05 Fevereiro 2016
Kathy Niakan e os seus colaboradores do Francis Crick Institute de Londres poderão alterar genes de embriões humanos para estudar as causas da infertilidade e do aborto espontâneo. Primeira no mundo, a Human Fertilisation and Embryology Authority, a autoridade britânica para a embriologia e a fecundação humana, autorizou os pesquisadores a realizarem experimentos de modificação genética sobre os embriões, depois de uma longa análise do pedido da bióloga, sopesando as implicações éticas de um projeto de pesquisa provavelmente destinado a causar polêmicas.
A reportagem é de Marco Cattaneo, publicada no jornal La Repubblica, 02-02-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Especialista em biologia do desenvolvimento, Niakan explicou ainda nas semanas passadas, que o objetivo último desses estudos é "entender quais são os genes necessários para que um embrião humano se desenvolva com sucesso, dando origem a um bebê saudável. E a razão pela qual isso é tão importante é que abortos espontâneos e infertilidade são extremamente difundidos, mas não entendemos bem os seus mecanismos".
De cada 100 óvulos fecundados, de fato, apenas a metade alcança o estágio de blastocisto, uma estrutura composta por cerca de 200-300 células, 25 se implantam corretamente e 13 superam os três meses de desenvolvimento. No estágio de blastocisto, que se alcança em torno de uma semana depois da fecundação, algumas células já foram direcionadas para desenvolver papéis específicos: algumas vão formar a placenta; outras, o saco vitelino, que desempenha as funções nutricionais nas primeiras fases do desenvolvimento; e outras ainda acabarão dando vida a uma criança.
Por enquanto, os mecanismos pelos quais se desenvolve esse processo não são claros, mas se sabe que, nessa fase, há algumas porções do nosso DNA muito ativas. Niakan e colegas desativarão genes alternativamente para entender exatamente quais são essenciais durante essas fases precoces do desenvolvimento embrionário.
Os embriões, provenientes de doações, serão destruídos depois de uma semana e – segundo as indicações da HFEA – não poderão de modo algum ser implantados para dar origem a um bebê.
Na realidade, não é a primeira vez que embriões humanos são submetidos a modificações genéticas. Ainda em abril passado, o grupo de Junjiu Huang, na Universidade Sun Yat-sen, de Guangzhou, na China, tinha publicado na revista Protein & Cell os resultados dos primeiros experimentos de manipulação, executados sem grande sucesso na tentativa de corrigir um gene para a hemoglobina para evitar a talassemia.
O artigo, porém, foi recusado tanto pela Nature quanto pela Science, em cujas páginas tinham aparecido apelos para aperfeiçoar a técnica usada pela equipe chinesa antes que fossem estabelecidos limites bem específicos para o seu uso, dado o risco de eugenia do outro lado da rua. Essa mesma técnica, batizada como CRISPR-Cas9, no entanto, havia sido declarado pela Science, em dezembro, como a inovação revolucionária do ano.
Em uso já há algum tempo, permite intervir no DNA com o chamado gene editing, uma espécie de correção de esboços em que é possível modificar as letras individuais que compõem a sequência genética. E é a mesma que vai ser usada por Niakan e pelos outros cientistas do Francis Crick Institute para intervir nos embriões.
Ao entusiasmo de Paul Nurse, diretor do Francis Crick, uniu-se um coro de vozes favoráveis. De George Daley, especialista em células-tronco em Boston, a Sarah Chan, bioeticista da Universidade de Edimburgo, que vê na revolucionária decisão da HFEA um ótimo exemplo de como se pode "fazer experimentação distinguindo entre pesquisa e reprodução".
Fora do tom, David King, diretor da Human Genetics Alert, em vez disso, reiterou que "é o primeiro passo de um processo que levará a crianças geneticamente modificados e a um futuro de eugenia de consumo". Os tons já estão elevados. E estamos apenas no começo.
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"Sim à manipulação dos embriões humanos": Londres, a reviravolta divide - Instituto Humanitas Unisinos - IHU