04 Dezembro 2018
Durante as últimas semanas, um grupo de trabalhadoras domésticas de Nordelta [condomínio fechado, localizado ao norte de Tigre, província de Buenos Aires, Argentina] denunciou a discriminação que recebem diariamente por parte de seus empregadores e as dificuldades que lhes impõem para chegar a seus postos de trabalho. Segundo relataram as empregadas, há um serviço de vans exclusivo para elas – que passa com muito pouca frequência – e outro de vans que vêm da Capital, mas não param para elas por solicitação dos proprietários, que não querem dividir seus assentos com as mulheres porque “falam muito e têm mau cheiro”.
Depois que este jornal divulgou suas denúncias, o intendente de Tigre apresentou um projeto de regulamentação ao Conselho Deliberativo para que implante o transporte público na via que liga os diferentes bairros do complexo. No entanto, a iniciativa ficou travada por um grupo de moradores de Nordelta e pelos vereadores de Cambiemos, que votaram contra a proposta do restante dos blocos para dar um tratamento prioritário, dada a gravidade e urgência do problema.
Ricardo Greene, sociólogo chileno, dedicou-se a pesquisar durante os últimos dez anos o megaempreendimento imobiliário para sua tese de doutorado em antropologia visual: Urbanizações privadas como aparatos de poder: raças e conforto na Argentina contemporânea [tradução livre]. Após se formar em sociologia no Chile e fazer seu mestrado sobre desenvolvimento urbano, Greene foi fazer um doutorado em antropologia visual em Londres. Foi então que decidiu dedicar sua tese ao estudo do emprego doméstico em Nordelta. Nesse marco, buscou pesquisar os mecanismos que estes bairros fechados constroem para distanciar o “perigoso” e as dificuldades que os trabalhadores encontram diante destes sistemas de exclusão.
Atualmente, Greene está realizando um filme sobre Nordelta e tem entre seus planos, além disso, traduzir sua tese ao espanhol e a publicar em formato de livro. “Após o trabalho de campo de 2008 e 2009, voltei várias vezes à Argentina para filmar. Gostaria de retornar ao país e continuar pesquisando. Se me oferecerem alguma proposta, vou amanhã mesmo”, disse ao Página/12 Greene, que também é editor fundador da revista editorial Bifurcaciones.
“Sei que é muito difícil não tornar Nordelta exótica. Mas, tentei”, reflete Ricardo Greene, que pesquisou os mecanismos que constroem os bairros privados para criar um modo de vida confortável, “sem outras ameaças”.
“Os bairros fechados se definem por ser exclusivos. E exclusivos quer dizer excludentes: alguns podem entrar e outros não”, explicou o pesquisador, que dedicou um dos capítulos de sua tese ao sistema de transporte que as empregadas domésticas de Nordelta utilizam e à discriminação que recebem diariamente por parte de seus empregadores, que se negam a viajar com elas por seu cheiro, sua forma de vestir e seu modo de falar.
A entrevista é publicada por Página/12, 03-12-2018. A tradução é do Cepat.
Por que decidiu estudar as particularidades do emprego doméstico?
Estudar o emprego doméstico me atraía muitíssimo porque é um tema vital para a cultura latino-americana. É o emprego que mais trabalho conferiu às mulheres na história do continente. No entanto, é um tema que não aparece o suficiente nos meios de comunicação, que para os políticos não é importante e que a academia não pesquisou com a força que deveria. Também me parecia interessante poder somar a minha pesquisa um estudo sobre as elites, sobre as hegemonias de poder. Após passar quase um ano lendo sobre este tema, decidi me focar nos bairros fechados ou ‘countries’, porque fazem uma privatização do espaço público que invisibiliza ainda mais o trabalho das empregadas domésticas, que em si já está muito invisibilizado.
Quais você considera que são os motivos para que esteja tão invisibilizado?
Acredito que em parte tem a ver com o que ocorre em espaços domésticos. Também porque é exercido principalmente por mulheres e na cultura latino-americana se pensa que o trabalho doméstico é o papel natural da mulher. E um terceiro fator tem a ver com um discurso de falsa familiaridade. “Eu gosto tanto da Rosinha, é tão linda. Faz parte da família”, repetem muitos. Mas, claro, isso se dá só em nível discursivo, porque há um montão de lugares, ritos e ações dos quais estão constantemente excluídas.
O que o levou a centrar o estudo em Nordelta?
Há muitíssimos estudos acadêmicos que pensam os ‘countries’ como ilhas de riqueza, em um marco de pobreza. Visual e esteticamente é difícil pensar outra coisa. Mas, para mim, o que mais interessava observar não era tanto esse isolamento, mas, ao contrário, os intercâmbios, o mecanismo no qual as coisas entram e saem de um bairro privado. Então, escolhi Nordelta porque é um dos que se pensa mais fechado, mais autárquico, contudo, por sua vez, tem um intercâmbio muito fluido de pessoas, de objetos e de informação. Tem cinco escolas, uma universidade, escritórios, centros médicos, um shopping, um lago, centros esportivos, igrejas, sinagogas. Nesse lugar que tem a pretensão de ser tão autossuficiente, e que tem tantos mecanismos de segurança, entram mais de 7.000 pessoas para trabalhar. E isso é o que me interessava estudar: o sistema que funciona para estabelecer o que e quem são os que entram e como funciona esse ingresso, sobretudo o das empregadas domésticas.
Frente a este intercâmbio seletivo, deparou-se com alguma barreira no processo de pesquisa?
Eu cheguei à Argentina em 2008 e foi muito difícil porque não tinha contatos, e menos nas famílias que vivem lá. Passei cerca de oito meses indo todos os dias da Capital para Nordelta, e como não podia entrar no complexo, ficava nos arredores. Sendo assim, comecei a conhecer gente que trabalhava na região e comecei a passar muito tempo na parada de coletivos de Pacheco, que é onde as trabalhadoras domésticas esperam a van MaryGo para entrar em Nordelta, já que não entra o transporte público.
Obviamente, não foi fácil ser um homem falando em um ponto [de ônibus] com mulheres, e mais sendo estrangeiro. Comecei a convidar uma amiga argentina que me acompanhava e depois minha mulher, que estava grávida. E isso ajudou muitíssimo, porque as empregadas me falaram com maior confiança. Com seis meses estando lá todos os dias, cheguei a algo que se chama em antropologia ou sociologia “saturar o campo”, que é quando se sente que já havia visto tudo. No entanto, eu sentia que nesse lugar aconteciam muito mais coisas do que as que eram vistas. Então, na segunda-feira, pela primeira vez, fui com câmera e comecei a gravar. E aí chegaram os guardas e me ameaçaram para que eu fosse embora. Também chegou a polícia, que trabalha em Nordelta quando não está em turno. Desde então, fui um incômodo para eles.
Como conseguiu chegar às famílias?
Um tempo depois, comecei a dar aulas na Di Tella e fiz amigos que tinham conhecidos em Nordelta. Só então, após oito meses, pude começar a trabalhar com famílias. Com alguns, só pude fazer uma entrevista em profundidade, ao passo que com outros, com quem conquistei mais confiança, trabalhei vários meses. Ia comer, tomar um chá, fazer um assado. Pedi que fizessem comigo uma caminhada pelo bairro para ver como o apresentavam, ou que fizessem isso em sua casa. Revisava seus álbuns de foto e me mostravam sua história familiar. Também pude começar a entrevistar personagens chaves como corretores de imóveis, gente da Associação de Moradores de Nordelta, administradores do bairro, etc.
Ficou surpreso com o que observou nesse trabalho de campo?
Sim, porque eu ainda tinha esta ideia de ‘countries’ como ilhas. Não pensei que o intercâmbio do que entrava e saía do bairro seria tão desigual e hierárquico. Além disso, minha tese foi mudando porque no caminho notei que havia uma mudança na ética da classe alta argentina.
Que tipo de mudança?
Nordelta não é a aristocracia, mas é uma elite. A elite do século XIX e XX esteve envolvida, de alguma maneira, no destino do país. Nele apostavam o prestígio, a salvação, sua vida, seu nome e o de sua casa. Era gente que se importava que houvesse algum desenvolvimento, certas conquistas. Obviamente, tudo isto passava pela mão da riqueza pessoal, mas a mesma estava envolvida com o desenvolvimento do país. Era uma elite muito tradicional, focada no espaço público. O que eu encontrei nesta elite do século XXI, ao contrário, é que agora aposta sua vida, sua salvação, na ética do bem-estar, que é a ética do conforto.
