16 Mai 2017
“Um encontro entre o Papa, pacientes e pesquisadores da Doença de Huntington reconhece como os dois setores podem se ajudar”, afirma editorial da revista Nature, 15-05-2017. A tradução é de Luísa Flores Somavilla.
Pessoas nos países em desenvolvimento estão ajudando pesquisas na genética por trás da Doença de Huntington.
Dilia é a mais velha de um grupo incomum de pessoas que encontrarão o Papa Francisco no Vaticano esta semana. A viúva de 79 anos, natural da zona rural da Colômbia, entrou para uma família cujos membros possuem o gene da doença de Huntington, uma doença neurodegenerativa hereditária. O destino foi cruel. De seus 11 filhos, 9 herdaram a doença. Cinco morreram e os outros quatro estão doentes. A geração seguinte foi afetada também. Um neto morreu e outros cinco apresentam sintomas.
Esses sintomas — movimentos bruscos involuntários acompanhados por mudanças de humor e declínio cognitivo — são agressivos e estigmatizantes. Os pacientes e suas famílias muitas vezes vivem isolados e em condições precárias, principalmente nos países em desenvolvimento. O acesso a água potável é limitado na aldeia onde Dilia mora.
Apesar de suas próprias dificuldades, muitos têm contribuído nas pesquisas sobre a doença — com poucos retornos palpáveis. A maioria é católica e, portanto, seu encontro com o Papa Francisco é um agradecimento dos cientistas que organizaram o evento. Os pesquisadores sabem muito bem que eles contam com os pacientes para as pesquisas — o gene que causa a doença de Huntington foi descoberto graças a doações de tecido de famílias venezuelanas pobres — e que eles não conseguiram fazer nada para mudar sua dura situação.
O fato de o Papa Francisco ter concordado em encontrar as famílias tem a ver com sua filosofia característica de aproximação aos pobres e desfavorecidos. Mas também evidencia uma nova abertura para a ciência, após uma encíclica de 2015 — uma carta de orientação sobre temas específicos, do Papa para seus bispos — chamada Laudato si’.
A Encíclica defendeu um melhor cuidado do planeta e instigou cientistas com suas declarações diretas sobre a necessidade de conter os gases de efeito estufa e com sua aceitação implícita dos princípios da evolução em uma discussão bem informada sobre a necessidade de proteger a biodiversidade. Ela também reconhece o valor da liberdade científica e acadêmica na sociedade e a necessidade de discussões científicas abertas sobre os avanços na biologia.
O evento sobre a Doença de Huntington é um gesto que demonstra de forma modesta, porém significativa, a maneira como líderes religiosos e ciência podem trabalhar por um objetivo em comum.
Por mais que o Vaticano tenha apoiado sua elite da Pontifícia Academia das Ciências por mais de 80 anos, outras iniciativas de base estão surgindo. Por exemplo, no mês passado pesquisadores italianos organizaram, em colaboração com o The Lancet, uma conferência chamada (com inegável ousadia) The Future of Humanity Through the Lens of Medical Science (O Futuro da Humanidade pelas Lentes da Ciência Médica), em Roma. Com a participação de ganhadores do Prêmio Nobel e autoridades do Vaticano, seus debates ultrapassaram a biomedicina, abrangendo temas como a mudança climática e migração e refletindo o alcance de Laudato si’.
Há um abismo entre a religião e a ciência que não se consegue solucionar. Apesar de sua aparente simpatia pela ciência, a Laudato si’ se mantém na filosofia tradicional do Vaticano, que alega que o método científico não abrange toda a verdade do mundo. No entanto, ainda há muito a ser discutido sobre como um pode ajudar o outro a encontrar objetivos em comum.
A Igreja Católica tem mais de 1,2 bilhões de membros e, portanto, pode influenciar na aceitação dos fatos que alguns políticos optam por distorcer — como as mudanças climáticas antropogênicas. Os cientistas podem trazer soluções técnicas para os pobres e doentes, ajudando, assim, o trabalho dos missionários.
Em Roma, os pesquisadores da Doença de Huntington, que ainda buscam desesperadamente um tratamento para a doença, poderão discutir com o Papa Francisco sobre questões importantes na prevenção da doença, como a contracepção e a seleção de embriões.
Francisco não perde a oportunidade de reiterar sua visão da santidade do embrião humano (posicionamento teologicamente discutível do Vaticano que tem impedido pesquisas importantes sobre células-tronco em alguns países), mas sua visão sobre a contracepção - proibida pela Igreja - parece continuar propositalmente ambígua. Esse público especial pode ajudar a incentivar o tão necessário movimento do Vaticano em direção à misericórdia (e à realidade — católicos nos países ricos, ignoram a proibição por via de regra) de finalmente permitir que seus fiéis, incluindo os que têm doenças hereditárias devastadoras, assumam o controle de sua fertilidade.
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