08 Agosto 2017
Arthur Caplan, presidente fundador da Divisão de Bioética da Universidade de Nova York, esclareceu dúvidas sobre a nova tecnologia no campo da genética que poderá permitir a retirada de doenças em embriões humanos.
A notícia de que cientistas editaram pela primeira vez com sucesso genes em embriões humanos correu o mundo esta semana.
A entrevista é de Yonat Shimron, publicada por Crux, 05-08-2017. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
No experimento, publicado quarta-feira (2 de agosto) na revista Nature, os cientistas basicamente cortaram fora um gene mutante conhecido por causar problemas cardíacos que podem levar à morte súbita.
Tal feito é polêmico, pois mostra que os cientistas poderiam manipular a vida em seus primeiros estágios e essas alterações seriam então herdadas pelas gerações futuras, caso o embrião for mantido até se transformar em um bebê. (O embrião em questão foi destruído.)
O estudo também lançou a ideia tentadora de que um bebê projetado/feito sob medida* estaria livre de doenças e não as transmitiria aos descendentes.
Realizado em colaboração pelo Salk Institute for Biological Studies (da Califórnia), pela Oregon Health and Science University e pelo Institute for Basic Science, órgão coreano, o experimento foi feito com financiamento privado visto que os EUA proíbem o emprego de verbas federais para pesquisas envolvendo embriões.
O estudo também levanta uma série de dúvidas éticas com desdobramentos religiosos. Estes embriões editados deveriam ter a permissão de se transformarem em bebês? Os cientistas poderão editar traços indesejáveis, tirando-os fora, para criar bebês personalizados? Esta tecnologia não aumentará a desigualdade social ente os que têm acesso a ela e os que não o têm?
Arthur Caplan, presidente fundador da Divisão de Bioética da Universidade de Nova York, respondeu a estas e outras perguntas.
Os resultados da edição genética constituem um avanço. Você concorda?
São um avanço, mas um avanço pequeno. É uma demonstração de prova de princípio, isto é, foi feita uma correção e não matamos o embrião e, até onde sei, ele se desenvolveu normalmente por alguns dias. Não se demonstrou ainda que não haverá erros em outras partes do embrião. Estes poderão aparecer mais tarde no desenvolvimento. Mas, certamente, é um avanço animador.
As pessoas estão preocupadas com a possibilidade de se criarem bebês sob medida. Esta preocupação tem fundamento?
Fico surpreso com essa preocupação. O artigo publicado assemelha-se à demonstração de que era possível pôr um satélite em órbita. A questão sobre um bebê projetado, sob medida, é parecida com a pergunta: “Podemos viajar para outras galáxias?” Não estamos muito longe disso. Não é uma coisa com que devemos nos preocupar. Certamente é uma consideração para os nossos netos, mas não para nós.
As dúvidas de hoje são: Quem estará observando esta técnica o suficiente para decidir sobre a segurança e provas que precisam haver para se tentar fazer um bebê usando esta técnica? Quem possui a tecnologia e o que cobrarão das pessoas por ela? Dado que a maior parte do trabalho até aqui em edição genética foi paga com o dinheiro dos contribuintes, pode ser interessante saber se haverá algum esforço no sentido de garantir o acesso a preços razoáveis. O mapeamento do genoma humano e tudo o que levou ao que temos hoje foi financiado com dinheiro público.
Este estudo, porém, foi feito com dinheiro privado e isso levanta a possibilidade de que outras pesquisas poderão ser feitas com dinheiro de particulares e, talvez, com financiamento estrangeiro, certo?
Com certeza essa técnica irá avançar. Há outros governos de outros países que querem fazê-la avançar: a China, a Inglaterra, Singapura, Taiwan, a Coreia. Há inúmeros lugares ao redor do mundo que não se oporiam à continuidade destes estudos. O que os Estados Unidos irão fazer não será a palavra final.
A ideia de que a humanidade iria, conscientemente, se afastar da oportunidade de evitar com que doenças sejam passadas a gerações adiante é ridícula. As discussões sobre bebês perfeitos, humanos mutantes ou eugenia não irá deter as tentativas de evitar doenças ou remediá-las.
Isso é preocupante, não?
Eu ainda acho que se pode manipular a tecnologia. Seria legal se tivéssemos um grupo internacional para definir algumas regras. Seria ótimo se a comunidade científica – com lideranças religiosas, eticistas e juristas – estabelecesse certas regras de como operar nesse campo. Seria legal se os editores de revistas dissessem: “Não publicaremos coisa alguma a menos que estas regras sejam seguidas”. É importante ter isso.
Que questões concretas um tal grupo internacional deveria abordar?
De onde se tiram embriões e gametas; que tipo de consentimento informado deveria ser usado para se realizar pesquisas? Por quanto tempo podemos desenvolver um embrião em laboratório? Até onde se pode desenvolvê-lo? Até que ponto devemos testar em animais antes de tentarmos fazer um bebê? Quais doenças devem ser prioritárias e por quê? Quais as competências que uma equipe deve ter para conduzir este tipo de estudo? Devemos criar um livro de registro, de forma que todo o experimento com embriões seja registrado e que saibamos todas as conclusões, boas e más? Quem pagará se uma criança nascer com deficiências graves? Estes são os problemas. Superbebês? Um medo desse tipo pode esperar mais um pouco.
Que medidas práticas os grupos religiosos podem tomar?
Primeiro, convidar um cientista para falar sobre o assunto, alguém que entenda dele e que possa dizer onde estamos na questão de engendrar embriões em humanos e animais.
Segundo, qual a obrigação do governo em pagar por estes estudos, caso realmente o trabalho esteja orientado para a análise de doenças, prevenção e tratamento? Defender um acesso justo.
Por fim, os grupos religiosos podem exigir que a comunidade científica forme uma espécie de organismo supervisor e regras das quais falei acima.
Seria bom fazer isto também: tentar entender historicamente o que foi a eugenia nazista, e saber quem a tornou tão má. Como a eugenia aconteceu? Não foi por causa das novas tecnologias; a eugenia aconteceu devido ao racismo e à intolerância. Se quisermos nos preocupar com o abuso da tecnologia atual, devemos nos preocupar igualmente com o racismo, o preconceito e com as opiniões negativas sobre as pessoas deficientes. É isso o que leva as pessoas a usar erroneamente a tecnologia, não a tecnologia em si.
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Edição genética: Um caminho para a Terra Prometida? Ou para a caixa de Pandora? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU