29 Agosto 2017
"A lealdade à nação", afirmou o presidente Trump, na semana passada, "exige lealdade uns aos outros...". Quando abrimos o coração ao patriotismo, não há espaço para o preconceito, para o fanatismo, nem tolerância ao ódio." Observadores passaram vários dias analisando essas palavras, que constituíam o início do anúncio do presidente Trump de uma nova política estadunidense no Afeganistão. Algumas pessoas sentiram que o apelo à unidade nacional era uma tentativa indireta de se redimir do desempenho abismal após os trágicos eventos de Charlottesville. Talvez. No entanto, desconsiderando o sucesso tático, ou a falta dele, devemos analisar o significado básico das palavras do presidente, que revelam que o governo de Trump não parte do consenso público de forma inquietante, como muitos imaginam, mas é expressão inquietante desse consenso.
O artigo é de Matt Malone, S.J., editor da revista América, 24-08-2017. A tradução é de Luísa Flores Somavilla.
Para entender o que quero dizer, considere esta curiosidade da história intelectual: "Em algum momento em torno do ano de 1700", observou o falecido Kenneth Minogue, "muitas pessoas, particularmente da intelligentsia, abandonaram a crença [tradicional e cristã] de que vivemos em um mundo caído e adotaram a ideia de que vivemos não em um mundo caído, mas em uma sociedade imperfeita".
Essa mudança fundamental de uma autoconcepção enraizada na metanarrativa da criação, queda e redenção, disse Minogue, inaugurou o pensamento político moderno e o idealismo político que o acompanha. Os idealistas políticos acreditam que nossas imperfeições são amplamente explicadas pela participação em um ou mais sistemas e que o trabalho de aperfeiçoamento da sociedade, em grande parte, diz respeito à criação de um sistema melhor do que o que temos. Nos séculos XIX e XX, isso originou vários programas para uma sociedade mais perfeita, os famosos "ismos" da esquerda e da direita, que, não por mera coincidência, acompanharam o século mais violento da história humana. Olhando para trás, é relativamente fácil entender como isso aconteceu.
Um mundo caído requer um redentor divino. Uma sociedade imperfeita só precisa de um plano melhor. Num mundo caído, a redenção chega a nós como um presente misericordioso. Numa sociedade imperfeita, a redenção reside no autoaperfeiçoamento. O problema é este: de um jeito ou de outro, precisamos de um messias. De acordo com a teologia cristã tradicional, no nosso mundo caído, o messias é o Filho do Deus vivo. Numa sociedade imperfeita, o messias é a sociedade civil, ou, como é muito mais o caso hoje, o Estado-nação.
Este falso messianismo não é de domínio exclusivo da esquerda ou da direita. Ele opera em quase todos os lugares da vida política contemporânea, de diferentes maneiras. Na esquerda, aparece mais em debates sobre economia; na direita, fica mais evidente nas discussões sobre segurança nacional. Ainda que os debates nos canais de notícias da TV a cabo pareçam indicar o contrário, há uma espécie de consenso público no trabalho: que o Estado-nação tem um papel pseudomessiânico a desempenhar, seja na realização de uma sociedade mais perfeita ou na criação de uma ordem mundial hegemônica.
Essa metanarrativa empobrecida é justamente o motivo por que a política está cada vez mais moralista e combativa. Como já observei neste espaço, em uma sociedade imperfeita, fechada ao transcendental, não há nenhum objetivo além do florescimento humano. As apostas políticas aumentam cada vez mais, à medida que a política se torna uma batalha pelo controle dos meios da nossa autoperfeição, um jogo perigoso de soma zero que é igualmente realismo cínico e fantasia trágica. É um jogo particularmente perigoso para os cristãos, pela mudança do mundo caído para a sociedade imperfeita, segundo William T. Cavanaugh. Serve para "marginalizar o corpo de Cristo em prol de uma comunidade imaginada, um falso órgão público", não a sociedade civil, mas um único espaço, "centrado no Estado".
O que me faz retornar às observações do presidente. Por mais perturbador que tenha sido o restante do discurso, as palavras mais inquietantes de Trump foram, infelizmente, as que foram ditas para confortar. "Quando abrimos o coração ao patriotismo, não há espaço para o preconceito..." Precisamos parar diante dessas palavras, pois o papel que o presidente atribui ao patriotismo aqui é, na tradição cristã, o mesmo atribuído à graça de Deus. Ao aceitar "o mito do Estado [e os símbolos a ele associados] como pacificador, como o que reconcilia as contradições da sociedade civil", segundo Cavanaugh, a Igreja compromete o testemunho profético do único redentor, de cuja graça precisamos para realizar os atos verdadeiramente radicais de piedade e justiça que ele nos pede. Ao mesmo tempo, arriscamos ser cúmplices da injustiça e da violência cometida em nome do Estado-nação. Assim, arriscamos a alma. O amor modesto ao país é uma virtude. Mas quando a idolatria do nacionalismo desloca a virtude do patriotismo, pessoas - geralmente muitas pessoas - são mortas.
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O verdadeiro motivo da política moralista e combativa: o falso messianismo e o mito do Estado-nação - Instituto Humanitas Unisinos - IHU