11 Agosto 2017
A ideia de garantir uma renda básica a todos tem muitos defeitos evidentes, mas uma virtude soberana: incorpora o princípio de que todo cidadão é um membro valioso da sociedade e tem o direito de compartilhar de sua prosperidade coletiva.
Essa convicção vem movendo pensadores radicais há 500 anos, desde que o argumento foi proposto inicialmente por Sir Thomas More, em "Utopia". A ideia voltou a ecoar em nossa era, dada a preocupação com a erosão dos padrões de vida, com a concentração de riqueza e com a possível ameaça de desemprego em massa causado pela mudança tecnológica.
O comentário é de John Thornhill, colunista e editor de inovação do Financial Times, publicado por Financial Times e reproduzido por Folha de S. Paulo, 09-08-2017.
Mas, por meio milênio, a ideia de uma renda básica universal foi pouco mais que um sonho utópico, e sempre colidiu contra a rocha da realidade. As principais objeções ao conceito são questões tanto práticas quanto de princípio, encapsuladas em duas perguntas.
Por que alguém deveria ser pago por fazer nada? E de que maneira seria possível arcar com os custos dessa ideia?
No entanto, é possível criar um esquema de renda básica que retenha os principais atrativos da proposta e minimize suas falhas. Um bom modelo prático para isso está em funcionamento no Alasca há mais de 30 anos.
Em 1976, os eleitores do Alasca aprovaram uma emenda constitucional que criava um fundo de investimento permanente, a ser bancado pelas receitas do incipiente boom petroleiro no Estado. Anos mais tarde, o Alaska Permanent Fund começou a pagar dividendos a todos os moradores registrados no Estado.
A depender do desempenho do fundo, o valor pago anualmente variou de US$ 872 a US$ 2.072 per capita, nos últimos 10 anos. Para todos os efeitos, é um esquema de renda básica universal, com pagamentos iguais a todos, independentemente de seu patrimônio ou contribuição para a sociedade.
O esquema não resultou em indolência generalizada, como temem os críticos das propostas de renda básica. A chave está no adjetivo: básica. O esquema, que conquistou apoio bipartidário, também ganhou popularidade ao longo dos anos e já foi descrito como uma "cerca eletrificada" na política estadual, porque eletrocuta qualquer político que decida mexer com ele.
Em uma recente pesquisa por telefone, os moradores do Alasca descreveram as três principais vantagens do fundo como a igualdade de tratamento, a imparcialidade na distribuição e sua ajuda a famílias que enfrentam dificuldades. Cerca de 58% dos entrevistados afirmam que eles estariam dispostos até mesmo a pagar mais impostos estaduais, para preservar o fundo, ainda que o Alasca tenha sofrido um abalo econômico com a queda nos preços do petróleo.
A despeito de seus recursos naturais, o Alasca não está entre os Estados norte-americanos mais ricos, em termos de renda per capita. Mas, em parte como resultado desse dividendo anual, é um dos Estados mais igualitários em termos econômicos, e tem um dos índices de pobreza mais baixos do país.
No mês passado, Mark Zuckerberg, presidente-executivo do Facebook, visitou o Alasca e elogiou os programas sociais do Estado, afirmando que eles ofereciam "algumas boas lições para o resto do país".
Como outros empreendedores do Vale do Silício, Zuckerberg acredita que milhares de empregos serão destruídos por novas tecnologias, como os carros autônomos. Em um mundo como o que surgirá quando isso acontecer, ele diz, teremos de inventar um novo contrato social. A renda básica poderia ser parte da resposta.
Há quem argumente que o Alasca é um caso especial, por estar simplesmente distribuindo os frutos da bonança petroleira. Mas pode ser possível encontrar outras fontes de receita para bancar esquemas semelhantes em outros territórios. Há quem sugira um imposto sobre o valor dos terrenos. Outros preferem um imposto sobre as transações financeiras.
Mas existe outra fonte potencial de receita sobre a qual Zuckerberg conhece tudo: dados. Se, como diz o ditado, dados são o novo petróleo, pode ser que tenhamos encontrado a fonte de receita do século 21. Os dados poderão fazer pelo planeta o que o petróleo fez pelo Alasca.
A preocupação de Zuckerberg com os marginalizados da sociedade é louvável, e seu compromisso para com a construção de comunidades fortes também. Ao contrário da maioria de nós, ele dispõe de influência pessoal para ajudar a enfrentar os problemas de nossa era. Dirige uma das companhias de mais alto valor do planeta, e dispõe de um púlpito digital permanente, do qual pode defender seus argumentos diante dos dois bilhões de usuários mundiais do Facebook.
Ele deveria demonstrar que está à altura de sua retórica e criar o Facebook Permanent Fund, para cobrir uma experiência mais ampla de renda básica universal. E deveria encorajar outras empresas de dados, como o Google, a contribuir.
O ativo mais valioso de que o Facebook dispõe são os dados que seus usuários fornecem gratuitamente, muitas vezes sem saber que o estão fazendo, e que a empresa na prática vende a anunciantes. Parece justo que o Facebook faça uma contribuição social maior, por lucrar tanto com esse recurso imensamente valioso e gerado coletivamente.
Os acionistas da empresa odiariam a ideia. Mas desde os primeiros anos do Facebook, Zuckerberg disse que seu propósito era o de causar impacto, e não o construir uma companhia. Além disso, um gesto filantrópico como esse poderia se provar o golpe de marketing do milênio. Os usuários do Facebook continuariam a trocar fotos de gatos, mas sabendo que cada clique contribui para um bem social maior.
Uma troca simples de dados por renda básica, como a proposta, seria simples e clara. E apelaria ao modo de pensar do Vale do Silício, que tem por foco a solução de problemas. Muitos empreendedores da tecnologia encaram intervenções governamentais com suspeita. Mas não há regras que disponham que só governos podem operar no ramo da redistribuição de renda.
"Deveríamos estudar ideias como a da renda universal básica, para que todo mundo dispusesse de uma reserva para experimentar coisas novas", disse Zuckerberg aos formandos da Universidade Harvard em um discurso de encerramento de curso, em maio.
Você tem razão, Mark. Vá adiante e tente esse ideia.
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Por que o Facebook deveria nos pagar uma renda mínima - Instituto Humanitas Unisinos - IHU