07 Janeiro 2017
Ainda que a partir do dia de sua eleição, com a nomeação de sua equipe de governo, Donald Trump tenha esclarecido muitas coisas, ele ainda continua um enigma para a comunidade internacional e muito mais para os povos e governos da América Latina (considerando todas as suas declarações durante a campanha eleitoral acerca da fronteira entre os Estados Unidos e o México), assim como para a Igreja Católica. Agora que faltam quase duas semanas para ele tomar o poder, no próximo dia 20 de janeiro, está aumentando a preocupação regional que tem sido transmitida entre as capitais. Entre os diplomatas da região é frequente o uso da frase: "um enigma envolto em um mistério".
A reportagem é de Luis Badilla e Francesco Gagliano, publicada por Vatican Insider, 05-01-2017. A tradução é de Henrique Denis Lucas.
Sabe-se pouco ou nada sobre o que Trump está pensando das relações entre Washington e as nações latino-americanas, um articulado mosaico de povos, políticas, programas, governos e partidos políticos tão complexo que não se pode fazer nenhuma generalização apressada. Regiões como o México, o Caribe, a América Central e a América do Sul frequentemente apresentam semelhanças aparentes, e no passado alguns inquilinos da Casa Branca erraram nas suas políticas porque foram incapazes de distinguir essas diferenças.
Donald Trump nunca falou sobre este conjunto complexo de culturas latino-americanas, exceto no caso do México, e quase sempre para abordar a questão do muro antimigração que gostaria de construir entre ambos os países, fazendo com que o governo mexicano pagasse os seus custos. O outro argumento que foi abordado estava relacionado a Cuba, mas ele disse coisas muito diferentes e inclusive contraditórias: em primeiro lugar, parecia-lhe positivo que haja acordos para a aproximação entre os Estados Unidos e a ilha caribenha, mas, depois, ele cedeu à pressão dos cubanos residentes da Flórida, e acabou alterando o tom pronunciando algumas ameaças ambíguas sobre o futuro dos acordos. Estas duas passagens, México e Cuba, são de fundamental importância para delinear parcialmente algumas características da relação bilateral que poderia definir o futuro dos principais protagonistas do continente americano. E também são relevantes e eloquentes outros silêncios nos quais Trump se entrincheirou desde sempre: Colômbia, Brasil e Venezuela.
O México não parece estar particularmente preocupado com a ameaça do muro ao longo da fronteira (mais de 3.150 kms.), mas se mantém atento pelo que Trump disse sobre a renegociação do NAFTA (Tratado de Livre Comércio da América do Norte), ao estabelecer impostos de até 35% aos produtos provenientes do México. Este tratado de 1992 (que entrou em vigor em 1994) também tem a assinatura do Canadá, e o primeiro-ministro Justin Trudeau não parece estar considerando um endurecimento de suas aduanas semelhante ao que está sendo discutido e, desta forma, muitos analistas preveem diferenças entre Ottawa e Washington. Em Havana, pelo contrário, o que mais importa não é a retórica anticubana de Trump e seus assessores, quase todos posicionados contra o acordo anunciado em dezembro de 2014, mas interessa o cancelamento ou diminuição do embargo econômico, linha discriminante de toda política internacional da ilha.
Em 2015, o México exportou bens e serviços para os Estados Unidos por 316,4 bilhões de dólares, obtendo um crescimento comercial de 49,2 bilhões de dólares. Além do dano que o México poderia sofrer com essas possíveis medidas de Trump, também há de se recordar a questão das ajudas econômicas que a população latina envia para seus familiares que vivem em seus países de origem. Em 2015 as chamadas remessas ultrapassaram 65 bilhões de dólares. Se a ameaça de expulsão, massiva ou gradual, de 11 milhões de imigrantes sem documentos, principalmente latino-americanos, materializar-se em políticas reais, as vidas de milhões de famílias latino-americanas perderiam um apoio econômico vital, com consequências negativas evidentes e imediatas.
Havana e a Cidade do México, pois, estão à espera dos fatos e não "intimidados" pelas primeiras ameaças, que logo são desmentidas, contrariadas, negadas... Pode-se dizer que esta é a atitude de todos os países e governos da América Latina, desde o Rio Grande até a Patagônia, de modo que os políticos da região têm evitado cuidadosamente expressar opiniões ou fazer análises sobre o futuro das relações com Washington.
