16 Setembro 2017
“Mujica disse que ‘por agora’ não será o candidato. Se Sendic foi uma aposta para o futuro falida por este desfecho, a Frente Ampla deverá repensar o horizonte eleitoral. A renovação costuma ser boa conselheira para pensar em médio e longo prazo, é certo, mas também há momentos nodais onde os fundadores dos projetos políticos devem assumir responsabilidades históricas, e entender seu próprio peso pessoal no destino das nações. Possivelmente, seja o momento para que o experimentado Mujica repense o seu não. Há muito em jogo, tanto no Uruguai, como para a região em seu conjunto”, escreve o cientista político e analista internacional Juan Manuel Karg, da Universidade de Buenos Aires, em artigo publicado por Página/12, 15-09-2017. A tradução é do Cepat.
Lucía Topolansky, histórica companheira de José “Pepe” Mujica, tornou-se a primeira vice-presidente da história da República Oriental do Uruguai. Uma notícia significativa em meio ao desordeiro Sendic: de um labirinto se sai por cima, diz o ditado, e a Frente Ampla parece disposta a aproveitar a repentina crise para voltar a se tornar forte frente às próximas eleições presidenciais.
Topolansky, primeiro militante do MLN Tupamaros e, depois, fundadora do Movimento de Participação Popular (MPP), um dos maiores espaços representativos da Frente Ampla, terá a tarefa de oxigenar a gestão do governo da mesma em meio a uma investida continental contra governos nacional-populares, progressistas e da esquerda, em uma tentativa de restauração conservadora.
A Constituição a colocou nesse lugar: foi a segunda senadora mais votada da lista com maior número de eleitos, após o próprio Mujica, que não pode assumir o cargo por restrições constitucionais. A ideia parece clara. Curar as feridas. Virar a página. Governar, nem mais e nem menos, em meio a uma América Latina com crise presidenciais em todo o continente. “O que proporei ao Presidente Vázquez se resume em uma palavra: trabalho”, disse Topolansky sobre sua nova tarefa, deixando claro ao que se soma.
A agora vice-presidente uruguaia teve múltiplos desafios ao longo de sua carreira política. Esteve presa durante 13 anos, como milhares de latino-americanos que lutaram contra as ditaduras civis-militares no Cone Sul. Foi torturada, mas milagrosamente salvou sua vida. E ao sair continuou militando pela democracia, junto com seu companheiro. Em 1989, fundou o MPP. Foi deputada e depois senadora, além de primeira-dama. Reinventou-se, e o povo uruguaio a elegeu mais de uma vez.
Os meios de comunicação concentrados do continente já começaram um embate veloz contra ela, com os clichês de sempre: “ex-guerrilheira”, “pró-aborto”, “pró-maconha”. O mesmo que fizeram contra Dilma Rousseff, por misoginia, antes que fosse deposta por um golpe institucional que acaba de aprovar uma reforma trabalhista seriamente regressiva em matéria de direitos trabalhistas, e que busca desabilitar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva por meio de uma condenação de Moro.
A elite uruguaia – e também a latino-americana – sabe bem que nesta mulher que vive como uma a mais nos arredores de Montevidéu está a possibilidade de reforçar uma gestão de governo que demonstra 15 anos de crescimento ininterrupto em matéria econômica, mas que se viu impactada midiaticamente durante os últimos dois anos. Por isso agora, cumprida a tarefa suja sobre Sendic, provavelmente busquem encurralar Topolansky, com rios de tinta de duvidosa veracidade, mas possível forte impacto em centros urbanos.
Enquanto isso, a Frente Ampla deverá começar a resolver o dilema eleitoral de 2019. Mujica disse que “por agora” não será o candidato. Se Sendic foi uma aposta para o futuro falida por este desfecho, a Frente Ampla deverá repensar o horizonte eleitoral. A renovação costuma ser boa conselheira para pensar em médio e longo prazo, é certo, mas também há momentos nodais onde os fundadores dos projetos políticos devem assumir responsabilidades históricas, e entender seu próprio peso pessoal no destino das nações. Possivelmente, seja o momento para que o experimentado Mujica repense o seu não. Há muito em jogo, tanto no Uruguai, como para a região em seu conjunto.
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Uruguai. Topolansky e Mujica - Instituto Humanitas Unisinos - IHU