13 Outubro 2017
“Ide às encruzilhadas dos caminhos e convidai para a festa todos os que encontrardes” Mt 22,9)
A reflexão bíblica é elaborada por Adroaldo Palaoro, sacerdote jesuíta, comentando o evangelho do 28° Domingo do Tempo Comum Ciclo A (15/10/2017) que corresponde a Mateus 22,1-14.
Através de suas parábolas Jesus nos revela uma profunda visão contemplativa da vida; e esta Sua visão não o afasta da realidade; pelo contrário, mantém-no sempre em contato com a fragilidade da existência humana: sentou-se à mesa e comeu com os pecadores; misturou-se com os doentes e os impuros; compro-meteu-se solidariamente com os mais pobres, oprimidos e excluídos de seu tempo; revelou sua presença compassiva junto aos mais fracos e sofredores, vítimas de uma estrutura social e religiosa injusta.
Jesus destruiu as categorias de puro e impuro, perfeito e imperfeito, justo e pecador... E anunciou um banquete para todos, “maus e bons”.
O Deus que Jesus revelou mostra o seu rosto na proximidade e na reconciliação para com todos. Ele não tem vergonha de se aproximar e de se misturar com a pobreza e a fragilidade dos seus filhos e filhas; Deus encontra-se mergulhado no humano, acolhe tudo e plenifica tudo (inclusive a fragilidade). Ele se apresenta como um “Deus errante”, que corre ao encontro daquele que está perdido.
O Deus de Jesus não age do mesmo modo que o “deus dos fariseus”. Ele não faz comparações entre uns e outros; não coloca os impuros em situação de desvantagem. Ele é o Deus “festeiro”, que sempre propõe a “mesa da inclusão” a todos os seus filhos e filhas.
Jesus põe no centro de seu anúncio a indigência, a fragilidade, o limite... e não a perfeição, a pureza... Ele sabia que a pessoa consciente de suas fragilidades e pobrezas é mais disponível e aberta à Graça de Deus.
Para Jesus, a experiência da fragilidade dá a conhecer a profundeza da existência humana.
É reconhecendo-se fraco e limitado que o ser humano se abre para Deus e para os outros; é sua própria fragilidade e pobreza que o fazem sensível à escuta e acolhida do convite de Deus para participar da mesa do Reino. Este é o caminho de Deus em direção ao ser humano, e do ser humano rumo a Deus.
Para fundamentar a imagem do Deus que se deixa afetar por aqueles que estão excluídos nas encruzilhadas da vida, Jesus conta a parábola de um rei que prepara um banquete de casamento do seu filho para muitos convidados.
Como toda parábola, o ponto de inflexão está em rejeitar a oferta. Ninguém rejeita um banquete. Mas o primeiro e o segundo grupo de convidados, com o coração marcado pela ingratidão e afeiçoados aos seus bens e interesses, fazem-se de surdos diante do convite. O campo, os negócios, a violência... é mais im-portante que a festa da vida.
Quando nenhum dos convidados comparece, o dono da casa ordena aos empregados: “ide às encruzi-lhadas dos caminhos...”, para que convidem a todos, maus e bons. O importante é que haja banquete, que haja festa.
E com frequência, os mais disponíveis são precisamente aqueles que não podem fazer grandes festas.
Os pobres e excluídos tem poucas festas, mas encanta-lhes as festas; são aqueles que mais sabem festejar.
São eles que dizem sim ao primeiro convite; são eles que não podem comprar campos, nem juntas de bois. E Deus enche a sala com todos eles.
É provável que as pessoas, às quais o texto se refere originalmente, tenham sido aquelas que viviam fora de Jerusalém, em meio a um mundo de pobreza e exclusão. Tal situação as impedia participar de qualquer festa. Mas se entendermos a parábola em chave de interioridade, como motivação para nosso caminho em direção a uma vida maior, podemos afirmar: o chamado a uma vida em profundidade pode ficar ofuscado pelo ego fechado e superficial.
O apego aos bens e aos negócios podem nos impedir de escolher o caminho da vida expansiva; uma vida bem-sucedida é o maior inimigo da transformação. Quem se acomoda no sucesso não prosseguirá em sua caminhada interior e ficará parado em sua imaturidade humana. Quem confia demais em seus próprios negócios ou em seu sucesso pode romper o vínculo com o coração e renegar seu verdadeiro eu.
O perigo está em ter ouvidos para os cantos das sereias, e não para o convite que vem do mais profundo de nosso ser, que nos chama a uma plenitude humana.
Por outro lado, o que a parábola está querendo também nos revelar é isto: também aquilo que faz parte do nosso inconsciente, que deixamos abandonado em algum ponto da nossa encruzilhada interior, ou seja, tudo aquilo que em nós foi rejeitado e reprimido, também quer ser incluído e ter um lugar na mesa festiva com Deus. Toda a nossa história é importante, tudo o que jamais foi experimentado e vivenciado deve ser convidado para a integração. Cada aspecto de nossa vida, rico ou pobre, faz parte da nossa humanidade, e tudo o que é humano é lugar de salvação; não devemos negar nossos desvios e fracassos, pois eles também querem contribuir para à nossa verdadeira identidade em Deus. Justamente os aspectos rejeitados e excluí-dos de nossa vida é que estão mais sensíveis ao convite à vida plena.
Só podemos nos tornar plenos em Deus quando lhe oferecermos nossas fraquezas, limitações e fragili-dades. Tudo aquilo que escondermos de Deus fará falta na nossa humanização. Se não aceitarmos os aspectos abandonados e excluídos nas esquinas e encruzilhadas da nossa existência, atravessaremos a vida apenas com metade daquilo que somos: um ser humano que apenas quer revelar seu lado positivo. Quando nos encontramos assim, sentimos que nada pode fluir, porque algo nos falta.
Essa força terapêutica da parábola nos transmite uma grande esperança: tudo o que compõe nossa história, rica e pobre, positiva e negativa, compõe nossa vida; nada deve ser rejeitado e nem julgado; tudo deve ser acolhido e tudo deve ser oferecido ao Senhor da festa.
Toda a nossa vida, todo o nosso ser, tudo o que carregamos em nosso interior, bom e mau, quer ser trans-formado pelo Espírito e pelo amor de Deus; só assim, aquela imagem original que Ele tem de cada um pode se revelar e brilhar em qualquer circunstância de nossa vida.
Podemos, então, afirmar que a vida está nas encruzilhadas de nossa existência; afirmando de outro modo: as encruzilhadas estão também carregadas de vida. É das encruzilhadas existências que pode nos surpreender com o surgimento do novo. É ali que o convite à plenitude de vida ressoa com mais intensidade.
Nossa razão, nosso “eu perfeccionista”, nosso “ego inflado”, nossas afeições desordenadas...não se deixam impactar pelo convite para a festa da vida. Estão seguros de si, atrofiados e petrificados em seus mundos...
Mas há ainda uma outra imagem surpreendente, revelada pela parábola deste domingo: os maus também são convidados para o banquete festivo. De repente, porém, a atmosfera muda mais uma vez. Entre os convidados, o rei descobre um homem sem a “roupa” apropriada para o casamento.
Quando o homem não sabe responder à pergunta por que comparecera à festa sem a roupa de casamento, o senhor ordena que seja jogado lá fora na escuridão.
Todos os nossos aspectos são convidados ao banquete da completude, tantos os aspectos bons quantos os maus, mas nós também precisamos fazer algo.
Esta é uma notícia boa: tudo em nós pode alcançar a união com Deus – também nossos aspectos sombrios e maus -, mas precisamos revesti-los com a roupa do amor, precisamos oferecê-los conscientemente a Deus. Se assim não o fizermos, eles não serão transformados, mas continuarão excluídos na escuridão de nossa existência; com isso não haverá uma festa de casamento, não haverá plenitude de vida.
“Fazer estrada com Deus” nos recorda constantemente que Ele está nos chamando nas provocativas encruzilhadas de nossa existência. O desafio permanente é este: examinar as “coisas” que estão ocupando por completo nosso coração e “tomando conta de nós” a ponto de bloquear o fluxo da Graça e da Vida.
No fundo, a questão fundamental é esta: A que “reino” você está servindo? O reino do seu “ego” ou do Deus da vida?
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A provocativa encruzilhada - Instituto Humanitas Unisinos - IHU