27 Junho 2017
"Quero colocar que as preocupações que vocês apresentam aqui são as mesmas que vivemos na aldeia, é a mesma que o meu povo vive. Não sabemos como vai ser o futuro. A maneira que o agronegócio age é para destruir o meio ambiente, a fauna, as águas e o ser humano”, afirmou o indígena Juarez Rikbatská em sua participação na mesa “Impactos e conflitos socioambientais pela água” na noite de sábado, dia 24 de junho durante as atividades da II Tenda Multiétnica – Povos do Cerrado, realizada durante o 19º Festival Internacional de Cinema e Vídeo Ambiental (FICA), na cidade de Goiás. Na atividade foi lida, ainda, a Carta Final da Tenda.
Foto: Thomas Bauer – CPT Bahia.
A reportagem é de Cristiane Passos e publicada por semcerrado.org, 26-06-2017.
“Não somos contra o povo ser evoluído, mas tem que ser uma evolução que respeite os povos e as florestas”, analisou Juarez Rikbatská. “Quando saí da aldeia eu me impressionava com as lavouras gigantescas. Para nós indígenas a gente ainda não entendeu o porquê dessa prática de monocultivo do agronegócio. Até porque aquilo que eles produzem não é consumido aqui, é exportado, é usado para ração animal. Quem alimenta o povo é a agricultura familiar. 70% do que é consumido vem dos pequenos produtores. Quis fazer o possível para vir nesse encontro para poder contribuir com outros povos e outras nações, para tentar criar uma união entre nós e ir contra esses grandes projetos”, disse o indígena.
Juarez denunciou os impactos do uso de agrotóxicos sobre os povos indígenas. “Ouvi aqui que de tudo aquilo que é utilizado de agrotóxico no país, mais de 5 litros por pessoa por ano. Os meus antepassados não eram expostos a essa quantidade de veneno. Vemos hoje que é difícil um indígena chegar a 100 ou 90 anos, pois ficam doentes antes. Quero colocar que as preocupações que vocês apresentam aqui são as mesmas que vivemos na aldeia, é a mesma que o meu povo vive. Não sabemos como vai ser o futuro. A maneira que o agronegócio age é para destruir o meio ambiente, a fauna, as águas e o ser humano”, finalizou.
Paulo César Moreira, da coordenação nacional da CPT e da Campanha Nacional em Defesa do Cerrado, lembrou o sociólogo François Houtart, falecido recentemente e que participaria da Tenda, “lembrando o François Houtart, ele dizia que os grandes empresários ou os considerados grandes donos do processo de concentração de renda, eles avaliaram que no mundo todo existe muita gente, e o capital não precisa de toda essa concentração. Por isso existem tantas armadilhas e uma parte da população será excluída de fato”.
O coordenador apresentou os dados de conflitos nos biomas. “A soja que se consolidava no sul do país, passa a migrar para o cerrado. Junto a esses conflitos vemos que a conjuntura política é de grandes conglomerados econômicos, aliados às bancadas políticas, voltados para o agronegócio e também para a grande mídia. É uma ação orquestrada. Todas as categorias de conflitos que a CPT registra aumentaram de 2015 para 2016. Das 61 vítimas de 2016, duas foram assassinadas em conflitos pela água e três mortes em consequência também em conflitos pela água. Todas as regiões do país estão sofrendo com conflitos pela água. A mineração tem sido a maior causa dos conflitos pela água. Vemos que é a anulação total dos grupos que tem um modo de viver diferente do capital”.
Foi compartilhado na Tenda que o povo da comunidade do Charco, no Maranhão, já falou que se a água deixar de existir, os seus orixás vão deixar de existir também. Ou seja, a degradação ambiental afeta também outras dimensões, envolvendo as crenças, a cultura a cosmovisão de mundo desses povos.
