12 Setembro 2018
É alto o risco de um cisma intraortodoxo, com graves consequências para toda a Ekumene.
A reportagem é de Luigi Sandri, publicada por Riforma, 11-09-2018. A tradução é de Luisa Rabolini.
De fato, em uma "cúpula", realizada em Istambul o patriarca de Constantinopla e aquele de Moscou não encontraram uma solução comum para o problema da estruturação canônica da Igreja ortodoxa ucraniana, ou seja, sobre a concessão ou não da autocefalia (independência eclesial). Depois de um aumento nas polêmicas alimentadas por ambos os lados, o russo Kirill deu um passo inédito: acompanhado pelo metropolita Hilarion de Volokolamsk, "ministro do Exterior" da Igreja Russa, em 31 de agosto voo para Istambul, onde, no Fanar (residência há séculos do patriarcado de Constantinopla), reuniu-se com o seu homólogo, Bartolomeu I, "para discutir sobre problemas eclesiais de comum interesse." A palavra "Ucrânia" nunca foi mencionada, embora ela condense em si o ponto da discórdia. Para tornar "impossível" um acordo concorre o fato de que sobre a história do último milênio e o registro dos anos recentes, também marcados por rivalidades políticas, Moscou, Kiev e Constantinopla têm narrativas distintas.
Em 988, o príncipe Vladimir de Kiev recebeu o cristianismo, vindo de Bizâncio; e logo todo a Rus' se converteu. Depois que em 1240 os mongóis devastaram Kiev, o metropolita da cidade e seus sucessores buscaram refúgio na Rússia, colocando suas sedes em várias cidades e, finalmente, fixando-a em Moscou, que havia sido fundada apenas em 1147. Em 29 de maio de 1453 os turcos otomanos conquistaram Constantinopla, pondo fim ao Império Romano do Oriente. Moscou, por sua vez, continuava a crescer, como uma potência política e religiosa, e nasceu o mito que a considerava como uma "terceira Roma", que no campo eclesial deveria quase substituir a primeira, aquela papista, e a segunda, ex-bizantina. Em meados do século seguinte, Ivan, o Terrível, derrotou definitivamente os tártaros invasores e proclamou-se "czar".
Em 1589, a Igreja Russa tornou-se patriarcado e, no século seguinte, Moscou "absorveu” formalmente o legado de Kiev. Em 1595-96, a maioria dos bispos ortodoxos ucranianos optou pela união com Roma: para Moscou, os "uniatos" são traidores da Ortodoxia. Sob Stalin, os greco-católicos sofreram perseguição; mas na nova Ucrânia eles são a ponta de lança dos nacionalistas e, a respeito da Crimeia, acusam a Rússia de "agressão" e "ocupação", enquanto os russos estão em grande maioria com Putin, que em março de 2014 "retomou" a península , antigamente "propriedade" de Moscou. Para a União Soviética, a Ucrânia ortodoxa era um exarcado ligado ao patriarcado russo.
Mas, no contexto que levaria ao colapso da URSS, em 1991, a Igreja Ortodoxa na Ucrânia acabou se desmembrando em três partes: a Igreja Ortodoxa, ligada a Moscou; o patriarcado de Kiev, com seu autoproclamado "patriarca" Filaret excomungado por Moscou e a Igreja autocéfala ucraniana, modesta em número. Enquanto isso, continuava crescendo a divergência entre Moscou e Constantinopla, principalmente relacionada a problemas de jurisdição (a quem deveriam se reportar os ortodoxos da Ucrânia, da Estônia, dos Estados Unidos da América ...?). O patriarca da "segunda Roma" - primus inter pares entre os líderes ortodoxos - tem uma história gloriosa às suas costas; mas, hoje, na Turquia, conta com menos de cinco mil fiéis (e três milhões na diáspora), enquanto o patriarcado de Moscou tem uma população, só em sua pátria, de uma centena de milhões. Os russos, além disso, acusam Bartolomeu de agir como "um papa dos ortodoxos".
Nos últimos anos, essa série de tensões – aqui citadas de forma extremamente resumida - tiveram consequências amargas: Kirill tinha certeza de que com uma grande delegação, teria participado do Concílio ortodoxo de Creta, organizado com muito empenho por Bartolomeu e previsto para junho 2016, mas, no último momento, chegou de Moscou o "niet": sem a participação na Grande Assembleia dessa Igreja que, sozinha, representa quase 70% dos duzentos milhões de ortodoxos espalhados pelo mundo, a autoridade daquele Concílio foi prejudicada e mutilada. Nesse clima muito tenso, cresceu na Ucrânia o desejo de criar uma única Igreja Ortodoxa nacional, na qual convergir todas as Igrejas ortodoxas existentes no país. Projetava-se, portanto, uma igreja autocéfala ucraniana, semelhante àquelas da Romênia, Bulgária, Sérvia...
E é aqui que entra em jogo a política: em 9 de abril de 2018 o presidente ucraniano, Petro Poroshenko dirigiu-se ao Fanar para pedir a Bartolomeu e ao seu Sínodo o "tomos" (decreto oficial) que garante essa autocefalia. Dez dias depois o parlamento de Kiev aprovou a proposta. O alarme disparou em Moscou. Hilarion contestou as bases históricas e canônicas adotadas por Kiev para obter a "autocefalia" - que provocaria o desaparecimento da Igreja ortodoxa ligada ao patriarcado russo - e advertiu: se Constantinopla desse o "tomos" solicitado, toda a Ortodoxia seria abalada.
O metropolita não exemplifica, mas o quadro que imagina é dramático: o estado de cisma entre Moscou e Constantinopla; as doze igrejas ortodoxas autocéfalas restantes, posicionando-se de um lado ou do outro; extremo embaraço para a Primeira Roma; pesadas consequências sobre o Conselho Mundial das Igrejas.
Em 8 de setembro, o Santo Sínodo russo rejeitou "com profunda indignação" uma decisão tomada no dia anterior por Bartolomeu e seu Sínodo, que nomearam dois bispos que atuam na América do Norte como "exarcas" na Ucrânia, ou seja, dotados, aqui, de autoridade especial "para preparar a autocefalia". Moscou definiu a escolha "anticanônica" e creditou a Constantinopla "toda a responsabilidade por essa verdadeira ameaça à unidade de todo o mundo ortodoxo". Nesse ponto, apenas um passo está faltando para que Kirill e seu Sínodo se coloquem em um estado de cisma em relação a Bartolomeu e seus bispos. Uma perfeita tempestade eclesial, e não provocada em nome do Evangelho.
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A questão ucraniana, o mundo ortodoxo em crise - Instituto Humanitas Unisinos - IHU