Em que consiste a ética do conforto?
Significa que eles querem dirigir sua vida para o viver bem, que se define por uma vida confortável, com a família, próxima da natureza. Esta é uma elite que tem uma vida muito mais próxima ao espaço doméstico que ao espaço público. E isto se relaciona muito com o macrismo e com a ONG A Arte de Viver, com uma busca espiritual que é muito mais individual. Não se faz parte do destino do país, ao contrário, é uma salvação primeiro individual e segundo familiar. Os bairros fechados se massificaram nos anos 1990, ao menos como ‘countries’. Antes existia como uma segunda moradia. Mas, nos anos 1990, massifica-se como primeira moradia de classe média alta. São bairros exclusivos, e exclusivos quer dizer excludentes. Busca-se produzir uma vida sem grandes perturbações, sem grandes perigos. Por isso, este foco em impedir que entrem coisas ameaçadoras.
Entre essas ameaças que querem manter sob controle estão os trabalhadores?
Sim, totalmente. Eles veem os trabalhadores como uma ameaça. Obviamente, há diferentes tipos de trabalhadores. Por exemplo, sua empregada doméstica é menos ameaçadora que a de outros. Por sua vez, as empregadas domésticas são menos ameaçadoras que os operários da construção, que entram por outro aceso, com ônibus da construtora. Também há piscineiros, jardineiros, professores, guardas de segurança, cada um com distinto nível de periculosidade.
Uma anedota: uma vez, fui falar com uma proprietária - assim que denominam a si mesmos, proprietários: a propriedade os define -, estava doente e a empregada doméstica não estava. Perguntei-lhe: “Por que não está? Não precisa de ajuda?”. E me respondeu: “Disse-lhe para que não viesse, porque estou doente. Ela vem de fora. Sabe os bichos que deve trazer? Pode trazer até dengue”. Há coisas, então, que se trariam de fora e que é preciso controlar, porque este é um lugar seguro, confortável. Não é somente que irão roubar algo, é o que trazem e levam. É muito mais amplo: desde micróbios até o guarani, que também é visto como uma contaminação ou uma ameaça.
Que papel possui o transporte nessa tentativa de controlar o ameaçador?
Um dos mecanismos mais comuns para promover a segregação residencial tem a ver com não deixar que chegue o transporte público. O ‘60’ sempre quis entrar, mas nunca deixaram. É preciso levar em conta que a rua principal de Nordelta, a central, é uma rua do estado. Nordelta a construiu e a cedeu. Qual foi o trato que fizeram? Nordelta chegou a um convênio com o Município para poder fechá-la por dez anos em troca de certas obras de infraestrutura. Quando chegou 2010 e se completaram os dez anos, começou a discussão: Agora o que fazemos? Como Nordelta S. A. havia vendido muitos lotes, havia feito muito dinheiro, não se importou muito que a rua se abrisse.
É preciso distinguir os atores de Nordelta: de um lado está Nordelta S. A., que é a companhia de Costantini, que fez todo o projeto; do outro lado está a Associação de Moradores de Nordelta, que é controlada por Costantini, mas tem a participação dos residentes; e, finalmente, existem os moradores em geral, que foram os que se espantaram diante da possível chegada do transporte público. Alarmaram-se porque poderiam entrar pessoas diferentes, perderiam o controle e, sobretudo, porque isso poderia implicar uma diminuição no valor de seus terrenos. Eles começaram a exigir que a Nordelta S. A. colocasse mais grana para infraestrutura e negociasse com o Município. E assim permaneceram até o dia de hoje, investindo para evitar que entre o ‘60’.
Disseram-me: “Mas, você viu as pessoas que andam no ‘60’? São os ‘Roldán’, mas mais suados!”. Outro morador: “Você imagina? Teríamos tudo cheio de negrinhos mijando no lago”. E certa uma vez, quando contei a um proprietário que tinha ido de trem da Capital, olhou para mim sério, encobriu o rosto como o menino de O Sexto Sentido e disse: “I see black people”.