José Divino Souza, representante da Secretaria de Meio Ambiente do estado de Goiás, limitou-se a explicar que “nós temos que seguir o que o legislador define, então nós não podemos ir contra isso. Se não houver mudança na legislação a gente fica impossibilitado de fazer algo”.
Beto Novaes, cineasta, destacou que o grande problema que vivemos hoje no mundo é a questão da comunicação. “Todos os empresários hoje têm rádio e outros veículos de comunicação. O maior problema nosso é levar essas informações para a sociedade, que está totalmente dominada pela mídia e longe desse pensamento. Mesmo nas escolas os professores estão presos a um livro texto, e que reflexão tem nesses materiais? Nós trazemos as imagens, portanto, para mostrar isso à sociedade, a realidade. A ideia de transformar essas histórias em imagens é para ter um instrumento pedagógico a ser trabalhado nas escolas. Esse é um problema da sociedade brasileira, não somente dos povos do campo. O capitalismo também se reproduz a partir da fragmentação da comunicação”.
Beto exemplificou a questão do poder da comunicação com o caso do documentário que ele fez denunciando os impactos dos agrotóxicos. “Em Lucas do Rio Verde (MT) entrevistei uma médica de posto de saúde que me falou que o perfil das doenças mudou ao longo dos últimos 20 anos. Se antes atendiam problemas como disenteria, vermes e coisas assim, passaram a atender casos mais sérios. E pesquisas mostram que os empresários encomendam pesquisas nas universidades e muito dinheiro investido para tentar mostrar o contrário de tudo isso, tentar mostrar que os agrotóxicos não têm interferência nas doenças. A pesquisadora do Mato Grosso que trabalhou a questão da contaminação do leite materno por agrotóxicos, está sofrendo vários processos. A ação contrária para tentar barrar a informação para a sociedade é muito forte”.
Moema Miranda, do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), retomou como os venenos foram introduzidos no mundo na produção camponesa. Segundo ela, Rachel Carson, uma bióloga norte-americana, em 1966 começou a receber notícias de uma amiga que morava em uma área que tinha muitos pássaros e que parou de escutar o canto deles. Ela passou, então, a tentar descobrir o que estava acontecendo, e ela descobriu que a quantidade de veneno que estava sendo usada naquela região estava matando toda a vida ali presente. “Era uma guerra conta os insetos, para na verdade usar e gastar o veneno que sobrou da II Guerra Mundial e que eles achavam que iriam gastar na guerra do Vietnã, mas diante da derrota que sofreram nela, passaram a usar no controle de insetos. A partir disso, os norte-americanos começaram a exportar a ideia da Revolução Verde, de que a tecnologia aliada à produção no campo poderia produzir mais alimento”, completou Moema.
Ela explicou, também, o real significado de desenvolvimento. “Desenvolvido é não ser envolvido, não ser conectado em algo. Ao comprar um produto, portanto, não estamos envolvidos na história que aquele produto tem, da matéria prima utilizada, do trabalho empreendido e de todas as mazelas que aquele produto traz consigo para a sociedade. Por isso nos confundimos com as coisas que compramos. Nosso planeta é limitado e o crescimento ilimitado não funciona. É o suicídio da própria sociedade humana. O desenvolvimento além de ecocida, é suicida. As sociedades que mais estão resistentes ao capitalismo são as que existiam antes do capitalismo. Temos que aprender com elas”.
Moema compartilhou também que o capitalismo começou pela dizimação dos saberes populares e tradicionais, pois a resistência do povo viria desse modo ancestral de viver. “O capitalismo começa com o cercamento dos campos na Inglaterra, transformando a terra em mercadoria. Tiveram que matar a sabedoria do povo que estava envolvido com a terra, para expandir esse modelo. 100 mil mulheres foram queimadas na Inglaterra acusadas de serem bruxas, porque tinham o conhecimento tradicional, o envolvimento. O assassinato dessas mulheres foi primordial no enfraquecimento das famílias camponesas”.
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"O agronegócio destrói o meio ambiente, a fauna, as águas e o ser humano" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU