17 Setembro 2017
Evidências apontam que ao menos 10 índios foram mortos, inclusive, crianças e mulheres de tribo isolada no Amazonas.
A reportagem é de Luiza Belloni, publicada por HuffPost Brasil, 13-09-2017.
A notícia de um massacre de índios isolados no Vale do Javari, extremo oeste do estado do Amazonas, chocou o Brasil e o mundo. Nesta semana, a Funai (Fundação Nacional do Índio) denunciou o ataque ao Ministério Público Federal do Amazonas, que abriu uma investigação com a Polícia Federal.
A suspeita é de que ao menos dez índios isolados tenham sido mortos no fim de agosto por garimpeiros ilegais no Vale do Javari, terra indígena demarcada pelo governo no início dos anos 2000. Em nota, o MPF informou que apura o caso, mas não deu detalhes da operação para “não prejudicar a investigação”. O órgão não confirmou o massacre, o número de mortes, nem o nome da tribo que teria sido atacada.
Mas, segundo a organização de proteção aos índios isolados no Brasil, a ONG inglesa Survival International, há fortes evidências que comprovam o massacre.
Uma delas é um áudio que foi gravado no celular de alguns garimpeiros na cidade mais próxima, São Paulo de Olivença. “[No áudio] Eles estão se gabando das mortes, falando que incluía crianças e mulheres”, relatou ao HuffPost Brasil a pesquisadora da Survival International, Carla Lorenzi. “E que eles teriam cortado os corpos e despejado no rio Jandiatuba.”
Outra evidência são fotos destes garimpeiros com artefatos indígenas que teriam pego dos índios mortos no ataque. “Essas são as evidências que fizeram a Funai a fazer a denúncia ao MPF. Mas como o Ministério Público e a Polícia Federal não foram ao local onde se acredita que os corpos tenham sido deixados, o massacre ainda é suposto, e as investigações estão ocorrendo”, explicou.
Se o massacre se confirmar, será a maior tragédia contra indígenas que vivem sem contato com a sociedade em 24 anos. Em 1993, garimpeiros invadiram uma reserva indígena em Roraima e mataram 16 índios Yanomami, da aldeia Haximu.
Segundo a ONG, garimpeiros devastaram os Yanomami entre as décadas de 60 e 80, e ainda são uma ameaça às tribos isoladas. (Foto: Colin Jones, Survival)
A área sob investigação fica nas proximidades dos rios Jandiatuba e Jutaí, próximo à fronteira com o Peru, a cerca de 1.000 km de Manaus. Alguns impedimentos, porém, podem atrasar as investigações. Além de o local ser de difícil acesso — são 12 horas de barco no atual período de seca –, a Funai e o MPF não podem entrar em contato com as tribos isoladas, pelo fato de que a própria política do governo veta o contato com eles. “Isso obviamente tornaria mais difícil a investigação. Tanto que eles precisam basear a verdade no que eles encontrarem de evidências físicas e dos relatos dos próprios garimpeiros e pessoas envolvidas no crime”, afirmou Lorenzi, que acompanha o caso.
Alguns garimpeiros foram presos e conduzidos a Tabatinga para prestarem depoimento. Também houve mandado de busca e apreensão. Segundo nota da Funai, estes homens não confirmaram as mortes. Já o MPF informou que investiga o garimpo ilegal no rio Jandiatuba e que recebeu denúncias dos próprios moradores por conta da “violência que o garimpo gera, da prostituição infantil, das ameaças e até de homicídios”.
O Vale do Javari é conhecido como “Fronteira Isolada Amazônica” porque tem o maior registro de índios isolados do mundo. Como a Funai se compromete a não estabelecer qualquer contato com estes índios, o monitoramento destas populações é impreciso.
A estimativa é que existam cerca de 14 tribos isoladas apenas no Vale do Javari, que tem área equivalente a duas vezes o tamanho do Estado do Rio de Janeiro. Na Amazônia, a estimativa é de que existam 107 tribos sem contato com a sociedade.
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“Por esses povos não estarem em contato com o povo dominante, eles são extremamente vulneráveis para doenças que possamos trazer, até as mais simples como gripe e sarampo, porque eles não têm esse tipo de imunidade”, explica Carla Lorenzi, da Survival International. “Além disso, estão expostos à violência externa e de quem queira roubar suas terras, como os garimpeiros, no Vale do Javari, ou madeireiros e fazendeiros em outras regiões da Amazônia.”