O único meio de transporte que as trabalhadoras domésticas têm para entrar, então, são as vans particulares da MaryGo?
Sim, as empregadas têm muito problemas para entrar em algo que não seja o transporte privado. Se elas quiserem entrar de carro, a normativa de Nordelta torna isso muito difícil, porque não deixam entrar carros de certo ano para trás. Se você não tem o seguro em dia também não pode entrar. O mesmo com a moto. E algo parecido acontece com as bicicletas. Elas poderiam entrar de bike, mas todas aquelas que vêm de Pacheco dizem que não porque não há ciclovias. A pergunta é por que, sim, há ciclovias pelas partes que os residentes andam? Agora, as empregadas só contam com o transporte da MaryGo. Não foi a única empresa a entrar. O que ocorre é que há um contrato de exclusividade de palavra com a MaryGo.
MaryGo tem dois serviços. Um serviço interno para as trabalhadoras e outro serviço de vans que viajam até Capital. As empregadas domésticas denunciaram, nas últimas semanas, que essas vans que vão até Capital não param para pegá-las a pedido dos proprietários. Presenciou alguma situação deste tipo, durante seu trabalho de campo?
MaryGo não tem suficiente fluxo para ter uma frequência boa. Então, as empregadas têm que esperar muitíssimo tempo para poder subir. E muitas vezes, quando chega o transporte, não para e precisam esperar ainda mais. Mas, além do problema de frequência, existem as microdiscriminações que as trabalhadoras mencionaram tanto nestes dias. Durante os dois anos que estive aqui, viajei muito pela MaryGo e vi isso na fonte primeira. Os proprietários muitas vezes pediram aos motoristas para que não parassem. Costumam dizer que o ônibus vai o suficientemente cheio, mesmo quando há assentos disponíveis. O motorista não tem tanta capacidade de negociação, ainda que às vezes não se importam e param igualmente.
Também escutei as proprietárias dizer do cheiro. Tenho isso em meu caderno de campo, ouvi várias vezes no ônibus. Diziam que lhes incomodava o cheiro das empregadas, o tipo de sabonete ou shampoo que usavam, ou diziam que estavam muito suadas. Também colocam a bolsa ou a pasta para que não se sentem ao lado deles. O curioso, além disso, é que depois são os mesmos empregadores que se queixam que as empregadas não chegam a tempo. Obviamente, isto não é feito por todos, porque em Nordelta há 50.000 pessoas e há pessoas distintas que, sim, importam-se que suas empregadas viagem bem.
Essas longas esperas no ponto permitiram que as empregadas pudessem trocar suas experiências e depois se animaram em reivindicar condições dignas...
Sim. E disso os empregadores não gostam muito. Sempre procuram limitar que se juntem entre elas, porque começam a trocar informação. Quanto pagam para você? Quem está em falta? Quais são suas condições de trabalho? Recordo-me que justamente na semana em que cheguei tinham dispensado uma empregada doméstica. Perguntei o que aconteceu e uma proprietária me disse: “Pediu-me permissão para sair com outras três empregadas na noite. Deixou tudo limpo às 10 e foi conversar com as amigas. Foram até o shopping – que fica a 40 minutos caminhando – e voltaram às 2 da manhã”. Para os empregadores pareceu que era muito tarde, que não correspondia. Dispensaram as quatro e também conseguiram dispensar o guarda que havia permitido que elas saíssem. Terrível. Em Nordelta, acontece isso, há uma certa responsabilidade dos donos de casa sobre tudo o que entra. Se elas rompem algo ou fazem alguma manifestação, é culpa dos proprietários. Eles são os multados. Por isso mesmo, sentem-se no direito de dizer “você não pode sair”.
Esta discriminação foi muito comparada nos últimos dias com o apartheid. Qual é a sua opinião?
Minha tese não partiu do racismo e acabou tendo bastante de raça. O apartheid buscou dividir a sociedade em tipos de raças e cada uma tinha acessos diferenciados. Aqui, também são feitas distinções, mas tem mais a ver com a classe. Aqui, dividem por tipos de cidadãos. Há alguns que são cidadãos apropriados, que são os que pertencem; outros que são os estranhos temporariamente aceitos, que são os trabalhadores; e depois existem os estranhos, que não são aceitos.
