19 Janeiro 2018
“É preciso sair do esquema predominantemente monástico da liderança da comunidade, que a considera separada do povo de Deus, para um esquema mais conforme com as exigências do tempo. Duas figuras, então, se delineiam no caminho da Igreja futura: a do presidente da assembleia eucarística, que celebra a Eucaristia, e a do coordenador das Unidades Pastorais.”
A opinião é do padre italiano Paolo Cugini, da diocese de Reggio Emilia, ex-missionário no Brasil. O artigo foi publicado por NotiCum – Il Volto della Missione, ano 55, n. 1, de janeiro de 2018. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Todo contexto cultural produz seus protagonistas em todos os níveis da sociedade civil. Houve a época das “contradas” e a época dos artesãos. Houve um tempo em que o mundo romano estava dividido entre patrícios e plebeus. E, enquanto o Ocidente inventava a imprensa, nas culturas andinas da América Latina a civilização desenvolvia uma cosmogonia em que homem, mulher, animais e plantas estavam em perfeita harmonia.
Hoje, no entanto, dominam os supermercados, porque respondem melhor às exigências do novo modelo globalizado de sociedade e de economia. Não por acaso, encontramos os supermercados em todos os cantos do planeta.
Em todas as latitudes do planeta e em todas as épocas, encontramos formas de religiosidade com os seus templos e os seus sacerdotes. Existem dados antropológicos universais, como a religião e modos contextualizados de vivê-los. Na história das religiões, os atores que giram em torno do sagrado não são apenas homens, mas também mulheres. Mudam as condições sociais, mudam, ao mesmo tempo, os atores do sagrado.
A Igreja também é uma instituição humana que responde a lógicas do mundo e, consequentemente, também ela está sujeita a mudanças ao longo dos séculos. Mudou tanto a ritualidade através da qual expressa o evento original, quanto a tipologia daqueles que são aptos aos ritos religiosos.
Certamente, a Igreja tem um mandato divino e se alimenta de Deus, mas o modo de geri-la utiliza critérios humanos. Como todas as instituições que duram no tempo, a Igreja também se esforça para se adaptar às mudanças necessárias. A passagem do tempo provoca assentamentos estruturais que são identificados como identitários e, consequentemente, imodificáveis.
Tudo isso ocorre quando uma tradição cultural ou religiosa perde contato com a sua origem, ou quando, entre a origem e o presente da história, interpõem-se tradições de proveniência externa, que modificam a identidade da própria estrutura.
A falta de um grupo de sábios, que mantêm contato com a origem, e que pode alertar a base de um movimento político ou religioso sobre as distorções em curso, provoca lenta e progressivamente a base identitária do grupo.
E, assim, pode acontecer e de fato acontece que uma religião ou um grupo político, com o tempo, se transforme, afastando-se da sua origem, a ponto de ser quase irreconhecível. As mutações dentro de uma estrutura social, religiosa e política são inevitáveis, e, por isso, é preciso ser capaz de acompanhar as mudanças para não correr o perigo de destruir o conteúdo original.
Nessa perspectiva, também muda, dentro da religião católica, nesta época denominada de pós-cristianismo, a figura do padre, o seu modo de entendê-lo, a sua função na comunidade.
Essa mudança está na regra das coisas da sociedade civil. São as mudanças culturais que ditam as indicações para as mudanças de todas as estruturas que fazem parte dela e que não querem perder o seu lugar. Nas épocas denominadas de passagem, como a que estamos vivendo, o perigo consiste em não o captar e em não conseguir intuir as mudanças necessárias para permitir que a própria estrutura permaneça dentro. O que, então, deveria mudar na modalidade do padre católico de exercer o seu ministério? Ainda mais, é possível se perguntar: é realmente necessária essa figura no novo quadro cultural e social que está se configurando?
Se é verdade, como nos ensinam os documentos da Igreja e uma longa tradição que deriva dos Padres da Igreja, que é a Eucaristia que faz a Igreja, então é preciso capacitar as comunidades cristãs de se nutrirem dela. No atual contexto cultural, está em curso, há algumas décadas, uma progressiva e irrefreável diminuição do clero, isto é, daqueles chamados a presidir as comunidades para celebrar a Eucaristia.
Na Itália, mas não só, há alguns anos, estão em curso nas dioceses propostas para conter o problema. A mais significativa é a das Unidades Pastorais, que vê o reagrupamento de algumas paróquias confiadas a um único pároco.
Com o passar do tempo, esse novo modelo de reestruturação das paróquias não permitirá mais que as comunidades tenham a possibilidade da Eucaristia dominical. Além disso, esse problema já é visível nas paróquias das montanhas italianas e em outros países como a França.
Por que não mudar o sistema? Se o problema é permitir que as comunidades cristãs se alimentem da Eucaristia, por que insistir no modelo do padre celibatário e dedicado à Igreja por toda a vida?
Por que não tentar propor figuras mais no ritmo dos tempos, pessoas que oferecem um serviço limitado no tempo? Poderiam ser ordenadas pessoas da comunidade, de fé comprovada, cujo carisma é reconhecido pela própria comunidade. Que tipo de pessoas? Pessoas celibatárias ou casadas, homens ou mulheres. Sim, também mulheres.
