10 Outubro 2017
Posts mais curtidos nas páginas do Facebook dos três maiores jornais diários br (em setembro/17):
- O Globo: http://bit.ly/2yctinJ [tema: LGBT]
- FSP: http://bit.ly/2wJad99 [tema: Lava Jato]
- Estadão: http://bit.ly/2xsvQzf [tema: entretenimento]
E a notícia mais bombada [tema: parto] do mês foi essa daqui: http://bit.ly/2xtMbn2
Eis aí a opinião pública. Vale à pena ler os comentários. Particularmente, acredito que, nos comentários aos posts da imprensa, é onde reside o encontro de todas as tribos, aliás, todas as bolhas. É um material riquíssimo (apesar dos delírios, que fazem parte, rs).
O governo Temer tem 3% de aprovação. A margem de erro das pesquisas é de 3%. Logo, o governo Temer é como o gato de Schrödinger: simultaneamente existe e não existe. Só a física quântica pra explicar o Brasil.
Uma foto. Um tratado psicológico. Um paralelo com os EUA.
Com generosidade característica, o Moysés Pinto Neto me fez o inventor de uma coisa chamada "perspectivismo político".* Lendo seus últimos comentários a respeito, me lembrei do contexto em que a ideia me ocorreu originalmente em 2014, e percebi o quanto o problema que me provocou a pensar naquela época se tornou ainda mais atual.
O multi-instrumentista e factotum intelectual Gregory Bateson batizou de cismogênese simétrica um comportamento que ele identificou pela primeira vez entre os Iatmul de Papua Nova Guiné. Na sua definição, trata-se de uma “interação cumulativa” em que os membros de dois grupos respondem uns aos outros com um padrão de comportamento igual e de mesma intensidade, mas em direção contrária, de modo que a ação de cada grupo conduz o outro a uma ênfase excessiva no padrão de comportamento em questão. Uma ação de um tipo provoca uma reação do mesmo tipo em direção contrária, e assim sucessivamente, como numa corrida armamentista; "um processo", diz o Bateson, "que, se não for controlado, conduz apenas a uma rivalidade mais e mais extrema e, finalmente, à hostilidade e ao desmantelamento do sistema como um todo."
Naquele momento, o que eu tinha em mente era o fosso que se abrira, pós-2013, entre o petismo e a jovem esquerda que fora às ruas. O que me ocorre agora é que, desde então, temos sido seguidamente colocados diante do problema de como lidar com uma série de relações que tendem cada vez mais à cismogênese simétrica. E o grande desafio que estas impõem é que é muito difícil intervir neste tipo de dinâmica sem imediatamente ser identificado como pertencendo a um ou outro lado. Isto é, é muito difícil tentar desarmar uma dinâmica cismogênica porque qualquer intervenção tende a ser automaticamente absorvida por ela; e, eis a questão, ser incluída nela implica necessariamente reforça-la -- portanto, o contrário de desarma-la.
Foi, por exemplo, o enigma que os clintonistas não souberam resolver com Trump: quanto mais tentavam jogar com o ultraje moral diante da obscenidade do adversário, mais reforçavam sua imagem de candidato de todos aqueles que estavam cansados da hipocrisia das elites liberais bem-pensantes. (Falei disso aqui) É a armadilha na qual o petismo e vizinhanças cai sistematicamente desde que o antipetismo se tornou uma grande força aglutinadora: acusados de serem um corpo estranho à nação brasileira, ao invés de se dissolverem entre um espectro mais amplo de forças, eles se vestem de vermelho e reafirmam uma identidade à parte -- reforçando, justamente, a impressão de serem um corpo estranho.
Isto envolve um problema particularmente espinhoso em áreas onde existem traumas ou passivos históricos bastante pesados, como na censura às artes ou na luta das ditas "minorias". Alguém que pertence a um grupo social que precisou de séculos de luta para conquistar padrões mínimos de reconhecimento, e cuja existência sofre ameaças até hoje, tem toda razão de reagir no mesmo tom quando atacado, e irritar-se se alguém lhe aconselha que "seja discreto", "deixe passar", "não compre briga". Por outro lado, é inevitável perguntar-se se "devolver na mesma moeda" não acaba, em muitos casos, reforçando o problema de origem. Do mesmo modo, é perfeitamente compreensível que a primeira reação a uma tentativa de censura seja dizer "não vamos nos calar, vamos reafirmar nossa diferença" -- e tirar a roupa, celebrar a própria alegria etc. Ao mesmo tempo, aos olhos daqueles que já olham para esta diferença com suspeita (o que, no caso da arte, tem muito a ver com sua condição de baixíssima legibilidade para o público em geral), esta reafirmação só vem confirmar a suspeita e justificar o ataque original. De maneira geral, o problema de responder a uma provocação que abre uma dinâmica cismogênica é que a resposta tende a nos colocar exatamente no lugar que o adversário queria que ocupássemos.
