18 Abril 2017
Os cristãos creem que, com a ressurreição de Cristo, no final a luz sempre supera as trevas e o bem sempre triunfa sobre o mal. Na Semana Santa deste ano, no entanto, esta ideia pareceu terrivelmente distante, na medida em que estivemos rodeados de exemplos de martírios e que ocorreram tantos atos de violência e lembranças de um sofrimento profundo.
A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada por Crux, 16-04-2017. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Teologicamente falando, seria absurdo dizer que, na Semana Santa de 2017, a Sexta-Feira Santa ofuscou o Domingo de Páscoa. O cristianismo se baseia exatamente na convicção de que a luz sempre supera as trevas, que a vida sempre triunfa sobre a morte – e anualmente a Semana Santa ritualiza esta crença.
Psicológica e politicamente, entretanto, esta vitória do bem sobre o mal não poderia se apresentar mais difícil do que este ano.
Entre outras coisas, a Semana Santa 2017 esteve rodeada de mártires cristãos contemporâneos. Isto começou com o Domingo de Ramos, com os bombardeios em duas igrejas coptas no Egito que mataram, pelo menos, 47 pessoas, com autoridades de segurança paquistanesas dizendo que haviam frustrado um “grande ataque terrorista” em Lahore, a mesma cidade onde um bombardeio suicida em um parque frequentado por cristãos no Domingo de Páscoa em 2016 deixou mais de 70 mortos.
Também na Semana Santa o Vaticano confirmou, na quinta-feira, que no próximo sábado, dia 22 de abril, o Papa Francisco irá visitar a igreja romana de São Bartolomeu, localizada Ilha do Tibre, comunidade administrada pela Comunidade de Sant’Egidio e que contém um memorial para os novos mártires da Igreja como pedido por São João Paulo II no Grande Jubileu de 2000. O local inclui relíquias de muitos destes mártires, entre outras a pedra que matou o Beato Jerzy Popiełuszko, importante padre polonês assassinato durante a era soviética.
Muito embora o convite fora feito antes dos bombardeios no Egito, a confirmação desta visita vir logo após os ataques empresta-lhe, obviamente, uma relevância especial.
A violência contra os cristãos não foi o único tipo de trauma a perpassar a Semana Santa.
Na quinta-feira, os EUA lançaram no Afeganistão a bomba “GBU-43/B Massive Ordnance Air Blast”, mais conhecida como a “Mãe de Todas as Bombas”, fazendo dela a mais poderosa arma convencional já usada em combate. No sábado, autoridades afegãs disseram que 94 combatentes do grupo Estado Islâmico morreram no ataque, que alvejou uma rede de túneis construídos no subsolo, ao mesmo tempo em que advertiram que a busca pelos corpos ainda está em andamento e que o número poderá aumentar.
Ainda que, em princípio, nenhum civil tenha se ferido e que poucas pessoas provavelmente demonstrarão simpatia para com os membros do citado grupo, o emprego de uma tal arma letal foi, não obstante, um lembrete de quão distante o mundo se encontra da visão promovida pelo Príncipe da Paz.
E poderíamos continuar com outros exemplos: um atentado suicida com carro-bomba no Líbano, sábado, contra os sírios que saíam de duas cidades controlada pelo governo, evento que deixou 43 mortos; no México, na sexta-feira, o quarto jornalista a ser morto no país em seis semanas foi levado a óbito em Baja California, com grande parte dos analistas culpando ou cartéis de drogas ou a polícia corrupta em busca de silenciar a publicação de reportagens investigativas; ou ainda a mulher que morreu e as quatro pessoas que ficaram feridas na quinta-feira, quando guardas fronteiriços em Bangladesh abriram fogo contra um barco cheio de refugiados vindo de Myanmar, todos membros do grupo minoritário oprimido rohingya.
As notícias sobre todas estas realidades sombrias ao redor do mundo pareceram pairar sobre as celebrações da Semana Santa deste ano. No Domingo de Ramos, Francisco diretamente reagiu aos ataques no Egito.
“Que o Senhor converta os corações das pessoas que semeiam terror, violência e a morte”, disse ele após celebrar uma missa na Praça de São Pedro, lendo em uma nota lhe entregue pouco antes e que acrescentava: “E até mesmo os corações de quem produz e trafica armas”.