Por trás de muitas frases de circunstância expressadas pelas chancelarias latino-americanas ocultam-se as preocupações, incertezas e medos, e isso também é verdade no caso das igrejas católicas regionais e de suas relativas 22 Conferências Episcopais. Assim como foi suspensa qualquer declaração de políticos latino-americanos, o mesmo aconteceu com os principais expoentes católicos da região. "Bocas fechadas", resume um periódico chileno. E um colombiano acrescenta: "É melhor aguardar pelos fatos". Por enquanto os bispos da região se apropriaram da linha de ação do Cardeal Pietro Parolin, que após a vitória de Trump resumiu em cinco pontos a conduta que haveria de ter até que chegassem as primeiras medidas de governo do 45º presidente dos Estados Unidos da América.
1. Levamos em consideração as vontades expressas pelo povo americano no que diz respeito a este exercício democrático.
2. Felicitações ao novo presidente, para que o seu governo possa ser verdadeiramente frutífero, e garantir as orações para que o Senhor o ilumine e apoie no serviço de seu país, naturalmente, mas também no serviço do bem-estar e da paz no mundo.
3. Atualmente é necessário que todos trabalhem para mudar a situação mundial, que é uma situação de graves lacerações, de graves conflitos.
4. Será necessário ver como o novo presidente se movimenta. Normalmente, dizem: "uma coisa é ser candidato e outra é ser presidente, ter uma responsabilidade".
5. Veremos quais serão as decisões relacionadas a temas específicos e, com base nestas decisões, poderemos fazer um julgamento. É prematuro fazer julgamentos.
O presidente Trump tem em seu horizonte diferentes alternativas face às relações com a América Latina:
a) A política de baixo perfil, concentrada principalmente na defesa dos interesses econômicos que existem na região, tal como fizeram Bush pai e Bush filho e, portanto, níveis menores de ingerência e restrições, pelo menos diretas e explícitas. Ou seja, relações de boa vizinhança entre os países. Os analistas estadunidenses acreditam que esta poderia ser a decisão prioritária para o novo presidente que, como sabemos, nunca demonstrou nenhuma atenção pela região latino-americana. Fala-se de "interesse comercial cauteloso".
b) Uma política ocasionalmente branca, portanto, com uma atitude objetiva que se ocupe de vez em quando dos focos de tensão do momento nas relações bilaterais, começando pela Venezuela e talvez Cuba. Alguns especialistas acreditam que esta é a opção que melhor se encaixa com a personalidade política de Trump, que tende a privilegiar a voz forte e o anúncio imperioso. Neste caso, fala-se da chamada "voz do patrão".
c) A terceira alternativa, "nenhuma mudança radical", é a que por ora tem mais consenso e é chamada de o "conselho de Mark Feierstein", de acordo com o nome do conselheiro de Obama em relação à América Latina. O analista, grande conhecedor da realidade latino-americana, aconselhou Donald Trump em várias ocasiões para que estude a fundo o que aconteceu nas relações bilaterais dos últimos anos. "Ele verá - acrescentou Feierstein - que qualquer alteração contra o progresso alcançado será um regresso às políticas que fracassaram".
Muito do que acontecerá também vai depender da equipe escolhida por Trump para se ocupar das relações com a América Latina. Há cerca de 20 candidatos neste momento e todos eles são personalidades de segundo nível, pessoas opacas e despreparadas, e isto representa uma incógnita a mais que preocupa muito os países latino-americanos. Entre eles, podemos falar de Luis Alvarado (Califórnia), Víctor Landa, (editor da News Taco), Mario Bramnick e Alberto Degado (pastores evangélicos cubano-estadunidenses), Mario Rodríguez (Condado de Orange, na Califórnia), Javier Polit (equatoriano, Chief Information Officer da Coca Cola), Eddie Aldrete (vice-presidente do IBC Bank), e outros latinos da Flórida: José Felix Diaz e Carlos Trujillo.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
América Latina e as alternativas de Trump - Instituto Humanitas Unisinos - IHU