22 Fevereiro 2017
"De acordo com as estatísticas oficiais dos Estados Unidos, a maior parte da perda de empregos nos Estados Unidos se deveu ao aumento da automatização e da robotização das indústrias", escreve Silvia Ribeiro, pesquisadora do Grupo ETC, em artigo publicado por La Jornada, 18-02-2017. A tradução é de André Langer.
Um dos principais fatores nos quais Donald Trump se apoiou durante a campanha – e que agora usa para justificar medidas contra os imigrantes, altos impostos sobre as importações e outras – foi a promessa de reduzir a perda de empregos.
No entanto, de acordo com as estatísticas oficiais dos Estados Unidos, a maior parte da perda de empregos nos Estados Unidos se deveu ao aumento da automatização e da robotização das indústrias. Atualmente, os Estados Unidos produzem 85% mais bens do que produziam em 1987, mas com dois terços dos trabalhadores daquela época (FRED Economic Data). A projeção é que com maior uso de sistemas de inteligência artificial, a automatização se expandirá para mais indústrias e setores, eliminando mais postos de trabalho.
As indústrias que recentemente anunciaram sua permanência no país ou que vão transferir suas plantas para os Estados Unidos, como a Ford e a General Motors, já têm uma parte considerável da sua produção automatizada e vão incrementá-la. Grande parte dos supostos novos “postos de trabalho” que vão criar serão, na realidade, ocupados por robôs. A General Motors ufana-se de ser a empresa automobilística que mais investiu em novas tecnologias, incluindo o desenvolvimento de veículos não tripulados, o que também redundará em menos postos de trabalho (motoristas, distribuição de produtos e outros ramos).
A Carrier, que anunciou que duas fábricas de produção de equipamentos de ar condicionado vão ficar nos Estados Unidos em vez de se instalar no México (o que é apresentado como uma conquista de Trump), reconheceu à imprensa que os incentivos fiscais que Trump prometeu serão usados para aumentar consideravelmente a automatização de suas plantas, com o que aumentarão seus lucros no médio prazo, mas reduzirão os postos de trabalho (Business Insider, 05-12-2016).
Já como presidente eleito, o New York Times perguntou a Trump se os robôs iriam substituir os trabalhadores que votaram nele. Trump reconheceu alegremente: “Sim, eles vão substituí-los [os trabalhadores], mas nós vamos construir também os robôs” (NYT, 23-11-2016 – https://tinyurl.com/juymes5.
Só que, por enquanto, o maior produtor de robôs industriais do mundo é a China, que já fez grandes investimentos para ser, além disso, o maior produtor mundial de robôs aplicados à agricultura e a novos campos de manufatura industrial (NYT, 25-01-2017 – https://tinyurl.com/hwmd4p6 ).
A transferência de grandes plantas de manufatura industrial para o México e outros países do Sul nas últimas décadas deveu-se ao fato de que nesse movimento as transnacionais encontraram formas de aumentar exponencialmente seus lucros, explorando uma situação de baixos a ínfimos salários, péssimas condições e direitos trabalhistas e campo impune para a poluição e a devastação ambiental, além de economizar o pagamento de impostos em sua sede. Tudo isso foi garantido e potencializado com os tratados de livre comércio.
O retorno de algumas plantas industriais para os Estados Unidos baseia-se na reavaliação de suas vantagens comparativas a partir das crises atuais. Seguramente, a ameaça de Trump de elevar os impostos das importações é um componente, mas a nova onda de automatização “inteligente” exerce um papel chave. Se Trump, como prometeu às empresas, subvencionar com dinheiro do erário um desenvolvimento mais rápido para a nova geração de automatização inteligente, isto, sem dúvida, faz parte da equação de lucros dessas empresas. Claro que também serve a Trump como suposta demonstração de força e como imagem de que está revertendo a perda de empregos.
Mas as previsões sobre o número de empregos que serão perdidos pela aplicação industrial de novas formas de robótica e inteligência artificial nesse país variam entre 9% e 47%, segundo o estudo que se tomar como referência. Em nível global, recentes reportagens da OCDE, da Universidade de Oxford e do Fórum de Davos – entre as mais citadas sobre o tema – preveem maior perda líquida de empregos do que aquela que já ocorreu, uma tendência que afirmam ter se acelerado a partir de 2000. A UNCTAD, a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento, prevê que nos chamados países em desenvolvimento até dois terços dos empregos podem ser substituídos por robôs (UNCTAD 2016 – https://tinyurl.com/zu2r3vc).
Mas a automatização e a robótica estão longe de serem novidades. A “novidade” é o salto exponencial no desenvolvimento da inteligência artificial e da convergência com essa e outras novas tecnologias, como nano e biotecnologia, que está se expandindo para além da produção industrial à agricultura e alimentação, ao transporte, à comunicação, aos serviços, ao comércio, às indústrias extrativas, entre outros setores chaves; com múltiplos impactos sobre o meio ambiente, a saúde e também o emprego.
Um processo de convergência que, no Grupo ETC, chamamos desde 2001 de BANG (bits, átomos, neurônios e genes) e que o Fórum de Davos chama, desde 2016, de “quarta revolução industrial”. A automatização das últimas décadas significou um aumento da produtividade, mas não maior bem-estar social; pelo contrário: estancamento de salários e aumento das desigualdades. Note-se que dos oito homens mais ricos do mundo – que concentram mais riqueza que a metade da população mundial – a maioria são empresários da área da informática ou cuja atividade está fortemente vinculada à digitalização e à robotização.
De acordo com as reportagens mencionadas, a expansão da nova onda de automatização “inteligente” eliminará mais empregos do que irá criar, afetando também setores diferentes daqueles que vinham sendo substituídos por ela. Como Trump tentará resolver essa contradição, é um enigma.
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Trump, emprego e robôs - Instituto Humanitas Unisinos - IHU