08 Novembro 2018
Palavras ainda muito duras sobre as consequências que o "cisma ortodoxo" irá provocar na relação entre as Igrejas Ortodoxas. Quem as pronuncia é o Metropolita Hilarion nesta segunda entrevista: "Foram destruídos os mecanismos de diálogo e cooperação interortodoxos, que estavam se desenvolvendo há longo tempo".
A entrevista é de M. Chiara Biagioni, publicada por SIR, 06-11-2018. A tradução é de Luisa Rabolini.
"Foi uma decisão muito difícil, mas, infelizmente, as últimas medidas tomadas por Constantinopla não nos deixaram outra escolha". Parte desse pressuposto o Metropolita Hilarion de Volokolamsk, chefe do Departamento de Relações Externas do Patriarcado de Moscou, que explica ao Sir as razões que levaram Moscou a romper a comunhão com o Patriarcado Ecumênico de Constantinopla, depois deste último decidir conceder a autocefalia à Igreja Ucraniana. "Nós não tínhamos fechado a porta ao diálogo", lembra Hilarion, que imediatamente esclarece o "nó" da questão ucraniana: "No final de agosto, o Patriarca Kirill visitou Istambul para discutir, de forma fraterna, a situação com o Patriarca Bartolomeu. O nosso Sínodo pede e continua a pedir que decisões tão delicadas sejam tomadas por deliberações pan-ortodoxas. Aliás, outras Igrejas têm as mesmas expectativas. No entanto, Constantinopla, seguindo e procedendo de acordo com o status especial que usufrui o Patriarca de Constantinopla, comparável ao status do Papa no mundo católico, rejeitou todos os apelos que pediam uma solução conciliar dos problemas e com as suas ações destruiu a unidade do mundo ortodoxo".
O senhor falou em "cisma"? O que exatamente isso significa para o futuro das relações interortodoxas?
O Patriarcado de Constantinopla criou as condições para um cisma depois de reconhecer as estruturas cismáticas na Ucrânia, e depois de ter decidido conceder a autocefalia aos fiéis ucranianos e, dessa forma, criar uma estrutura paralela no território de uma Igreja canônica que esteve ao lado do seu povo, desde tempos difíceis. Tomando uma decisão semelhante tornou impossível continuar a comunhão eucarística com Constantinopla e o Sínodo da Igreja Ortodoxa Russa nada mais fez que tomar ato desse fato dramático. A decisão tomada não pode deixar de ter impacto sobre todo o mundo ortodoxo. Como observado pelo Patriarca Irinej da Sérvia, as recentes decisões do Patriarcado de Constantinopla não só levam a um agravamento da divisão no território canônico da Igreja Ortodoxa Ucraniana, mas também abrem as portas para novos cismas em outras igrejas locais. Além disso, foram destruídos os mecanismos de diálogo e cooperação interortodoxos, que estavam se desenvolvendo ao longo do tempo. Todas as Igrejas Ortodoxas locais são iguais em sua dignidade, mas o Patriarcado de Constantinopla, primeiro em honra, tem agido até hoje como coordenador das atividades interortodoxas.
Agora, no entanto, uma vez que mais da metade de todos os cristãos ortodoxos do mundo não está mais em comunhão com ela, Constantinopla perdeu esse papel.
A Ucrânia é uma terra de conflitos. O quanto poderá ser pesada a divisão das Igrejas num contexto tão delicado? Haverá riscos para a paz em relação à propriedade de igrejas e mosteiros?
As tentativas feitas pelas autoridades estatais da Ucrânia para reformar a situação religiosa, sem levar em conta as opiniões da maioria dos fiéis, tiveram graves consequências para a paz civil em um país consumido pelo conflito. Fé vive nos corações dos homens. É o coração e a alma de um povo. A divisão que está atravessando o país, é criada por aqueles que, interferindo nos assuntos eclesiásticos, estão levando todos a acreditar na ideia de legalizar o cisma e estabelecer uma nova estrutura da Igreja. Mesmo antes, as paróquias da Igreja canônica estavam frequentemente sujeitas a ataques de vândalos; os edifícios eclesiásticos foram confiscados, assim como foram ignoradas as decisões para devolvê-los. Agora os cismáticos estão reivindicando abertamente os grandes santuários desta terra. Por exemplo, recentemente, o Sínodo do cismático "Patriarcado de Kiev" colocou o seguinte acréscimo ao título de Filarete Denisenko: "Hiero-Arquimandrita das Grutas de Kiev e Pochaev Lavras". Mas essas antigas moradias ortodoxas, sagradas para milhões de ucranianos ortodoxos, não estão subordinadas a ele. Elas pertencem à canônica Igreja Ortodoxa Ucraniana. Foi, portanto, uma maneira de avançar suas reivindicações sobre a propriedade dos maiores mosteiros da Ucrânia.
