14 Fevereiro 2017
Na poesia, assim como na vida, os silêncios são às vezes mais importantes do que as palavras. Nos seus 91 anos, o padre e poeta nicaraguense Ernesto Cardenal, famoso por ter sido um dos bastiões da Teologia da Libertação e por aquela repreensão pública de João Paulo II - Cardenal de joelhos, Wojtyla com o dedo indicador levantado e Daniel Ortega como testemunho - confessa que a figura do Papa Francisco o conquistou. E ele faz isso neste momento – daí a importância dos silêncios – sem compará-lo ou contrapô-lo com seus antecessores, desligando-se inclusive de sua própria história pessoal – pois ele foi suspenso a divinis em 1984 e, desde então, não pode administrar sacramentos –. Enquanto escreve poemas ou entalha pássaros em voo, o velho sacerdote de barba branca e boina preta pensa que, finalmente, a "verdadeira revolução" chegou ao Vaticano. De sua oficina em Manágua, ele responde às perguntas do El País. Todas, menos a última.
Fonte: Pinterest
A entrevista é de Pablo Ordaz, publicada por El País, 12-02-2017. A tradução é de Henrique Denis Lucas.
Eis a entrevista.
O senhor se sente identificado com este Papa?
É claro que me sinto identificado com este novo papa que apareceu na igreja e que creio ser melhor do que poderíamos ter sonhado. É um papa que não quer agir como papa, por isso escolheu o título de bispo de Roma. Ele não quis viver no Palácio Apostólico. Ele gosta de abraçar e ser abraçado. Está fazendo uma verdadeira revolução no Vaticano, e isso quer dizer uma revolução na Igreja e no mundo.
O papa quis que seu pontificado fosse o da misericórdia, que a sua Igreja deixasse de ser "egocêntrica" e que fosse capaz de ir até as periferias. O que significa para o senhor a palavra misericórdia...
A palavra misericórdia, usada pelo papa, significa o mesmo que a palavra amor, é o mesmo que dizer compaixão, e daí surge a palavra "piedoso", que é uma palavra desvalorizada. Piedoso é aquele que sente piedade e compaixão. Enquanto que o ímpio, na Bíblia, é aquele que não tem misericórdia com os outros, e não aquele que não é religioso. Na realidade, a compaixão é o que realmente motiva o revolucionário. Che Guevara, compatriota do atual Papa, estava cheio de compaixão, pensava que precisava sentir no próprio rosto a bofetada recebida por outro.
O que você pensou quando, em uma de suas primeiras intervenções, após ser eleito pontífice, Jorge Mario Bergoglio disse: "Como eu desejaria uma Igreja pobre e para os pobres"?
Encanta-me que o Papa quer uma Igreja pobre e para os pobres. Em um mundo de ricos e pobres como é o mundo há dez mil anos (não desde que houve humanidade, mas desde que houve civilização) o Deus de Jesus é o Deus dos pobres. Muito bom o que dizia Santa Teresinha do Menino Jesus: "Quanto mais pobre sejas, mais Jesus te amará". E ela dizia isso no sentido de ser pobre em virtudes, pobre em méritos e em qualquer outro aspecto, o oposto de como os políticos costumam se sentir.
O senhor ficou surpreso que a primeira encíclica do papa versava sobre ecologia? Você a leu? Sente-se de acordo com ele?
Surpreendeu-me agradavelmente que o Papa tenha feito esta encíclica. Também estou fazendo uma poesia de inspiração ecológica. Concordo inteiramente com tudo o que ele disse. Agora a teologia também deve ter preocupação ecológica. E o misticismo.
Enxerga algo no Papa Francisco que recorde Thomas Merton [o monge norte-americano que foi seu pai espiritual]?
Depois da minha conversão como monge trapista, Thomas Merton foi quem me deu a formação espiritual, foi meu pai espiritual e tem sido uma das pessoas mais importantes da Igreja de hoje. Pareceu-me muito bom que o Papa Francisco tenha mencionado ele para os americanos no Congresso dos Estados Unidos. Ele foi um dos reformadores da Igreja em seus escritos, assim como o Papa Francisco. E uma das coisas que Merton mais insistiu foi o pluralismo religioso.
A propósito dos ideais de Merton, Francisco modificou sua viagem ao México para reunir-se em Havana com Kirill, o patriarca russo. É um fato histórico, pois jamais um papa da Igreja Católica havia se reunido com o líder dos ortodoxos russos. Ele fez o mesmo com os judeus, os muçulmanos... O senhor considera conveniente que as religiões se unam?
O pluralismo religioso diz que todas as religiões nos levam a Deus e que todas as religiões são verdadeiras. E também diz que toda religião é falsa, no sentido de que em todas pode haver alguma falsidade. Mas a verdade máxima é que nenhuma religião deve nos dividir. E isto é o que o Papa Francisco nos ensina.
Continua sentindo-se dentro da Igreja?
Sempre estive dentro da Igreja. Sempre seguirei estando e agora com mais gosto, por conta do Papa Francisco.
O senhor gostaria de conhecer Francisco, ouvir sua voz...?
Diante da última pergunta, Ernesto Cardenal guardou silêncio.
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"Francisco é melhor do que poderíamos ter sonhado". Entrevista com Ernesto Cardenal - Instituto Humanitas Unisinos - IHU