16 Junho 2017
“Vendo Jesus as multidões, compadeceu-se delas...; chamou os doze discípulos” (Mt 9,36)
A reflexão bíblica é elaborada por Adroaldo Palaoro, sacerdote jesuíta, comentando o evangelho do 11º Domingo do Tempo Comum (17/06/2017) que corresponde a Mateus 9,36-10,8.
Uma pessoa que se define tem força para despertar, para arrastar, para mobilizar os outros...
Jesus é o homem que se definiu. Por isso, Ele nos inspira e nos impulsiona. Inspirar e impulsionar, impulsionar a partir da inspiração: isso é seduzir no melhor sentido da palavra.
Jesus não nos seduz simplesmente para provar sua condição divina ou a veracidade de sua mensagem. Ele nos seduz porque foi um homem de carne e osso como nós, e porque alcançou um grau de humanidade, de compaixão e liberdade, de sensibilidade e compromisso..., que está em nossas mãos alcançar.
A grande novidade e originalidade de Jesus (sua subversão) começou em sua maneira de olhar a realidade e de deixar-se afetar por ela. A “subversão” da vida começa pela subversão do olhar e vice-versa. O coração sente de acordo com o que os olhos veem, mas os olhos veem de acordo com o que sente o coração. A realidade subverte o olhar, e o olhar subverte a realidade. Olhos que não veem, coração que não sente. Mas os olhos não veem quando o coração não sente.
Os olhos de Jesus viram muita dor, miséria, violência..., e suas entranhas se comoveram. Viu o seu povo despojado da terra, dos direitos mais elementares... Jesus viu e se compadeceu; compadeceu-se e indignou-se; indignou-se e se comprometeu na transformação daquela realidade dolente; comprometeu-se porque seus olhos viram mais a fundo, mais além, outro mundo possível.
Na raiz de sua atividade terapêutica e inspirando toda sua atuação junto aos enfermos está sempre seu amor compassivo. Jesus se aproxima dos que sofrem, alivia sua dor, toca os leprosos, liberta os possuídos por espíritos malignos, os resgata da marginalização e os devolve à convivência.
O que move a vida de Jesus é a compaixão e a compaixão é expansiva, tem impacto profundo naqueles(as) que estão ao seu redor.
Compaixão desperta compaixão pois ela é mobilizadora dos sentimentos mais nobres presentes no interior de cada um. No calor da compaixão ativada brota o chamado de Jesus e a resposta dos seus(suas) seguidores(as). Sem compaixão, a resposta ao chamado se esvazia, o serviço se burocratiza, o seguimento vira lei.
Jesus não nos chama para seguir uma religião, uma doutrina, nem faz proselitismo... Ele desencadeia um movimento e nos convoca a segui-Lo, ou seja, identificar-nos com Ele e com sua proposta de vida.
O horizonte do chamado e do envio não é outro que o compromisso em favor da vida e das pessoas, frente àquelas forças que tendem a travar e danificar a mesma vida. A partir desta perspectiva, a “missão” pode reencontrar seu verdadeiro sentido. Enviados(as) em favor da Vida, seus(suas) seguidores(as) sabem muito bem qual é o encargo que Jesus lhes confia. Nunca O viram governando a ninguém; sempre O conheceram curando feridas, aliviando o sofrimento, regenerando vidas, destravando os medos, contagiando confiança em Deus.
A novidade de Jesus consiste justamente em afirmar que existe um caminho para encontrar a Deus que não passa pelo Templo, pela pompa dos ritos e pela observância estrita das leis. Desse modo, reconhece-se a vida como lugar privilegiado da Sua Presença.
O(a) seguidor(a) de Jesus não é aquele(a) que, por medo, se distancia do mundo, mas é aquele(a) que, movido por uma radical compaixão, desce ao coração da realidade em que se encontra, aí se encarna e aí revela os traços da velada presença d’Aquele que é a Misericórdia.
É aqui, neste mundo, que Deus nos chama a estender o seu Reinado, trabalhando cada dia como amigos(as) de Jesus que passam, se compadecem, curam, ajudam, transformam, multiplicam os esforços humanos. Apaixonados(as) por Deus, apaixonam-se pelo mundo que, em sua diversidade, riqueza, profundidade, fragilidade, sabedoria... lhes fala e lhe revela o rosto misericordioso do Deus que se humanizou para humanizar nossas vidas.