No dia seguinte, o Vaticano confirmou que a viagem papal, nos dias 28 e 29 de abril ao Egito, segue marcada, apesar dos claros riscos de segurança.
Na terça-feira, Francisco se encontrou com um grupo de crianças e jovens doentes, junto de seus pais e dos médicos que os cuidam no Hospital Pediátrico Bambino Gesù de Roma. Na ocasião, observou que, embora o trabalho médico de um hospital trate de pessoas que sofrem, especialmente as crianças, “há o risco de se esquecer que o remédio mais importante só a família pode dar”.
Este remédio, disse, assume a forma do “carinho”.
“É um remédio muito caro”, falou, “porque, para tê-lo, para fazê-lo, é preciso investir tudo, temos de colocar todo o nosso coração, todo o nosso amor”.
Para o rito anual do Lava-pés, na Quinta-Feira Santa, Francisco cruzou a cidade em direção à prisão de Paliano, que abriga ex-membros da máfia e que, hoje, são informantes da polícia. Protocolos rígidos de segurança foram postos em prática no local, incluindo limites severos para fotografias e vídeos a fim de evitar a identificação dos colaboradores.
Nesta prisão existem 70 internos atualmente, e Francisco cumprimentou cada um eles, incluindo os que vivem numa ala especial para prisioneiros com tuberculose.
A centralidade nas realidades do sofrimento humano alcançou um crescendo emocional na Sexta-Feira Santa, quando o Papa Francisco presidiu a tradicional procissão Via Crucis no Coliseu, em Roma, celebração que recorda a caminhada de Cristo para a Cruz.
Falando a Cristo em oração, Francisco expressou “vergonha” pelo “sangue inocente que diariamente é derramado por mulheres, crianças, imigrantes e pessoas perseguidas pela cor da pele ou pela sua pertença étnica e social, pela sua fé em Ti”.
O pontífice abertamente lamentou por todos os que se deixam se abater pela indiferença, violência e guerra.
“Cristo, voltamo-nos a Ti com os olhos da vergonha por todas as imagens de devastações, de destruição e de naufrágio que se tornaram vulgares na nossa vida”, disse ele. “Vergonha pelo nosso silêncio diante das injustiças”.
Mesmo na missa de vigília pascal, quando celebrou a ressurreição de Cristo, Francisco não escapou de um tom de lamento.
Sugeriu que os rostos das duas mulheres dos evangelhos, Maria Madalena e “a outra Maria”, que acompanharam Cristo durante a sua paixão e que, mais tarde, procuraram pelo seu corpo na sepultura, podem ser vistos, hoje, em todos aqueles que sofrem, incluindo os pobres nas ruas da cidade e as vítimas do tráfico humano.
“Refletem o rosto de mulheres, de mães que choram ao ver que a vida dos seus filhos fica sepultada sob o peso da corrupção que subtrai direitos e quebra tantas aspirações, sob o egoísmo diário que crucifica e sepulta a esperança de muitos, sob a burocracia paralisadora e estéril que não permite que as coisas mudem. Na sua tristeza, elas têm o rosto de todos aqueles que, ao caminhar pela cidade, veem a dignidade crucificada”, falou o papa.
Numa homilia no Domingo de Páscoa, Francisco reconheceu a questão óbvia posta por este conjunto de misérias.
Se o Senhor é conforto, perguntou, “como ocorrem tantas desgraças, doenças, tráfico de pessoas, escravidão, guerras, destruição, mutilação, vingança, ódio?”
“Onde está o Senhor?”, perguntou-se em voz alta.
Para os que acompanham o Papa Francisco, nenhuma destas palavras e nenhum destes gestos parecerão incrivelmente surpreendentes – a esta altura, a maior parte disso está dentro de sua retórica padrão.
Raramente, no entanto, os temas nucleares do papa pareceram tão relevantes quanto durante a Semana Santa 2017. Se a Sexta-Feira Santa não exatamente prevaleceu desta vez, porque os cristãos assim acreditam, não obstante ela certamente contou com uma significação bem mais marcante diante de todos estes eventos.
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A Sexta-Feira Santa 2017 teve a sua relevância ressaltada mais ainda - Instituto Humanitas Unisinos - IHU