Estes são problemas no verdadeiro sentido da palavra, ou seja: coisas que são sempre arriscadas, precisam ser resolvidas caso a caso, e para as quais não há uma solução mágica universal. Mas, conforme demonstram Trump e o MBL, estamos lidando com adversários que aprenderam a explorar dinâmicas cismogênicas simétricas, e precisamos aprender a jogar com isso. O que estes casos fazem ver é que a injunção para que assumamos um dos lados numa luta entre dois lados irreconciliáveis normalmente esconde o fato de que essa divisão imaginária da sociedade em dois grandes grupos tem por verdadeiro objetivo disputar a hegemonia sobre um terceiro grupo -- quem não está, em princípio, nem de um lado, nem de outro. A pior coisa a fazer nestas horas é aceitar os termos que o adversário propõe e responder: "sim, não há neutros! somos nós contra todos os que estão contra nós!" -- quando aquilo que o adversário está realmente fazendo neste momento é virar para os neutros e dizer: "viram? nós estamos do lado de vocês".
Por isso, como já observou o Sergio Martins, é uma inflexão positiva que alguns setores tenham decidido que, a partir de agora, responderão a ameaças à liberdade artística acionando juridicamente os responsáveis. Não é uma solução perfeita, nem a única, mas é uma alternativa a entrar no jogo dentro dos termos ditados pelos adversários -- e que, de quebra, cria um incentivo econômico negativo para eles e força instituições supostamente neutras (imprensa, judiciário) a assumir uma posição e parar de flertar por omissão com este gênero de molecagem.
Não é ~a~ solução, nem mesmo é acessível a todos (nem todo mundo tem bons advogados...). Mas é uma tática possível dentro de uma caixa de ferramentas para lidar com este tipo de situação que ainda precisamos inventar.
*"Me fez", aqui, é literal: se a invenção só existe no momento em que é nomeada como tal, foi o fato dele identificar e batizar uma ideia que encontrou num texto que escrevi que retrospectivamente me fez ter sido responsável por ela. (E, verdade seja dita, também não sei se há muito mais nessa "inovação" que a simples intuição de que era possível aplicar o perspectivismo ameríndio desenvolvido pelo Eduardo Viveiros De Castro para pensar a política.)
(O texto em questão, aliás, está aqui).
Numa nação aonde imperava a mancha da escravidão,
Nossa Senhora escura nos diz que o Cristo nos quer irmãos!
(Pe Zezinho, scj)
#Aparecida300anos #MãeDaEsperança #MãeDaLibertação
Eu nunca entendi direito quando a notícia sobre extinção da Renca viralizou. Meses antes já tinha se falado no assunto e ninguém deu bola. E, de repente, todo mundo ficou indignadíssimo com o destino da Reserva Nacional de Cobre - seja lá o que ela fosse. E não, não foi por causa da Gisele Bündchen. Foi por causa da viralização (imprevisível) que a modelo e outros entraram em cena.
Hoje publiquei noticia sobre edital que cede seis parques nacionais - inclusive na Amazônia - à iniciativa privada. São quase 3 milhões de hectares. Por parcerias, é verdade, e ainda na fase de que empresas (com grana do BID, vejam só) vão fazer um estudo para viabilizar essa entrega. Não achei que fosse ter a repercussão da Renca. Mas tipo uns 10%, sim. A gente se ilude. Foi para o limbo.
Simplesmente não há comoção. Vão cobrar ingresso no Parque do Itatiaia, na divisa Rio/Minas? Tudo bem. Um parque nacional na Amazônia do tamanho do Haiti que será gerido por alguma empresa? Outro parque em Manaus onde Ritinha nadaria com prazer por causa dos botos? Para a sociedade brasileira (de esquerda inclusive), tranquilo. O edital do Itatiaia prevê uma empresa "com experiência em mercado imobiliário"? Normal.
Nesse caso ainda apareceu um monte de gente defendendo a medida. Por que ser público, afinal, né? O governo liquida as Unidades de Conservação - a notícia significa que as UCs vão, gradativamente, passar à iniciativa privada, primeiro as mãos, depois os braços - e depois as entrega alegando que não há dinheiro. E ainda tem gente que acredita que, de fato, o "mercado" teria alguma pretensão de eficiência e ética.
Isso não significa somente "entregarmos o país" a terceiros, estrangeiros. Significa entregar o que é de todos a um punhado de especuladores de sempre. Que não tomarão os recursos naturais como tais. Mas como mercadoria. Significa pensarmos que uma cachoeira e o pico de uma montanha existem para dar lucro para um cabra qualquer, e não para que a sociedade usufrua de suas riquezas e belezas.
***
Em determinado momento, quando nos empolgamos com alguma notícia, nós, jornalistas ainda um tanto paspalhos que trocam interesses individuais pelo interesse público, achamos que esse esforço (ficar sem comer, trabalhar no limite do esgotamento) reverterá em algo útil. Não necessariamente reverte. A notícia vai para o limbo e a gente tem de arrumar energia (sabe-se lá de onde) para escrever outra menos importante...
