 1,20). As parábolas são construídas sobre esta analogia, entre o alusivo do mundo e o perfeito de Deus. Jesus é assim a «videira verdadeira», mas as nossas videiras terrestres podem nos dar uma ideia da nossa unidade com ele e nele. Uma ideia imperfeita, por certo: afinal, o agricultor forçosamente é exterior à sua videira, enquanto o Pai, por seu Verbo, é interior à sua criação, está engajado nela. Sem, no entanto, confundir-se com ela. E é por isso que a analogia da videira se mantém pertinente.
O evangelho de João insiste muito no fato de sermos habitação, morada de Deus. Mas esta presença interior do Pai se faz pelo Filho e pelo Espírito. Podemos nos representar o Espírito como a seiva que irriga os ramos desde o pé da videira. "Seiva" que transporta nela tudo o que há em Deus e que somos perfeitamente incapazes de avaliar. Posto que, aliás, sendo Deus infinito, não entra no regime dos números. De todo modo, o Espírito faz-se corpo conosco, e faz de nós um só corpo: é somente um pé da videira e uma multidão de ramos. Ficamos sabendo, aliás, que os frutos são diferentes conforme os diversos ramos (ver 1 Coríntios 12,4…). Aqui está em questão a alternativa: o fruto ou a esterilidade. E nós nos encontramos uma vez mais diante do problema da «retribuição», com a perspectiva da perda, da destruição dos ramos sem fruto ou, se quisermos, dos pecadores impenitentes. De minha parte, penso que, uma vez mais, Jesus nos fala do que deveria acontecer se as coisas se passassem conforme a justiça: então, o nosso futuro, para todos assim como somos, seria a morte sem amanhã, sem «terceiro dia». Mas, na passagem do rico notável (Lucas 18,27) ou do jovem rico, em Mateus 19, ficamos sabendo que, se ao homem é impossível por si mesmo entrar no reino da Ressurreição, «a Deus tudo é possível». O fruto que todos acabaremos por dar e em virtude do qual seremos salvos da morte é o fruto da árvore da Cruz.
Mas eis que se põe uma grave questão, embora inevitável: se Cristo afinal tomou a seu encargo as nossas faltas e a nossa esterilidade, se «onde avultou o pecado, a graça superabundou»(Romanos 5,20), por que nos fatigarmos em "fazer o bem" e "dar fruto"? Pois, enfim, os nossos comportamentos nocivos desencadeiam em Deus um acréscimo de amor! Paulo já se punha esta questão (cf. Romanos 6,1…), e inúmeras páginas das suas cartas giram em torno do tema da justa cólera de Deus e da «injusta» justificação do culpado. Por que então nos preocuparmos com bem nos conduzirmos, se o Cristo tomou para si mesmo todo o nosso mal? Uma resposta justa a esta questão supõe a fé, que faz nascer em nós o amor, em resposta ao amor que nos faz renascer. Renascer de outra forma: por este renascimento já nos passamos ao universo da Ressurreição. O nosso batismo, explica Paulo, e a fé que a ele está ligada, fazem-nos esposar a trajetória pascal. Assim como o Cristo na Cruz, estamos «mortos para o pecado» e somos portadores de uma vida nova. Daí em diante, é o conjunto dos ramos, juntos e solidários na unidade da Igreja, que dá ao mundo os frutos da videira de Deus, os frutos da árvore da Cruz. Sim, mas nem sempre estamos à altura, e por isso é que os ramos, que somos nós, têm necessidade de serem podados, para produzirem frutos convenientes. É uma história inteira a se viver.
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Permanecer em Deus - Instituto Humanitas Unisinos - IHU