Jesus não fundou o clero nem quis instituir um corpo ou estamento de “homens sagrados”, uma espécie de funcionários do templo, constituindo-se numa “classe superior”. O que Jesus quis foi “discípulos/as” que lhe “seguissem”, ou seja, que vivessem como Ele viveu: dedicados a curar enfermidades, aliviar sofrimentos, acolher as pessoas mais perdidas e extraviadas. Assim nasceu o “movimento de Jesus”.
Jesus, o “rosto misericordioso do Pai”, continua passando diante de cada um de nós, parando e fazendo um chamado que desperta comoção e compaixão. Sua presença provocativa e seu chamado exigente colocam em questão nosso costume de nos refugiar no mundo asséptico das doutrinas, na tranqüilidade de uma vida ordenada, satisfatória e entorpecida, na segurança de horários imutáveis e de muros de proteção, longe do rumor da vida que luta para ter um lugar ao sol, dos gritos daqueles que sofrem e morrem nas periferias deste mundo.
Escutar e seguir Seu chamado implica abandonar a estreiteza de nossos caminhos e deixar o nosso coração bater no ritmo dos doentes e marginalizados, vítimas da desumanização de nossa sociedade.
O importante não é pôr em marcha novas atividades e estratégias, senão desprender-nos de costumes, estruturas e dependências que estão nos impedindo ser livres para contagiar o essencial do Evangelho, com verdade e simplicidade.
Como evitar que a aventura, na qual um dia nos embarcamos, nascida de uma paixão pelo Senhor e pelo seu Reino, transforme-se num tedioso cumprimento de normas e costumes?
Estamos, talvez, experimentando a frustração de não ter acertado na rota da busca da vida plena e transbordante na qual quisemos investir as nossas melhores energias: sentimo-nos cansados(as) de palavras sem significado e sentimos fome de proximidade, de presença, de compromisso.
Como Igreja, nem sempre temos adotado o estilo itinerante que Jesus propõe. Nosso caminhar torna-se lento e pesado; não acertamos o passo para acompanhar a humanidade; não temos agilidade para deslocar-nos em direção à margem sofredora; agarramos ao poder e às estruturas que tiram a mobilidade; enredamos nos interesses que não coincidem com o Reinado de Deus.
Não estaremos desperdiçando as nossas forças para conservar atitudes arcaicas e nos deliciamos com um estilo de vida que nos atrofia? Não chegou, talvez, o momento de deixar de repetir aquilo que fazíamos antes, e de abrir-nos àquilo que está diante de nós, à novidade que o Espírito está criando?
Para Jesus, o ideal de sua mística é “viver com um pé levantado”, isto é, sempre pronto para responder às oportunidades que são oferecidas pela vida.
O(a) seguidor(a) de Jesus vive a aventura enquanto capacidade de estar “na frente” de situações desafiantes, superando o medo de romper paradigmas, potencializando talentos e fomentando a criatividade...
Tem a ousadia de inovar, a coragem de arriscar e a vontade de realizar mudanças importantes.
Para isso é preciso despojar-nos de hábitos arraigados, pré-juizos, ideias fixas, modos fechados de viver e abandonar a atitude do “sempre fizemos assim”. Estes são os vícios que impedem uma resposta diferente e sedutora num mundo em transformação.
A compaixão deve configurar tudo o que constitui nossa vida: nossa maneira de olhar as pessoas e de ver o mundo; nossa maneira de nos relacionar e de estar na sociedade, nossa maneira de entender e de viver a fé cristã...
Jesus, foi o homem que se definiu, tinha claro qual era sua missão; por isso, nos apresenta uma causa muito nobre e, com seu chamado, rompe nosso estreito mundo e desperta em nós ricas possibilidades, reacende o que de mais nobre há em cada um(a) e amplia nosso horizonte de vida.
Seguir Jesus Cristo é aderir a Ele incondicionalmente, é “entrar” no seu caminho, recriá-lo a cada momento e percorrê-lo até o fim. Seguir é deixar-nos “con-figurar”, isto é, movimento pelo qual vamos sendo modela-dos(as) à imagem de Jesus Cristo.
Sua vivência do Seguimento de Jesus é marcada pelo “olhar compassivo e comprometido” ou por práticas piedosas alienadas, que não o(a) projetam em direção aos mais sofredores?
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A compaixão como fonte do chamado - Instituto Humanitas Unisinos - IHU