... que (por algum motivo misterioso) repercutirá cem vezes mais que aquela muito mais relevante. E não é culpa nossa, não, não é culpa do título (fico perplexo quando dizem que a culpa é do título, ainda por cima a culpa é minha), a matéria da Renca já havia sido noticiada meses antes e nada. É teoria do caos mesmo, somada à triste realidade da consciência política/social/ambiental que se move assim, caoticamente, num turbilhão movediço.
Existe uma piadinha que eu sempre comento aqui sobre percepção da realidade. Três cientistas estão andando de trem pela Escócia pela primeira vez. Daí, uma ovelha preta passa na janela. O astrônomo diz "Na Escócia, as ovelhas são pretas". O físico refuta "Não, na Escócia, existe ovelhas pretas". Ao que o matemático discorda: "Na Escócia, existe ao menos uma ovelha com ao menos um lado preto".
A moral da história, óbvio, é "seja como o físico". O astrônomo presumiu que todas as ovelhas escocesas eram pretas por conta de uma única ovelha. O matemático concluiu ser possível haver uma ovelha preta filha de ovelhas brancas e, ainda, uma ovelha de um lado preta e de outro lado branca.
Não basta olhar informações. Tem que ser capaz de não extrapolar em cima do que elas de fato indicam(todas as ovelhas escocesas são pretas), nem reduzir o grau de informação delas a zero(um lado da ovelha é preta e nada mais). Se informar, no final das contas, é uma tarefa nada simples.
O episódio de hoje é "o caso do brasileiro que queria Lula presidente e preso ao mesmo tempo". Duas pesquisas diferentes foram realizadas, uma perguntando se Lula deveria ser preso e outra uma pesquisa eleitoral simples. Saiu o "aberrante" cenário de a maioria dos brasileiros quererem Lula preso e, ainda assim, ele é favorito nas pesquisas.
Aí, surgiu a confusão. Lulistas falando que a pesquisa sobre a prisão era falsa, coxinhas falando que a pesquisa eleitoral era falsa. Uma montanha de astrônomos, em suma.
Ora, o que dizem os números? 54% da população, segundo a pesquisa, querem Lula preso, 20% da população votaria em Lula no primeiro turno na espontânea, na casa de 30% votaria nele no primeiro nas estimuladas e, no segundo turno, ele venceria em todos os cenários.
Ou seja... 54% da população quer ele preso, 20% vota nele e 30% votariam nele frente os candidatos escolhidos pelo instituto de pesquisa e apresentados ao público. Dá para ver que não há incoerência matemática alguma na coisa toda.
Mas mesmo que houvesse, mesmo que ele estivesse com 50% das intenções de voto no primeiro turno e 54% o quisessem preso, haveria uma contradição real? O bizarro dessa pesquisa sobre "quantos brasileiros querem Lula preso" é que a única informação com qual ela é contrastável é "quantos brasileiros acham que os deputados devem dar prosseguimento às investigações contra Temer"(no caso, 89%).
É uma informação quase vazia, quase sem parâmetro de comparação. Se fizessem a mesma pergunta sobre mais políticos, o que descobriríamos? Será que aquela figura comum das ruas, o cara que acha que todos os políticos quase sem exceção devem ser presos, é estatisticamente comum de fato? Será que, sei lá, 20% acham que todos os políticos devem ser presos mas que, já que isso não acontece, é melhor escolher o menos pior?
Será que a mera pergunta "Você acha que o político XYZ deve ser preso?" já induz à resposta "sim", na medida que a pergunta infere que ele fez algo errado? Alguém já fez os testes de controle "Você acha que o deputado Sassá Mutema deve ser preso?" e "Você acha que a Claudia Raia deve ser presa?"? Sabemos quantos porcentos simplesmente reagem a referências à cadeia e prisão com "Sim, hoje, logo, nesse minuto e com fritas!"(fruto de uma disseminação intensa e incessante da cultura punitiva em nossas TVs e etc)?
Não há "contradição" e se houvesse não seria contradição alguma. Ainda assim, alimentou de vãs palavras muitas páginas e de mais confusões as timelines.
P.S.: Já que estamos falando da piada, vale comentar: algumas pessoas olharam pessoas de direita a favor da Catalunha, deram uma de astrônomo e disseram "é um movimento nacionalista europeu, logo é um movimento fascista". Agora, chovem fotos de nazistas contra a independência. Pronto, os astrônomos do outro lado apareceram para dizer que "os anti-independência são fascistas". Talvez caiba refletir que há fascistas nos dois lados, como em quase todas as opiniões concretas do cotidiano. Tem fascista pró-legalização da maconha, tem fascista contra. Ayn Rand, a papisa do neoconservadorismo dos EUA, era a favor do direito ao aborto. Enfim... façam o debate, parem de tumultuar discussões com palavras vazias, espantalhos, reductio ad absurdum(a começar pela comparação com o movimento separatista do sul do Brasil) e etc.
Façam. A. Merda. Do. Debate. Só isso.
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