06 Dezembro 2018
No começo dos anos 70, Pier Paolo Pasolini falava de “mutação antropológica” para se referir aos efeitos que a penetração da cultura do consumo estava tendo na Itália. O consumo alcançava e alterava camadas do ser que nem sequer o fascismo havia tocado. Todas as respostas – da política, da cultura, da filosofia – deviam ser repensadas à luz dos acontecimentos, segundo o poeta-cineasta.
A entrevista é de Amador Fernández Savater, publicada por Interferencias, 19-10-2018. A tradução é de Vapor ao Vento.
Foto: Caja Negra Editora
Em seu último livro Fenomenología del fin, um trabalho de mais de 15 anos, Franco Berardi (Bifo), filósofo e participante ativo dos movimentos autônomos italianos desde os anos 70, descreve a “mutação antropológica” de nossos dias: o impacto das tecnologias digitais sobre nossa percepção e nossa sensibilidade. O que é a sensibilidade? É a capacidade de interpretar sinais não discursivos, não-codificados. Pois bem, essa capacidade está se atrofiando por nossa exposição às tecnologias digitais que funcionam segundo uma lógica muito formatada, uma lógica do código.
Tudo deve ser repensado, afirma também Bifo, o alcance da mutação digital é igualmente muito profundo. A atrofia da sensibilidade implica uma atrofia da empatia, que é a capacidade de sentir-com, de sentir o outro como prolongamento de minha existência e de meu corpo. A base sensível da solidariedade. Que monstros habitam nessa insensibilização radical? Como é possível voltar a pensar, a criar e a lutar em condições de transformação radical da percepção? Em que tipo de ser humano estamos nos convertendo?
Diferentemente de outros livros seus, diria que este é um livro sobre estética, mais do que um livro político. Um livro onde a estética está em primeiro plano, em todo caso, a política se redefine como um assunto estético, como algo que tem a ver com nossa percepção e que afeta a sensibilidade. Está de acordo?
Sim, o sentido da palavra “estética” é muito amplo: é a ciência da percepção, etc. Porém me parece que a estética tem que ser também uma ‘erótica’: a compreensão da relação entre os corpos. Parece-me que esta dialética entre estética e erótica é central para entender a mutação contemporânea. Como a mutação digital modifica a percepção estética e a percepção erótica? Esse é o objeto do meu livro.
Hoje vivemos um deslocamento de uma percepção erótica do corpo do outro para uma percepção cada vez mais informática: o corpo do outro nos aparece como signo, como informação. Essa mutação tem um forte componente patógeno. É uma mutação que produz muito sofrimento, efeitos de pânico e depressão pela abertura do organismo sensível que somos a uma hiper-saturação de estímulos, chegando finalmente a uma paralisia do corpo erótico.
No centro de seu livro está um par de conceitos: a “lógica conjuntiva” e a “lógica conectiva”. Você diz que a mutação atual se explica pela passagem da primeira para a segunda. Explique.
A conjunção é uma dimensão interpretativa vibratória e ambígua. Talvez o melhor exemplo possa ser um cortejo amoroso: as palavras que dizemos então se prestam a uma interpretação não codificada. É uma interpretação de signos ambíguos e o sentido se desloca constantemente durante a própria relação. Isso é a conjunção, uma conjunção entre os corpos fundamentalmente.
Pelo contrário, a lógica conectiva é uma relação na qual a interpretação do sentido está formatada, está reduzida a um formato. É a relação entre uma máquina e outra máquina – ou entre um ser humano e uma máquina – onde o signo significa uma só coisa. Se duas máquinas estão formatadas de maneira diferente não podem se entender: necessitamos uma redução do formato que permita a interpretação exata dos signos.
Na relação conjuntiva a exatidão não existe. Não há exatidão porque a relação humana conjuntiva é essencialmente uma relação de ambiguidade. Naturalmente, é um tipo de relação na qual pode nascer a violência se não há uma educação para a conjunção, o que na modernidade se chamou “cortesia”. O que estamos vivendo no mundo, nesse momento, me parece que é essencialmente uma epidemia de descortesia, ou seja, de incapacidade de decifrar os signos segundo o desejo.
Em culturas muito diferentes encontra-se uma mesma rejeição da lógica conjuntiva: o medo do corpo, sobretudo do corpo da mulher, da mistura e da confusão, da ambiguidade do sentido, etc. E uma defesa e um elogio do ideal, do modelo, da pureza. Você encontrou algum húmus cultural alternativo onde haja elementos de outra sociabilidade possível, de outra relação entre corpo e signo?
Para descrever a transição à hegemonia do conectivo, me parecia necessário fazer uma espécie de cartografia das formas culturais que se desenvolveram na história humana. Naturalmente, escolhi só alguns momentos e reduzi essa investigação antropológica a uma alternativa essencial: entre o puritanismo e o barroco.
O puritanismo é, culturalmente, para além de sua definição propriamente religiosa, um cancelamento da ambiguidade na relação inter-humana. Portanto, um cancelamento da própria história. Pensemos na criação dos Estados Unidos da América. Um historiador disse que os Estados Unidos são primeira nação no mundo que nasce como expressão da palavra: primeiro está a Constituição, logo vem a comunidade. Porém, claro, antes da palavra está a destruição da história precedente: a história dos povos indígenas que viviam ali.
E não só isso: também a destruição, o cancelamento e o esquecimento de tudo o que tem passado antes na Velha Europa. Os puritanos, os pais fundadores, fogem da Europa para esquecer a suja história do catolicismo e do protestantismo europeu. Esquecendo a impureza europeia e suprimindo a impureza indígena, se dizem, fundaremos a pureza, a cidade sobre as colinas, a Nova Jerusalém. Não podemos estranhar que seja nesta mesma terra, que nasce da pureza da palavra, onde nasceu a pureza da comunicação digital.
Por outro lado, está o barroco. Como você interpreta o barroco?
É um fenômeno que acompanha a história do puritanismo, como uma corrente cultural, estética, perceptual e política minoritária, porém sempre presente durante os séculos da modernidade. O barroco é essencialmente a proliferação dos signos, o espetáculo dessa proliferação. Não é casualidade que o barroco fosse a ferramenta política da Igreja Católica da Contrarreforma que abriu, não um discurso de persuasão, mas um espetáculo de sedução. A proliferação dos signos na época do barroco católico é uma história de espetacularização e de multiplicação das ambiguidades.
O barroco desaparece em certo momento da história moderna, quando a burguesia puritana, nórdica, constrói um mundo onde a ambiguidade é considerada perigosa. Porém em determinado momento explode de novo na cena do mundo. Eu diria que esse momento são os anos oitenta do século XX. Paradoxalmente, o barroco volta como forma dominante, majoritária, graças à proliferação de signos que a comunicação puritana e digital produziu. A máquina digital produziu tal excesso e proliferação de signos que a recepção estética é incapaz de produzir uma interpretação adaptada, adequada. E o barroco explode nos anos oitenta, noventa e hoje de maneira dominante. Eu creio que a vitória eleitoral de Donald Trump é essencialmente a vitória do barroco, como capacidade de indecifrar signos totalmente contraditórios.
Você pode nos explicar melhor esta relação entre um fenômeno como Trump e o barroco?
Sugiro a leitura de uma feminista americana que se chama Angela Nagle. Nagle escreveu um livro muito interessante – e muito ambíguo também – que não partilho essencialmente, mas que contém muitos elementos para entender a vitória de Donald Trump. O título do livro é Kill All Normies e é um livro sobre a alt-right culture, sobre a relação da cultura libertária, transgressora, e a cultura da direita extrema, que é uma direita paradoxalmente irônica ou, melhor, cínica.
O que é a ironia, o que é o cinismo? É justamente o problema que o barroco propõe. A ironia é a consciência da ambiguidade. Essa consciência da ambiguidade tem duas caras possíveis. A cara cortês, ou seja, quando os signos são ambíguos e decifro esta ambiguidade segundo o desejo, para incrementar meu prazer e teu prazer.
Mas também há uma cara cínica do ironismo. E o cinismo, o que é? É uma pergunta muito difícil. Eu diria que o cinismo é uma consciência da ambiguidade, mas que aceita apenas como interpretação possível à interpretação do poder. O mais forte é o que interpreta. Os signos são ambíguos, então os interpreto segundo minha vontade porque eu sou o mais forte.
Onde nos encontramos hoje? Estamos no território do triunfo total do puritanismo digital, mas, paradoxalmente, esse triunfo produziu um efeito hiper-barroco na dimensão erótica e social, onde continuamente perdemos a orientação.
Você diz no livro que, ainda que possa soar paradoxal, o pornô é o ponto de chegada de uma transformação puritana do mundo.
Como digo, creio que a relação entre os corpos se empobrece por causa do deslocamento da comunicação desde a relação empática para o terreno da comunicação conectiva. Há pouco lia uma mensagem de um garoto de 19 anos que dizia: “Desde que nasci minha relação principal foi sempre com autômatas inteligentes que encontrei na rede, por que tenho que ter relações sexuais com humanos? Os humanos são mais brutais, menos inteligentes e menos interessantes do que os autômatos”. Parece-me que está claro: os seres humanos estão falando com autômatos e perdendo a capacidade de falar com outros seres humanos. A relação entre seres humanos se tornou uma relação sem cortesia, sem esse tipo de sabedoria especial que é a decifração da ambiguidade em condições de empatia. O pornô é justamente a sexualidade sem ambiguidade, onde a ambiguidade é cancelada desde o começo. Sabe-se sempre o que vai acontecer.
Os movimentos de mulheres são talvez, atualmente, os movimentos que demonstram mais vitalidade na Espanha e não só. Ontem saímos à rua contra a sentença sobre os membros de ‘La Manada’ que não considera violação os fatos provados. Bifo também estava ali. Que potencialidade você pensa que pode ter estes movimentos para repensar e refazer os códigos afetivos e de comunicação inter-humana?
Não sei se Camille Paglia é conhecida na Espanha... O que diz Camille Paglia? Antes de mais nada diz: eu sou barroca, sou católica e latina. Segundo: minha figura de referência é Madonna. E seu trabalho é um trabalho de crítica ao feminismo puritano, que tem um papel fundamental, provavelmente majoritário, na experiência do feminismo americano. A leitura de Camille Paglia, para mim e falando em geral para as mulheres de minha geração, foi uma experiência enriquecedora. Porém, em certo momento, as coisas mudaram e a atitude de Camille Paglia se fez cada vez mais minoritária e hoje está, me parece, completamente desaparecida, pelo menos nos EUA.
Por quê? É que as mulheres feministas se tornaram muito puritanas e moralistas? Não, é que o mundo mudou, o mundo mudou de uma maneira que é cada vez mais difícil interatuar de maneira ambígua e cortês. A ambiguidade se torna perigosa porque a cortesia desapareceu e então estamos obrigados a dizer “sim é sim, não é não”. Eu não gosto dessa binarização da comunicação, porém nos dias de hoje me parece inevitável. Porque fora da redução “sim-sim, não-não” se tem constantemente o perigo da violência.
Se não há ambiguidade não há erotismo, porque o erotismo é essencialmente o fenômeno da detecção da intenção implícita numa comunicação ambígua. Porém se caem os contextos onde é possível interpretar a ambiguidade desde o prazer da relação e da empatia, então a única maneira de se entender é “sim-sim” e “não-não”. A mutação atual não é só tecnológica, mas comunicativa: a mutação das possibilidades de interpretação produziu um efeito de “pornografização” do panorama erótico contemporâneo.
Como você interpreta a ascensão da ultradireita que vemos por todas as partes?
Creio que este regresso do fascismo ao qual estamos assistindo em nível planetário tem que ser interpretado de uma maneira nova. Há certamente muitos signos do fascismo clássico: o nacionalismo, a agressividade, a difusão da guerra, o racismo... Porém, a gênese do fenômeno atual é diferente, e temos que interpretá-lo em sua diferença.
O que está se passando? Eu creio que estamos saindo – ou saímos já – da dimensão que fez possível a política da modernidade, ou seja, o pensamento crítico. O que é o pensamento crítico? O que é a crítica? A crítica é a capacidade de distinção do verdadeiro ou do falso, do bom ou do mau, numa enunciação, numa informação, num acontecimento. Porém, para discriminar criticamente necessitamos tempo.
A crítica se fez possível quando a escritura e a imprensa permitiram uma releitura, uma reversibilidade e sobretudo um tempo para a discriminação crítica. A burguesia ilustrada fez da crítica a faculdade essencial da decisão política. Os acontecimentos ocorrem, as informações nos narram, porém nós temos que decidir se isso é verdadeiro ou falso, bom ou mau. E a partir dessa discriminação se torna possível uma decisão politicamente crítica.
Porém isso já não existe mais. A situação na qual nos encontramos hoje não permite a decisão política de tipo crítico. De fato, já não falamos mais de “governo”, mas de “governança”. O que é a governança? É uma automatização da decisão. Se pensamos o que passa no território das finanças, por exemplo, onde há bilhões e bilhões de informações que circulam continuamente no mundo à velocidade da luz, como podemos decidir em qual direção investir? Não podemos! Então automatizamos a decisão.
E o que acontece no território da política? A decisão racional e sequencial se substitui por uma forma de comunicação que chamamos “memética”. O meme que produz os efeitos da política contemporânea. O que é um meme? Um meme é uma unidade mínima hiperintensa e hipersugestiva, porém não racional, de comunicação política. O sapo Pepe, o símbolo usado pelos supremacistas norte-americanos favoráveis a Trump, parece que teve um efeito enorme na decisão de voto de milhões de jovens americanos. O livro de Angela Nagel tem muita informação sobre esta forma de comunicação.
Marshall McLuhan, em seu livro de 1964, Understanding Media, que é provavelmente um dos livros fundamentais para entender o que está acontecendo hoje, diz: quando o universo da técnica de comunicação passa da sequencialidade alfabética impressa para a dimensão da simultaneidade eletrônica, o pensamento cessa de ser crítico e se transforma em pensamento mitológico. O que é a mitologia? A mitologia é um pensamento, não é uma loucura, é um pensamento, porém um pensamento no qual, como no inconsciente freudiano, não funciona o princípio da contradição. Apolo, o deus, pode estar morto e vivo: hoje está morto e amanhã vive de novo. Pode ser branco e pode ser negro ao mesmo tempo. Isso é a mitologia: a convivência de uma possibilidade contraditória. Justamente o contrário da crítica. Segundo McLuhan, a transição da sequencialidade alfabética para a simultaneidade eletrônica produz um efeito de aniquilação da possibilidade mesma da crítica. Porém isso quer dizer que aniquila ao mesmo tempo com a política.
Você pensa que a esquerda deve retomar a tradição do pensamento crítico ou aprender a mover-se nessas “novas” condições mitológicas?
Num artigo recente, Geert Lovink se pergunta: “A esquerda sabe ‘memar’?” Ou seja, podemos utilizar o meme como forma de comunicação? É um problema sério. Minha resposta imediata é que sim. Em minha história pessoal, as experiências políticas de movimento nos anos setenta italianos foram mais um fenômeno de comunicação mitológico-memética do que um fenômeno de comunicação crítica. E toda a cultura rock, particularmente nos anos oitenta, foi uma experimentação na mitologia do pensamento coletivo. Porém, ao mesmo tempo, a pergunta é: podemos renunciar à decisão crítica? Podemos renunciar ao entendimento crítico que funda a decisão? Não tenho uma resposta para esta pergunta. Tenho o sentimento de que se não se pode decidir politicamente sem discriminação crítica, isso significa que o fascismo está aqui para ficar e a verdade é que isso não é engraçado.
Celebrou-se recentemente os aniversários da Revolução Russa, da morte do Che, do Maio de 68... Queria te pedir uma última palavra sobre a necessidade de reimaginar a mudança social, a revolução. Se, como você explica, a emancipação já não pode ser esse projeto racional, articulado por uma estratégia de meios e fins, porque tudo isso pertenceria mais ao paradigma da crítica, como podemos repensá-la, reimaginá-la?
Convidam-me muito para falar do 68: eu tinha então 18 anos, estava inscrito na faculdade de Filosofia de Bolonha. Enfim, sou um tipo com sorte: tudo me pareceu perfeito, o mundo era exatamente o que eu estava imaginando, desejando e pensando.
Porém, podemos pensar hoje em replicar algo similar? Não digo que não, mas problematizo a coisa dizendo o seguinte: o 68 nasce do tédio. Os anos sessenta são anos de tédio, num bom sentido. O tédio não é algo mau, é passar uma tarde imaginando coisas, não sabendo exatamente que fazer. A intensidade era muito grande nos anos sessenta, são anos de grande vitalidade cultural, artística, musical. Há um mundo inteiro que se abre. Porém, eu estou aqui, em minha casinha com a avó, e me chateio muito. Então desejo a aventura, tenho desejo de aventura.
Hoje vivemos na condição totalmente contrária: uma condição de angústia, de excesso de aventuras, muitas aventuras que, ademais, não vivo. Não vivo a aventura, mas a aventura me rodeia, me obrigam a viver algo que não estou vivendo. Essa parece ser a condição presente.
Acabo de ver o segundo filme de Zvyagintsev, um diretor russo muito triste, muito glaciário, que se chama Loveless. Loveless é a história da relação entre uma mãe e um menino de 8 anos que se chama Alyosha e que em certo momento desaparece. Por quê? Por que é “loveless”, “sem amor”? Porque a mãe, por razões sociais, relacionais, de casal, de trabalho, de precariedade, do smartphone que sonha constantemente, não é capaz de amar. E diz: “tive um filho, mas foi um erro, porque não sou capaz de amar, não sei como se pode amar a este menino”.
O menino desaparece. Buscam-no em todos os lugares, porém não o encontram. Está morto ou escondido ou foi assassinado, não sabemos. O filme termina assim, não sabemos. Esse é o problema hoje, que não sabemos. Não sabemos se no interior de uma situação angustiante, de aceleração, de hipersaturação do espaço de atenção, se pode reativar o prazer da relação entre corpos que falam.
A palavra foi descolada do corpo. Falamos muito, mas os corpos não se encontram. E quando os corpos se encontram não sabem falar. Esse é o problema da relação erótica, porém também o problema da relação política e da relação social.
Uma política de emancipação começaria então pelo encontro entre os corpos?
Temos que começar, não só um discurso, mas uma prática de relaxamento das expectativas, em primeiro lugar na dimensão da existência cotidiana, mas não só. Tem que dizer: “sim, a aceleração e o desejo de ter muitas coisas ganhou, mas, e eu que me importo?” O importante, repetindo Carlos Castaneda, não é ganhar ou perder, mas permanecer impecáveis. E o que significa permanecer impecável? Impecável significa que não há regras, que eu decido as regras com os meus amigos. E a única regra que vale é a regra que nós decidimos. Pode-se fundar uma política sobre a ideia de que não há regras, só as regras que decidimos de maneira afetiva, erótica, sempre tentativa, sempre redefinível.
Essa é também a maneira de enfrentar o medo. Do que temos medo? Temos medo da percepção de que a vida está nos escapando e não a vivemos. Mas, porque temos que pensar que a vida tem de ser a aventura que lemos ou vimos no cinema? Quem disse? Quem disse que a vida tem que ser como Maio de 68? A boa vida pode ser voltar ao tédio. Voltar ao tédio como terapia da angústia me parece que é uma maneira possível de enfrentar o problema.
A verdade é que não tenho muitas respostas. Nosso problema atual é que todas as respostas do passado não funcionam porque o contexto relacional mudou totalmente. Porém, ao mesmo tempo, insistimos em por perguntas que implicam uma resposta do passado. Um movimento de relaxamento das expectativas de aventura poderia ser um começo para uma nova aventura.
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“Voltar a nos entediar é a última aventura possível”. Entrevista com Franco Berardi (Bifo) - Instituto Humanitas Unisinos - IHU