Muitas vezes, apresenta-se os bairros fechados como um produto do pós-capitalismo e neoliberalismo. E em parte pode ser certo. Contudo, o que eu faço é pensar uma genealogia do racismo na Argentina: como os bairros fechados são simplesmente um ovo na gôndola da longa cadeia de construção racista na Argentina, que começou com a formação do estado-nação, com a tentativa de excluir os povos originários, a certos tipos de imigrantes, à figura do gaúcho (depois recuperada). Há toda uma construção racista daqueles que são os cidadãos apropriados e quais são esses outros que tomara que estejam o mais longe possível e não contaminem a saúde de nosso povo. Além disso, dentro de Nordelta há muitíssimos processos de distinção internos, não só entre bairros, como também entre moradores: fala-se muito dos novos ricos, por exemplo, que são os que têm o capital econômico para pertencer, mas não o cultural.
Durante o trabalho de campo, quais outros tipos de discriminação para as empregadas você encontrou?
Há muitos tipos de maus-tratos. Violência sexual e física não vi. Mas, é provável que ocorra, porque uma das formas de violência mais comuns no emprego doméstico na América Latina é que as considerem parte do inventário da casa. Sim, vi que limitam muito seus movimentos. Não só muitas vezes não podem entrar, como também quando entram não podem sair. Ou ocorre que não podem caminhar por certas ruas, ou não podem atravessar um parque. Além disso, em mais de um terço dos casos que eu estudei, eram revistadas ao entrar e sair das casas por medo de que roubem. E muitas vezes as empregadas domésticas me disseram: “Nos primeiros dias, sentia que me testavam para ver se sou confiável. Encontrei coisas que, depois, nunca mais vi: debaixo de um jaleco deixavam um montão de dólares, ou deixavam à vista alguns brincos bonitos”. Caso desapareça algo, obviamente as primeiras culpadas serão elas.
Também ocorre – e isto tem mais a ver com o emprego do que com o ‘country’ – que lhes colocam dificuldades para comer. No caso extremo, conheci algumas jovens que não tinham permissão para abrir a geladeira. Também há violência verbal pelo aspecto físico. Porque, às vezes, se dá uma espécie de transmissão do gosto legítimo e as próprias empregadas domésticas começam a valorizar as coisas que seus patrões valorizam. Muitas delas querem ser apropriadas, querem ser bem vistas e procuram comprar as melhores roupas. Então, é muito mais violento quando lhes dizem: “olha suas unhas, estão sujas” ou “seu cabelo parece qualquer coisa”. Para elas é muito violento.
Os garotos e adolescentes também discriminam as trabalhadoras?
Sim, reproduzem a discriminação que seus pais exercem. Inclusive mais. Os pais sentem a necessidade de explicar: “Nordelta não é assim como pintam. Eu trabalhei muito para poder estar aqui”. Os filhos nada a ver. “Somos la crème de la crème” me disse alguém uma vez. A empregada para eles é alguém que vive na casa e está todos os dias com eles, desde que nasceram. E muitas vezes os limites não estão claros. Quando corresponde pedir algo e quando não, o que faz parte de seu trabalho e o que não. E um tipo de discriminação que costuma se dar é o menosprezo, colocá-la em seu lugar, dispor delas de muitas maneiras e a cada instante ou ser descuidado e deixar tudo sujo.
Qual a sua opinião sobre a recente atenção despertada pelo protesto das trabalhadoras na sociedade?
Eu acredito que estas coisas são muito fugazes. Não sei quanto disto se traduzirá em melhoras nas condições das mulheres. É preciso ver como se transforma o fenômeno dos ‘countries’ em geral, porque Nordelta é o que está agora em destaque, mas há 600 tipos deste a mais no restante da província de Buenos Aires. Qual é a política para além dos casos particulares? Qual é a política pública que há por trás do fechamento do espaço, não só em termos de planejamento urbano, mas também em relação ao emprego doméstico? Já houve um enorme movimento para colocar as empregadas domésticas em questão e revisar sua situação, mas ainda falta muitíssimo e continua sendo um papel muito invisibilizado.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Condomínio fechado: o apartheid por dentro. Entrevista com o sociólogo Ricardo Greene - Instituto Humanitas Unisinos - IHU