22 Dezembro 2017
"Que Deus nos converta e nos ajude a viver - sem hipocrisias - a radicalidade do Evangelho: a Boa Notícia de Jesus de Nazaré. Que os pobres e os descartados da sociedade e das Igrejas sejam os nossos mestres", escreve Marcos Sassatelli, frade dominicano, doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP) e professor aposentado de Filosofia (UFG), 20-12-2017.
Nenhum estábulo se abre para que Maria, grávida de Jesus, possa dar à luz. Natal 2017: em Goiânia - como em outras cidades do Brasil e do mundo - a manjedoura de Jesus é a rua.
Jesus não nasce nos locais e ambientes dos poderosos da sociedade capitalista neoliberal, individualista e consumista. Jesus não nasce nos locais e ambientes das Igrejas luxuosas e triunfalistas, que - aliadas dos poderosos - buscam se impor pela ostentação e pelo poder. Jesus não nasce nas catedrais majestosas, nas igrejas teatrais e nas Igrejas que - em nome do “deus” propriedade privada - tiram os bancos e fecham as praças para expulsar os Moradores de Rua, que comem nos bancos, dormem debaixo deles, sujam a praça e amedrontam as “pessoas de bem”, que querem ir à Igreja para “louvar a Deus”. Jesus não nasce nas celebrações clericais (episcopais, presbiterais e diaconais) com insígnias imperiais. Quanta hipocrisia - às vezes institucionalizada e legalizada - existe em grande parcela da sociedade e na maioria das Igrejas!
Jesus nasce no meio dos Moradores de Rua, dos Sem-Teto, de todos os descartados/as da sociedade e das Igrejas e de todos aqueles/as que - por se considerarem irmãos e irmãs - são solidários/as com eles/as.
Como amostra, apresento alguns dados sobre a realidade - iníqua e perversa - dos Moradores de Rua em Goiânia (que, proporcionalmente à população, é parecida com a de muitas outras cidades do Brasil e do mundo) e faço algumas reflexões sobre o Encontro dos Moradores de Rua, acontecido recentemente na Capital.
As violações aos Direitos Humanos contra a População em Situação de Rua são hoje uma das faces mais cruéis do pecado estrutural da sociedade e das Igrejas. Uma pesquisa - desenvolvida pelo Núcleo de Estudos Sobre Criminalidade e Violência da Universidade Federal de Goiás (UFG) - “aponta que 61 Moradores de Rua foram mortos em Goiânia entre agosto de 2012 e maio de 2013. O número de mortos pode ser ainda maior, já que há relatos de diversos corpos sem identificação no IML”.
Na cidade de Goiânia “o assassinato das pessoas em situação de rua não ganha manchetes em grandes mídias, tampouco é lamentado pela sociedade”. Na Capital de Goiás “o morador de rua vive esquecido entre o sucateamento dos serviços de assistência social e a banalidade da situação em que se encontra”.
A população de rua, “além de ser violentada pela falta de políticas públicas, nos primeiros nove meses de 2017 foi vítima de pelo menos 17 assassinatos noticiados, mas sabemos que essas mortes são subnotificadas, como confirma o homicídio, não notificado, do companheiro Rogério Martins Borges, que foi encontrado esquartejado, sem cabeça, nas imediações da ‘bica’, no Setor Aeroporto, na segunda quinzena do mês de junho. Dos 17 homicídios noticiados, 14 vítimas tiveram seus perfis limitados à condição de moradores de rua. Suas histórias - seus sonhos e a dor deixada - sequer são mencionadas”.
Neste cenário de luto, o Movimento Nacional da População em Situação de Rua de Goiás (MNPR-GO) “vem denunciar e repudiar ações higienistas e toda forma de violência contra os povos da rua. Chega de violência!” (Comitê Goiano de Direitos Humanos Dom Tomás Balduino. Relatório de Violações de Direitos Humanos no Estado de Goiás, Goiânia, dezembro de 2017, p. 4 e 5).
Um sinal, que aponta caminhos de mudança, é o Encontro “Formação de Base do MNPR-GO” - com a participação de aproximadamente 50 pessoas - que aconteceu nos dias 13 e 14 deste mês de dezembro em Goiânia, no Centro Cultural Cara Vídeo (Rua 83, nº 361, Setor Sul). O objetivo do Encontro foi: “reunir pessoas em situação de rua, com trajetória de rua ou que se vejam interessadas neste contexto para discutir seu histórico com toda complexidade e pensar estratégias para diminuir a violência que temos sofrido. A perspectiva da formação é a do entrelace dos saberes e da união do grupo. Assim, esperamos nos fortalecer para alcançar um posicionamento firme em relação às mais diversas violações às quais os moradores de rua vem sendo submetidos ao longo dos tempos” (Panfleto de divulgação do Encontro).
Na programação do Encontro - além dos calorosos momentos de confraternização e convívio - destaco as palestras compartilhadas: “Histórico de luta do MNPR”, “As imagens da vida”, “As vantagens de não ser invisível” e “Direitos Humanos, eu e nós!”; e também as rodas de conversa popular: “A colocação do negro na história e na sociedade” e “Nossa luta, nossa força!”.
Participei, em parte, do Encontro e fiquei profundamente edificado. Ele foi preparado com muito amor e carinho pela coordenação do MNPR e seus apoiadores. Conviver com os Moradores de Rua participantes do Encontro - compartilhando sua sabedoria, seus sofrimentos, suas dores, suas humilhações (causadas muitas vezes por “pessoas de bem”, que vão à Igreja todo domingo) foi uma experiência de vida, que renovou a minha esperança em outro mundo possível!
Não devemos “ir ao encontro do pobre para conduzi-lo a Cristo” (Jornal “Encontro Semanal”. Goiânia, 26/11/17): atitude farisaica. Devemos ir ao encontro do pobre para que ele nos conduza a Cristo: atitude evangélica.
Que Deus nos converta e nos ajude a viver - sem hipocrisias - a radicalidade do Evangelho: a Boa Notícia de Jesus de Nazaré. Que os pobres e os descartados da sociedade e das Igrejas sejam os nossos mestres.
São esses os meus votos de Feliz Natal e Abençoado Ano Novo a todos e a todas que buscam a verdade e a justiça. Não esqueçamos: em Goiânia a manjedoura de Jesus é a rua!
Leia também os artigos: Jesus “morador de rua” em Belém (http://freimarcos.blogspot.com.br/2012/12/jesus-morador-de-rua-em-belem.html) e Jesus o “sem-teto” de Belém (http://freimarcos.blogspot.com.br/2011/01/jesus-o-sem-teto-de-belem_4.html?m=0)
Comunico aos prezados leitores e leitoras que - se Deus quiser - voltarei a escrever no início de fevereiro/18.
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Natal 2017: em Goiânia a manjedoura de Jesus é a rua - Instituto Humanitas Unisinos - IHU