De fato, é inútil que a Igreja continue falando de gênio feminino, se depois exclui as mulheres da possibilidade de liderar uma comunidade. A Igreja não pode se fazer de paladino da luta contra as injustiças causadas pelas desigualdades sociais, quando exclui as mulheres da possibilidade de fazerem parte dos quadros que dirigem o destino da Igreja. No fim das contas, trata-se de manter viva a fé do povo de Deus e, consequentemente, é preciso fazer de tudo para que os fiéis se alimentem do Senhor.
Por que a Igreja resiste tanto à mudança? Não é um problema de evangelho, mas de poder.
Acostumada há séculos a ser significativa e incisiva no Ocidente no plano político e social, ter totalmente à disposição uma fileira de homens celibatários por toda a vida, qualificados e mal pagos, significa muito. Tirar esse exército de homens que assina um juramento de total obediência à instituição significa privar-se daquela estrutura específica que expressou o modo da Igreja de estar no mundo.
Na minha opinião, a Igreja nunca renunciará a eles. Ela manterá muito perto de si essa fileira de homens celibatários dedicados até a morte a ela, até o momento em que reste apenas um. Quem está acostumado a comandar custa a se cercar de pessoas com as quais possa dialogar de igual para igual.
Enquanto isso, será a base, o Povo de Deus, que se organizará para manter viva a fé. Eu vi isso ser feito na América Latina. Como o padre passa raramente pelas comunidades, são as próprias pessoas que vivem em comunidades que se organizam para ler semanalmente a Palavra de Deus e celebrar aos domingos.
A fé é mais forte do que qualquer instituição. Esse trabalho de base também contaminará a estrutura da Igreja. Por enquanto, será importante modificar lentamente o caminho das comunidades para que possam sobreviver. Desse modo, a notícia da queda do palácio será menos barulhenta.
Para as Unidades Pastorais, que terão a tendência, no futuro, de aumentar de dimensão, poderíamos pensar em uma figura que coordene o trabalho pastoral e econômico das paróquias envolvidas. Enquanto, para a liderança da comunidade, escolhida entre o povo das comunidades, se poderia pensar em uma remuneração, fruto da contribuição da própria comunidade, para os coordenadores das Unidades Pastorais, que poderiam ser desenvolvidos por leigos devidamente preparados. Se poderia pensar em um salário com a contribuição do “oito por mil” [parte do imposto de renda italiano destinada às instituições religiosas].
Desse modo, sairíamos do esquema predominantemente monástico da liderança da comunidade, que a considera separada do povo de Deus, para um esquema mais conforme com as exigências do tempo. Duas figuras, então, se delineiam no caminho da Igreja futura: a do presidente da assembleia eucarística, que celebra a Eucaristia, e a do coordenador das Unidades Pastorais.
Essas figuras pastorais também exigem uma espiritualidade nova que as alimente e caminhos formativos diferenciados. Se as lideranças da comunidade são escolhidas entre aqueles que vivem nela e que provavelmente são casadas, a espiritualidade deverá reforçar o significado e a vivência da vida matrimonial.
Nessa perspectiva, os seminários, tal como são concebidos hoje, não serão mais necessários, porque a formação das lideranças das comunidades ocorrerá dentro da própria comunidade.
Sem dúvida, será possível prever percursos formativos específicos, mas seria bom se a maior parte do percurso formativo fosse realizada na comunidade. Se, até agora, a figura da liderança da comunidade tinha no celibato o sinal de um pertencimento exclusivo a Deus e, por isso, vivia distante como estilo de vida do resto da comunidade, agora é cada mais necessária uma figura de liderança que compartilhe o estilo de vida da comunidade.
Mudando o tipo de figura da liderança da comunidade, muda também a espiritualidade. Um presidente da Eucaristia, tomado entre o povo e provavelmente casado, não pode se alimentar com uma espiritualidade de marca monástica, como a do padre. A Igreja deverá providenciar a elaboração de uma teologia laical capaz de ir ao encontro das novas exigências.
Além disso, pensando também nas presidentes mulheres da Eucaristia, como, aliás, acontece há décadas também em algumas Igrejas protestantes, se deverá desenvolver, cada vez mais, uma teologia feminista capaz de recolher os desafios do olhar feminino sobre a realidade. Portanto, haverá a necessidade de uma espiritualidade menos de elite e mais encarnada na vida das pessoas.
Provavelmente, o tipo de teologia que elaborará esse estilo de Igreja encarnado no meio do povo de Deus será menos exigente, menos propensa a pôr pesos insustentáveis sobre as pessoas – pense-se na moral sexual católica – e mais no ritmo da vida das pessoas. Nos encontraremos diante de um cristianismo que trabalha menos sobre o sagrado, mas terá um rosto mais humano, isto é, muito mais parecido com o Jesus dos Evangelhos.
O mundo descristianizado da nossa era pós-cristã terá a possibilidade de ver uma Igreja mais aderente ao Evangelho, mais em busca do essencial do que da pompa. Como em todas as coisas e em todas as instituições sociais e políticas, a partir do estilo dos chefes, entende-se o valor de uma instituição.
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A Igreja realmente ainda precisa de padres? Artigo de Paolo Cugini - Instituto Humanitas Unisinos - IHU