Segundo Lorenzi, estes índios são uma parte vital da diversidade humana e brasileira e o conhecimento deles é “insubstituível”. “Muitos dos medicamentos que usamos hoje vieram dos indígenas, eles têm uma riqueza cultural muito grande e têm muito a ensinar para todos nós”, disse a pesquisadora, ressaltando a importância de preservar esses povos.
E não só isso. Eles são os melhores guardiões do ambiente deles. Evidências já demonstram isso: os territórios indígenas são as barreiras mais eficazes do desmatamento. E não há outro lugar no mundo onde existam tantas tribos isoladas como a Fronteira Isolada Amazônica.
A pesquisadora conta que é difícil saber o motivo pelo qual teria ocorrido o massacre. “Sabemos que o garimpo ilegal tem crescido na região, principalmente no rio Jandiatuba. Então os índios podem ter sido atacados por simplesmente aparecerem no rio, ou porque os garimpeiros adentraram no território e houve confronto”, disse.
De acordo com a ONG, acredita-se que aconteçam muitos tipos de ataques e confrontos entre invasores e indígenas que não são investigados, por acontecerem em áreas remotas, onde o governo não consegue chegar.
Tribo isolada da Amazônia brasileira, imagem aérea em 2010. (Foto: G. Miranda, Funai, Survival)
‘Não é só essa tribo, é um problema sistêmico’
Apesar de a atividade garimpeira ilegal ocorrer há anos na região, as invasões, segundo Lorenzi, se intensificaram no último ano, quando a Funai sofreu grande corte no orçamento e teve de diminuir o pessoal ou até mesmo fechar bases de proteção ambiental, que são equipes encarregadas em proteger e monitoras as terras demarcadas.
“Esses territórios foram praticamente ‘abertos’ e mais propensos a serem invadidos, porque simplesmente as pessoas sabem que não tem nenhuma forma de fiscalização”, conta Carla.
Em maio, o então ministro da Justiça, Osmar Serraglio, reduziu o orçamento da Funai para este ano em 44%. O montante aprovado no início de 2017, de R$ 107,9 milhões, foi reduzido para R$ 60,7 milhões. De acordo com o Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), foram gastos R$ 27,8 milhões apenas nos primeiros quatro meses.
Para ajustar as contas, a fundação teve de fazer uma série de cortes de pessoal e de ações de fiscalização. Isso faz que as tribos isoladas, que necessitam da proteção da Funai, sofram cada vez mais ameaças.
Só a presença de garimpeiros nas áreas protegidas já representa risco à vida desses indígenas, pois além de transmitirem doenças, eles exploram o ouro utilizando o mercúrio, que despejam nos rios e florestas, contaminando peixes e outras caças. “É uma ameaça muito grande, não só essa tribo, ou região; é um problema sistêmico, na verdade”, diz Lorenzi.
A pesquisadora afirma que a fiscalização e o monitoramento dessas áreas são as únicas formas de garantir a preservação destas tribos — mas, o que se vê é o contrário. “Vemos que a fiscalização diminuiu e esses índios ficaram muito mais vulneráveis a invasões por garimpeiros”, disse a pesquisadora da Survival.
Em nota, o diretor da Survival International, Stephen Corry, critica o governo de Michel Temer e o responsabiliza pelo “ataque genocida”. “O governo do presidente é extremamente anti-indígena, e possui laços fortes com a poderosa bancada ruralista. O apoio aberto do governo àqueles que querem abrir territórios indígenas é extremamente vergonhoso.”
Lorenzi acrescenta:
O que o governo faz é muito pouco porque não está protegendo essas terras como deveria. E, em consequência, não está protegendo a vida dessas pessoas, tanto que o que a gente fala é: se esse massacre se confirmar, ele foi completamente previsto e poderia ter sido impedido se essas terras tivessem sido protegidas adequadamente.
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‘Garimpeiros gravaram áudios se gabando das mortes’, diz ONG sobre denúncia de massacre de índios - Instituto Humanitas Unisinos - IHU