11 Agosto 2017
Publicamos aqui o comentário do monge italiano Enzo Bianchi, fundador da Comunidade de Bose, sobre o Evangelho deste 19º Domingo do Tempo Comum, 13 de agosto (Mt 14, 22-33). A tradução é de Moisés Sbardelotto.
No XVIII Domingo per annum (sobre o qual, neste ano, prevaleceu a festa da Transfiguração do Senhor, 6 de agosto), está prevista a leitura do relato da multiplicação dos pães segundo Mateus (cf. Mt 14, 13-21). As multidões, sabendo que Jesus foi para um lugar à parte, para um lugar solitário, seguem-no a partir das suas cidades e o precedem na outra margem do lago de Genesaré.
Descendo da barca, Jesus, surpreso ao ver tantas pessoas, é tomado por uma compaixão visceral e, depois de doar “a palavra do Reino” e curar os doentes, dá-lhes o pão compartilhado, de modo que todos sejam saciados.
Logo depois, mandando as multidões de volta para as suas casas, ele obriga os discípulos a subir na barca e a voltar para a margem de onde tinham partido. Ficando sozinho, ele sobe a montanha, à parte, para rezar e, quando a noite vem, ele ainda está lá em oração solitária.
De acordo com o quarto Evangelho, depois da multiplicação dos pães, aquelas pessoas à espera de um libertador político que faça reinar a justiça e enche todos os pobres de alimento, gostaria de proclamar Jesus como Rei Messias, e é por isso que Jesus se retira para o monte sozinho (cf. Jo 6, 14-15).
Eis, então, Jesus em solidão e em oração, na montanha, lugar não habitado, onde ele encontra silêncio e quietude, montanha que, para a Bíblia, é o lugar das grandes revelações de Deus. Sabemos que Mateus apresenta a montanha como lugar da tentação de Jesus (cf. Mt 4, 8-19), da proclamação do discurso do Reino (cf. Mt 5-7), da transfiguração (Mt 17, 1-8), da missão entregue aos discípulos pelo Ressuscitado (cf. Mt 28, 16-20). Mas aqui é lugar de solidão e de oração.
Para nós, humanos, a solidão pode ser boa ou má, mas não podemos esquecer que ela é uma dimensão essencial da nossa vida, porque não é apenas a verdade mais profunda que vamos encontrar na morte, mas ela também continua sendo uma dimensão a se buscar, a se viver para sermos plenamente nós mesmos na liberdade, para podermos, na ausência de vozes humanas, escutar a voz de Deus que fala a cada um de nós no coração.
Jesus, na solidão, é um ícone que deveríamos ter mais presente, justamente porque, na sua humanidade plena e absoluta, assumida na encarnação, ele buscou na solidão a vontade do Pai, ouviu e viveu a sua vocação messiânica de outro modo em relação à expectativa dominante de um Messias poderoso e dominador; lutou na solidão contra as tentações, vencendo Satanás, graças ao único sustento na Palavra de Deus, conservada, interpretada e rezada no coração.
Na solidão, Jesus se preparou para concordar com a lógica da cruz, com o perdão dos seus inimigos, com o amor aos seus discípulos até o fim (cf. Jo 13, 1). Ele viveu pelo menos 30 anos de solidão antes da sua missão pública. Portanto, a solidão não foi, para ele, lugar de ausência, mas sim de presença de Deus.
E a verdadeira solidão, para ser lugar de tal presença, deve ser repleta de oração. É por isso que os Evangelhos testemunham repetidamente que Jesus se retirava à parte para rezar. Mas o que era a oração de Jesus? Acima de tudo, escuta de Deus, do Pai, do “Abba” (Mc 14, 36), como ele o invocava, educado pela escuta das Sagradas Escrituras do seu povo. Jesus as lia, meditava-as, interpretava-as, rezava-as, contemplava-as, operação que, para ele, assim como para todo ser humano, ocorria no coração, órgão central em que cada um pode discernir a voz de Deus: sem essa passagem da Palavra de Deus pelo coração humano, a própria Palavra não alcança o ser humano, portanto, não pode ser eficaz.
Nessa sua parada na montanha, depois do sinal-milagre da multiplicação dos pães e depois de receber “o aplauso” das multidões, Jesus escuta mais uma vez o Pai e escolhe novamente ser o Messias pobre, fraco, que aceita até o fracasso humano da sua missão, o Messias presa dos sofrimentos, da rejeição e da morte ignominiosa do amaldiçoado sobre a cruz (cf. Gl 3, 13). Esse é o Jesus que a Igreja e cada um de nós devemos ter presente na nossa vida cotidiana, na nossa luta, nos nossos fracassos, nas nossas fragilidades.
Mas eis que, de repente, o Jesus solitário e orante na montanha torna-se o Jesus Senhor sobre as águas tempestuosas. A barca dos discípulos, durante a travessia noturna do lago, encontra-se no meio da tempestade, é jogada pelas ondas por causa do forte vento contrário. Parece uma noite interminável, em que os discípulos lutam contra as ondas, na densa escuridão e no medo. Como não ver nessa barca um ícone da comunidade de Jesus, da Igreja?
