28 Novembro 2018
Esta é uma carta pessoal, mas que reflete aquilo que muitos, até demais, já sentem em sua vivência paroquial.
A carta foi escrita pela leiga francesa Danièle Crouzatier e publicada em Baptises.fr, 25-11-2018. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Bom dia, Roland,
Aqui está uma carta que sem dúvida irá surpreendê-lo, mas, mesmo que você possa ver nela uma expressão da minha raiva, saiba que ela foi cuidadosamente refletida.
Durante vários anos, eu poderia dizer, como muitas outras pessoas: “Me sinto mal na minha Igreja”. Mas hoje me surpreendo em pensar cada vez com mais frequência: “Tenho vergonha da minha Igreja”.
Não tenho vergonha da minha Igreja porque alguns dos seus membros são pedófilos – infelizmente eles existem em muitas instituições e grupos, e também nas famílias –, mas tenho vergonha de uma Igreja temerosa que continua praticando a omissão e não se compromete com uma verdadeira releitura dessa questão à luz da Palavra de Deus. Uma Igreja que se refugia atrás do poder da sua hierarquia.
Eu não tenho vergonha da minha Igreja porque ela não consegue implementar uma verdadeira doutrina social, mas tenho vergonha de uma Igreja cuja hierarquia, às vezes, se compraz mais com os ricos do que com os pobres.
Eu não tenho vergonha da minha Igreja quando os fiéis são cada vez menos a se reunirem para a oração, mas tenho vergonha de uma Igreja em que as liturgias se parecem às da minha infância, uma Igreja que reencontra, pouco a pouco, a pompa e os dourados, os gestos estereotipados impostos por alguns “iniciados”...
Com o Concílio Vaticano II, sonhamos com uma Igreja que marchava unida em um único movimento ao redor do seu pastor eleito, o bispo de Roma. Com o Concílio Vaticano II, um forte vento de esperança soprou sobre a Igreja, um sopro de liberdade, o sopro de Deus, “que se compraz na companhia dos seres humanos”, e que envia a todos, padres e leigos, homens e mulheres, a difundir esse sopro amor no mundo, engajando-nos juntos na luta contra a injustiça, a fome, a guerra...
Na época, nós podíamos acreditar que alguns bispos nostálgicos de um poder feudal eram uma minoria, mas hoje são cada vez mais numerosos, e outros permitem que aqueles se imponham, por medo do conflito, talvez.
Então, nós acreditávamos ter chegado ao fundo do poço com Dom Lefebvre, mas hoje os colarinhos romanos florescem no pescoço da maioria dos nossos jovens padres que parecem ter acabado de sair, todos, do seminário de Ecône. Quando virá a “batina para todos”?
Todos os dias, eu constato um passo atrás.
A paróquia de Saint Nicaise está longe de estar entre as piores, e eu me encontrei bem lá durante quatro anos, mas, depois de alguns meses, eu me sinto muito mal em participar das liturgias, das quais eu saio mais irritada do que pacificada (um exemplo de irritação, mas haveria muitos outros: um turíbulo onipresente em cada missa. Por que não o incenso para marcar uma ocasião especial? Mas, todos os domingos, ele perde o seu sentido, dispersa a atenção e rompe o ritmo da celebração).
Depois de cerca de um ano, eu me questionei sobre o meu compromisso, e depois houve uma missa no sábado, 10 de novembro. As frases de Ludovic, francamente desdenhosas sobre os leigos, foram como que uma revelação para mim, e eu saí antes do fim da missa, bem decidida a deixar esses novos padres se virarem sem mim, pobre leiga e, além disso, mulher...
A Igreja diocesana não é o único lugar onde é possível viver a própria fé, e eu me volto cada vez mais para comunidades em que as liturgias me produzem alegria. Essas comunidades, muitas vezes envelhecidas, precisam de apoio, e eu me admiro ao ver que são os mais idosos que têm menos medo do progresso.
Algum tempo atrás, você afirmou com força, durante uma homilia, que os leigos não estavam lá para ajudar, e eu gostei... Eu também gostei quando o Pe. Chesne, retomando uma palavra de Santo Agostinho, nos disse: “Eu sou padre para vocês e cristão com vocês”. No sábado, estávamos muito longe dessa atitude.
Voltei àquele incidente porque, sem dúvida, provocará a reação de alguns na paróquia, mas também e sobretudo porque foi para mim a gota que faltava para transbordar o copo.
É verdade que, em poucas semanas, os incidentes se multiplicaram. O que dizer daquela missa celebrada em Gasny por Julien Palcoux, durante a qual não só Suzanne não pôde vestir a alva de coroinha, mas também na qual se disse, durante a homilia, que, quando Jesus dizia: “Deixai vir a mim as criancinhas”, ele queria dizer que toda mulher devia acolher todas as crianças que Deus lhe dava, e que o controle de natalidade era um pecado gravíssimo.
Estão bem distantes de nós aqueles belos textos do Concílio: “É desejo ardente da mãe Igreja que todos os fiéis cheguem àquela plena, consciente e ativa participação nas celebrações litúrgicas que a própria natureza da Liturgia exige e que é, por força do Batismo, um direito e um dever do povo cristão, ‘raça escolhida, sacerdócio real, nação santa, povo adquirido’ (1Pd 2, 9; cfr. 2, 4-5)” (Sacrosanctum Concilium, II, n. 14), e: “Regenerados com todos na fonte do Batismo, os presbíteros são irmãos entre os irmãos, membros dum só e mesmo corpo de Cristo cuja edificação a todos pertence” (Presbyterorum Ordinis, n. 9).
Esses excessos de clericalismo cada vez mais numerosos são graves, não só porque dão uma imagem da Igreja que eu não posso defender, mas também porque, na minha opinião, são, acima de tudo, um abuso de poder que abre a porta para inúmeros desvios.
Eu não quero mais ser cúmplice de todos aqueles que querem implementar novamente o feudalismo na Igreja. Eu não estou aqui para estar a serviço do clero. Com esta carta, apresento a minha demissão.
- Não virei mais às reuniões do conselho paroquial;
- Não representarei mais a paróquia nas associações de solidariedade;
- Não farei mais parte da equipe dos funerais;
- Não farei mais parte do conselho editorial do jornal Saint Nicaise;
- Não distribuirei mais o jornal Saint Nicaise nas casas de Château sur Epte...
Não estou zangada com ninguém e posso, se você quiser, animar o grupo previsto para a redação do livreto de peregrinação a Roma, mas o trabalho está suficientemente avançado para que eu o repasse para outra pessoa. Você decide.
Eu continuarei participando aos sábados em Berthenonville, que são frequentados por paroquianos de diversas dioceses, a maioria de Nanterre. Você é livre para aconselhar aqueles que são daqui a não continuarem participando, mas saiba que serei discreta e que nada do que está dito nesta carta será divulgado a eles.
Pois bem, eu preferi dizer tudo isso a você por escrito para uma maior precisão e também porque essa minha decisão não tem volta. Faça desta carta o que quiser. Eu não espero nenhuma resposta sobre o conteúdo.
Desejo boa continuidade a toda a paróquia. Tive bons reencontros nela, incluindo com o seu pároco.
Danièle Crouzatier
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Carta de uma paroquiana ao seu pároco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU