05 Julho 2018
"Entrei no Senado na ponta dos pés", conta Liliana Segre. "Eu sou muito velha, vou completar 88 anos em setembro. Nunca pensei em me tornar um dos cinco senadores vitalícios. Quando me ligaram do Quirinale, pensei que queriam me entregar um certificado, uma placa, uma medalha. Mas então me chamou o presidente Sergio Mattarella e me disse: 'Cara senhora, hoje de manhã a nomeei senadora vitalícia'. Fiquei espantada. Quando me recebeu em seu gabinete, eu disse a ele: 'Obrigado presidente! Mas quem lhe sugeriu meu nome? ’ E ele me respondeu com estas palavras: 'Fui eu que a escolhi. Qualquer um que disser que me sugeriu seu nome apregoaria crédito que não tem".
A entrevista é de Gianni Barbacetto, publicada por Il Fatto Quotidiano, 02-07-2018. A tradução é de Luisa Rabolini.
Liliana Segre | Foto: Senado Italiano
A nomeação ocorreu no octogésimo aniversário da introdução na Itália das leis racistas fascistas. Quando você descobriu que não podia mais frequentar a escola.
Eu tinha oito anos de idade. Foi nessa ocasião que descobri que era judia. A minha era uma família judia ateia, eu nunca havia seguido nenhum tipo de formalidade religiosa. Eu me descobri judia com as leis raciais, quando não pode mais ir para a terceira série. Hoje deveríamos ter a paciência de ler todos os artigos daquelas leis, que aos cidadãos italianos da religião judaica não proibiam apenas para ir à escola, ou servir no exército ou na administração pública, mas também muitas outras coisas: manter cavalos, ou restos de lã (para os mambembes de Roma) ... Para fazer você se sentir diferente, inferior.
Você teve a experiência, quando criança, de ser uma requerente de asilo e ser rejeitada, presa, detida
Não posso esquecer que, quando meu pai decidiu em 1943 - tarde demais, infelizmente – fugir da Itália, fomos requerentes de asilo rejeitados pela Suíça, na fronteira. Era eu, meu pai e dois primos. De nós quatro, só eu sobrevivi no final. Em seguida, fomos presos - eu tinha 13 anos - e mantidos nas prisões de Varese, Como e Milão San Vittore. Por fim, fomos deportados para Auschwitz. Aos 14 anos, fiquei por um ano como operário em regime de trabalho-escravo em uma fábrica de munição da Siemens. Fui libertada em maio de 1945, depois de ter sido criança em uma situação que nem mesmo Primo Levi consegue descrever a contento, tanto que escreve: "Auschwitz é indizível"
O que você pensa quando passa em frente à Estação Central de Milão? Pela plataforma 21, de onde partiu para Auschwitz.
A Estação Central era então dupla. Abaixo dos trilhos que conhecemos, havia outros subterrâneos dos quais partiam as mercadorias e os animais. Foi de lá – onde agora está instalado o museu do Holocausto – que partimos, enquanto ao redor a cidade estava em silêncio, indiferente. Lá nós entramos às centenas, na indiferença da cidade.
Você ama Milão?
Eu a amo muito. Eu nasci em Milão, como meus pais e um dos meus avós, que foi um os fundadores da Cruz Verde. Um tio meu era fascista da primeira hora e depois ficou desesperado por toda a vida.
Uma cidade indiferente, você disse. Até hoje?
Eu a amo apesar de tudo, como amo a Itália. Hoje há espíritos que tentam não ser indiferentes. Mas, como sempre, são poucos que fazem escolhas. A massa não escolhe, é indiferente. Não apenas em Milão, mas na Itália e no mundo.
Quando voltou de Auschwitz, você queria esquecer ou contar?
Sempre ganhou o desejo de viver, quando tudo ao redor era morte. Mas na volta à decepção foi grande, porque voltamos e não encontramos mais nada, nem casa, nem família. E ninguém queria nos ouvir. Todos tinham vivido histórias dolorosas, ninguém queria ouvir algo ainda mais doloroso. A maioria de nós, sobreviventes, ficou em silêncio. Eu fiquei em silêncio por 45 anos.
Desde os meus 15 anos, completados poucos dias depois do meu retorno, até quando, aos 60 anos, me tornei avó. Então algo me impeliu a falar. Sem ódio. Tentando não falar muito de morte, mas o máximo possível de vida. Impeliu-se o fato que eu tinha vencido Hitler, porque eu estava viva, eu tinha me tornado mãe, e até mesmo avó: a vida tinha vencido. Então decidi não permanecer fechada em casa, mas testemunhar o que vivi para que permanecesse na memória. Eu entendi que eu tinha adquirido voz.
É mais difícil para você falar hoje?
O clima piorou. Hoje há algo diferente da indiferença de então. Passaram-se 80 anos das leis racistas e racismo é minimizado, é tolerado "mas os fascistas também fizeram coisas boas." Sim, eles fizeram os trens chegarem no horário: especialmente aqueles para a deportação. Está em curso uma reavaliação daqueles anos.
Você vê o perigo de um retorno a novas formas de racismo? Para os judeus, ou talvez para os imigrantes, os árabes, os negros, os ciganos. Ou, mais genericamente, para os pobres?
Sim, existe o perigo de retornar a formas pesadas de discriminação. Não acredito que haja perigo imediato para os judeus, mesmo que acredite que o antissemitismo nunca tenha morrido. Logo depois da guerra, era "obsceno" mostrar-se racista e antissemita; agora, depois de tantos anos, vale tudo. O discurso do ódio prevalece: em todos os lugares, das reuniões de condomínio à política. Hoje, o discurso de ódio é adicionado à indiferença. E isso me assusta.
Qual seu projeto no Senado?
Eu trabalharei contra os "discursos de ódio" e para a inclusão do ensino da educação cívica desde a primeira série. Então eu gostaria fosse tornado obrigatório o ensino de 1900 no último ano de cada ciclo escolar.
No Senado decidiu se inscrever no grupo misto. E no momento de dar um voto de confiança ao governo Cinque Stelle-Lega optou por se abster.
Eu nunca fiz política ativa na minha vida. Mas minha história é a que é. É claro que não posso me colocar com os fascistas. Mas entrei no Senado na ponta dos pés. Decidi não me alinhar. Tenho grande respeito pela democracia, pelas instituições e pela nossa Constituição, que é muito bela. Depois da abstenção ao voto de confiança, vou avaliar as medidas do governo uma a uma. Uma parte deste governo é misteriosa para mim, então tentarei entender. Sem preconceitos.
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Fui uma requerente de asilo. Rejeitada, acabei em Auschwitz - Instituto Humanitas Unisinos - IHU