Os Padres da Igreja sempre interpretaram assim essa barca longe da margem e jogada pelas ondas (apò tês ghês apeîchen basanizómenon hypò tôn kymáton). Em todas as horas da história, a barca dos discípulos de Jesus se cruza com ventos contrários e tempestades: não pode ser de outra forma neste mundo, onde, contra os discípulos de Jesus, desencadeiam-se, muitas vezes, oposições, inimizades, perseguições. Alguns dizem que o tempo atual é um tempo em que “a barca se encheu de água quase até virar”, e é verdade; mas eu diria que, sempre, hoje como ontem, enquanto a barca não atracar nas margens do reino de Deus, será assim.
O verdadeiro problema não está na tempestade, mas no medo daqueles que estão na barca, porque o medo é sinal de pouca fé no Senhor, que, embora não esteja na barca, no entanto, é o Senhor da terra e do mar, de toda a história que, nas suas mãos, continua e continuará sendo história de salvação.
Perto do fim da noite, os discípulos na barca veem alguém que caminha sobre as águas vindo na direção deles; mas, em vez de captar naquela figura Jesus, o Senhor, eles pensam que é um fantasma e têm medo ao ponto de gritarem. Mas Jesus, estando sobre as águas, tranquiliza-os: “Coragem! Eu sou. Não tenhais medo!”. Não é um fantasma que dá medo, mas é Jesus, Senhor sobre os abismos da morte, sobre os vórtices e as ondas da vida, que vem e pede para derrotar o medo, para exercer a coragem e a fé, a confiança, porque ele é “Eu sou”.
Aqui aparecem nos lábios de Jesus o Nome santo e glorioso de Deus revelado a Moisés (cf. Ex 3, 14) e repetido pelos profetas: “Eu sou” (Egó eimi). Aquele que parece ausente, na verdade está presente mais do que nunca, e a sua barca continua sendo a sua barca, quer ele não esteja sobre ela, quer ele se encontre nela e durma apoiado em um travesseiro (cf. Mc 4,37; Mt 8, 24). E sempre, quando Jesus vem ao nosso encontro, antes de discernirmos plenamente a sua presença, ele nos diz: “Coragem, não temais!”.
Pedro, segundo Marcos e Mateus, o primeiro chamado (cf. Mc 1, 16; Mt 4, 18), reage dizendo: “Senhor (Kýrie), se és tu, manda-me ir ao teu encontro, caminhando sobre a água”. Ele gostaria de ser dotado dos poderes de Jesus, gostaria de ser Senhor das águas, e, então, quase o tenta: chama-o de Senhor, com fé, mas o que ele quer tentar?
Jesus lhe responde: “Vem!”. E Pedro desce da barca e caminha sobre as águas em direção a ele; mas, assim que sente a potência do vento, tem medo e começa a afundar, gritando: “Senhor, salva-me!”. Ele tentou, mas não foi capaz de permanecer em pé sobre as águas do mar da Galileia e, afundando, deve compreender a própria fraqueza, a própria incapacidade de se manter à tona, o que o leva a invocar o Senhor.
Repito, Pedro compreende a própria fraqueza e debilidade: a de um “homem de pouca fé” – como Jesus o define – que tem medo, que às vezes tenta o Senhor, mas que, em todo o caso, é trazido de volta à consciência da própria miséria. É assim que ele aprende a verdade daquela exclamação profundamente cristã que será cunhada por Bernard de Claraval: “Optanda infirmitas!”, “Ó desejável, abençoada fraqueza!” (Discursos sobre o Cântico dos Cânticos 25, 7).
Sim, Jesus aceita a fraqueza da nossa fé e nos estende a mão todas as vezes que nós caímos ou nos afundamos. Pedro ainda conheceria essa experiência, quando, depois de renegar Jesus, sentiria novamente uma mão sendo estendida a ele, através do olhar do Senhor que se volta para ele (Lc 22, 61). “Kýrie eleison!”, “Senhor, tem piedade de mim!”, eis a oração do cristão sempre, oração que, no profundo do coração, deve ser presença constante, pronta para se tornar palavras que se fazem invocação, em cada momento de consciência da própria fragilidade.
Depois, Pedro e Jesus sobem novamente na barca, e o vento cessa. Então, todos os outros se prostram diante de Jesus e confessam: “Verdadeiramente, tu és o Filho de Deus!”, mostrando que compreenderam a palavra de Jesus (“Eu sou”) e reconhecendo nele o Senhor, o Kýrios.
O caminho da Igreja, de cada comunidade cristã, de cada um de nós conhece e conhecerá contrariedade, horas de medo, sofrimentos e dificuldades. Quem pensa que Jesus Cristo é um “fantasma”, uma miragem, mostra que não tem a fé necessária para se dizer e ser seu discípulo e não consegue ir ao seu encontro, alcançá-lo. Mas quem tem fé, às custas de caminhar sobre águas tempestuosas – metáfora muito eficaz –, consegue ficar atrás de Jesus, encontrá-lo como o Senhor que lhe diz: “Não tenhais medo, Eu sou!”.
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“Coragem! Eu sou. Não tenham medo!” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU