01 Outubro 2018
Havia uma expectativa de que os protestos convocados por mulheres para este sábado em todo o Brasil contra o candidato a presidente Jair Bolsonaro (PSL) uniriam diferentes forças políticas, demonstrando que o rechaço ao militar reformado parte de diferentes segmentos sociais.
A reportagem é de Mariana Schreiber, publicada por BBC Brasil, 01-10-2018.
Dezenas de milhares de pessoas foram as ruas em cidades de todos os Estados do país, sob a bandeira comum do #EleNão. Ao menos em São Paulo, porém, a multidão que lotou o Largo da Batata, na zona oeste da cidade, tinha um perfil bastante homogêneo.
Segundo levantamento realizado pelo Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas para o Acesso à Informação da USP (Universidade de São Paulo) adiantado com exclusividade à BBC News Brasil, a maioria dos presentes era de esquerda, branca e com escolaridade e renda elevadas.
"Desde a época do impeachment (2016) que não víamos manifestações tão grandes e em todo o território nacional. Foi impressionante, mas foi muito homogêneo", destaca um dos responsáveis pela pesquisa, o filósofo da USP Pablo Ortellado.
"Eu acho que manifestação ajuda a consolidar uma rejeição que já é alta (contra o Bolsonaro), mas, como não teve diversidade política, eu tenho dúvida se consegue impedir que algumas pessoas que estavam oscilando entre aceitar ou não Bolsonaro deixem de aceitá-lo", acrescentou. Para Ortellado, o perfil da manifestação lembra o movimento que ocorreu nos Estados Unidos em 2016 contra Donald Trump, que acabou vencendo a eleição. "A reação lá também partiu de um grupo que já era oposição a ele. Aqui, foi uma forte expressão de rejeição de quem já rejeitava Bolsonaro", destaca.
Os protestos liderados por mulheres geraram reação dos bolsonaristas: houve atos a favor do candidato do PSL com algumas milhares de pessoas no Rio de Janeiro (sábado) e em São Paulo, Brasília, Belo Horizonte, Recife e Belém (domingo).
Em entrevista ao jornal O Globo neste domingo, Bolsonaro minimizou a dimensão dos protestos #EleNão. O candidato recebeu alta do hospital no sábado, mas ainda se recupera em sua casa no Rio de Janeiro da facada que levou de um opositor.
"Sobre as manifestações de ontem, só vi um certo vulto no Rio de Janeiro e em São Paulo. No resto do Brasil foi um desastre. São apenas minorias contra mim, não existe isso de rejeição de eleitorado feminino ao meu nome", afirmou.
A pesquisa da USP entrevistou 470 pessoas entre as 15h e 19h, dividindo os entrevistadores por toda a extensão da manifestação #EleNão em São Paulo, que foi de Pinheiros à Avenida Paulista. O nível de confiança da pesquisa é de 95% e a margem de erro é de cinco pontos percentuais.
Segundo o levantamento, 80% se identificaram como de esquerda e 8% como de centro-esquerda. Apenas 1% se identificou como de direita. O mesmo percentual apontou ser de centro-direita (1%) e de centro (1%). O restante disse não se identificar com nenhuma dessas classificações ou não saber responder.
Percentuais elevados também disseram ser nada conservador (76%), nada antipetista (75%) e muito feminista (69%).
O principal motivo que levou os manifestantes ao Largo da Batata foi a percepção de que Bolsonaro desrespeita os direitos humanos, as mulheres e a democracia. Sua defesa das privatizações, ainda de acordo com o levantamento, teve menos relevância.
Como a pesquisa não foi registrada no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) por problemas técnicos, não foi possível investigar a intenção de voto dos manifestantes.
Nos atos pelo país, foi possível ver pessoas com bandeiras e adesivos de diferentes candidatos presidenciais, como Fernando Haddad (PT), Guilherme Boulos (PSOL), Ciro Gomes (PDT), Marina Silva (Rede) e Geraldo Alckmin (PSDB), mas esse último em raras exceções.
No entanto, o levantamento da USP mostrou que a preferência partidária dos manifestantes em São Paulo estava muito concentrada em duas siglas de esquerda.
O PSOL liderou, com 34% da simpatia entrevistados. Seu candidato presidencial, Guilherme Boulos, não ultrapassa 1% nas intenções de voto nas pesquisas Ibope e Datafolha.
O segundo partido mais citado no levantamento da USP foi o PT, com 30% de preferência. O candidato da sigla, Haddad, aparece em segundo lugar na preferência do eleitorado (tem 22% no último Datafolha).
Outros partidos apontados pelos entrevistados foram PDT (3%), Rede (2%), PCdoB (1%) e Novo (1%). Um quinto, ou 20%, respondeu não ter preferência por nenhuma legenda.
"Teria sido um sinal mais forte de sucesso se o movimento tivesse atraído mais pessoas de direta, com preferência pelo PSDB, MDB, Novo, ou sem preferência partidária", observa Ortellado.
O avanço de Bolsonaro nas pesquisas, porém, tem se dado, em boa parte, sobre o antigo eleitorado tucano, indicando que a maioria dos simpatizantes do PSDB já aderiu ao militar reformado.
Entre os entrevistados, 62% eram mulheres. O mesmo percentual se autodeclarou como branco. A grande maioria (78%) tinha de 18 a 44 anos.
Chama atenção o elevado nível de renda e de escolaridade do movimento, que ficou acima do observado em outras 15 pesquisas semelhantes realizadas pelo grupo da USP na cidade de São Paulo em protestos de 2013, manifestações contra e favor do impeachment, parada LGBT e marcha pela legalização da maconha.
Entre os entrevistados no protesto contra Bolsonaro, 31% respondeu ter renda familiar de cinco a dez salários mínimos (R$ 4.770 a R$ 9.540). Outros 26% disseram ganhar mais de dez salários mínimos.
Oitenta e seis por cento do público entrevistado estava cursando a faculdade ou já tinha diploma de curso superior. Completaram ou estão cursando o Ensino Médio 14% dos que responderam o levantamento. Ninguém respondeu ter apenas ensino fundamental ou nenhuma escolaridade.
Os dados levantados pela USP mostram que há uma parte da elite mobilizada contra a eleição de Bolsonaro. As pesquisas de intenção de voto, porém, têm mostrado que ele é o preferido entre os eleitores de maior renda e com ensino superior.
Segundo a última pesquisa Datafolha, Bolsonaro tem 28% de preferência dos brasileiros. Já entre os mais ricos (renda familiar de mais de cinco salários mínimos), o apoio ultrapassa 40%.
Seu índice de rejeição, que está em 46% em todo o país, segundo o Datafolha, cresce entre as mulheres (52%) e os que têm renda familiar de até dois salários mínimos (52%). Apesar disso, os paulistanos mais pobres não compareceram em número relevante ao protesto de sábado.
O grupo USP também mediu a crença dos manifestantes em boatos e identificou níveis altos de adesão a informações falsas. Os entrevistados foram questionados sobre se concordavam com essas três afirmações inverídicas:
1. A ausência de sangue (nas imagens do ataque ao candidato em um ato de campanha no início de setembro) indica que Bolsonaro não foi realmente esfaqueado;
2. A foto de médicos sem luva antes da cirurgia demonstra que a ferida de Bolsonaro não foi grave;
3. Bolsonaro se encontrou com João Roberto Marinho alguns dias antes para planejar o atentado;
Passados mais de vinte dias do atentado, 40% dos manifestantes segue acreditando em algum dos boatos e 69% não tem certeza sobre pelo menos um deles. Apenas 19% discordou dos três boatos.
"É um nível de crença em boatos mais baixo que em outros protestos que já pesquisamos, mas, ainda assim, muito alto. Algo preocupante", lamenta Ortellado.
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#EleNão: elite de esquerda era maioria em protesto contra Bolsonaro em SP, aponta pesquisa da USP - Instituto Humanitas Unisinos - IHU