Surge uma pergunta: quem vai resolver a questão agora?
Não acredita que o governo ucraniano possa desempenhar um papel importante como pacificador?
O chefe de Estado ucraniano afirmou que não haverá nenhuma redistribuição das propriedades da Igreja. É muito difícil acreditar nisso.
No momento, o Ministério da Cultura da Ucrânia está elaborando um "inventário" dos edifícios eclesiásticos que a Igreja Ortodoxa Ucraniana tem sob seu uso. Intenções foram expressas para revisar todos os documentos, em respeito à Igreja que usa tais edifícios. O ministro das Relações Exteriores, Pavlo Klimkin, declarou que "o Patriarcado de Moscou não tem nada a fazer na Ucrânia". Além disso, a Verkhovna Rada já tomou em consideração projetos de lei discriminatórios que praticamente legalizam as aquisições hostis das comunidades da Igreja Ortodoxa Ucraniana e estipulam novos controles na vida eclesiástica. Recentemente, o presidente do Parlamento ucraniano, Andriy Parubiy, disse que a canônica Igreja Ortodoxa Ucraniana "não é uma igreja". Devo declarar com pesar que, ao tomar a decisão de legalizar os cismáticos ucranianos, Constantinopla agravou a situação religiosa na Ucrânia. Constantinopla pedia hipocritamente para se abster da violência. O Patriarca Irinej da Sérvia declarou recentemente com perspicácia que assim escrevendo, o Patriarcado parecia fechar os olhos sobre as consequências previsíveis de suas ações, assumindo uma lavagem das mãos semelhante àquela de Pilatos.
O senhor disse, porém, que não estamos enfrentando um processo irreversível. Quais poderiam ser as condições para um retorno à unidade?
O retorno à unidade é o que queremos. Claro, existem algumas condições.
É necessário retornar às normas da ordem eclesiástica que a Igreja Ortodoxa tem observado por muitos séculos; o que precisamos é que o Patriarca Ecumênico interrompa suas tentativas de assumir um poder sobrejurisdicional objetivado à anulação das decisões dos Concílios Ecumênicos e invadir o território de outras Igrejas. Eu quero esperar o melhor.
Durante o Sínodo dos Bispos sobre os jovens, o senhor teve um encontro com o Papa Francisco. O que ele lhe disse? Está preocupado?
Certamente, a ruptura da comunhão com o Patriarcado de Constantinopla só pode ter impacto no diálogo intercristão. Gostaria de observar que, de acordo com a decisão tomada pelo Santo Sínodo da Igreja Ortodoxa Russa de 14 de setembro, os representantes do Patriarcado de Moscou não podem mais participar aos diálogos com outras Igrejas e comunidades cristãs que envolvam a co-presidência dos representantes de Constantinopla. Isso se aplica, por exemplo, também à participação nos trabalhos da Comissão Internacional Conjunta para o diálogo teológico entre a Igreja Católica Romana e a Igreja Ortodoxa. Enquanto eu estava em Roma, informei sobre esta decisão o Papa Francisco e o cardeal Kurt Koch, presidente do Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos, que co-preside a Comissão Conjunta em nome da Igreja Católica Romana. Ambos expressaram sua profunda preocupação pela situação atual. É claro para todos que, sem a participação da Igreja Ortodoxa Russa que representa numericamente a metade do mundo ortodoxo, o diálogo ortodoxo-católico perde o seu significado sob muitos aspectos. É desnecessário dizer que as relações bilaterais do Patriarcado de Moscou com a Igreja Católica Romana e as outras denominações cristãs continuarão a se desenvolver e, talvez, terão mais pontos em suas agendas.
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O cisma ortodoxo, fala Moscou. Hilarion: "Constantinopla perdeu o seu papel. Metade dos cristãos ortodoxos não está mais em comunhão com ela" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU