20 Outubro 2016
A pirotecnia que costuma cercar prisões e conduções coercitivas de políticos e megaempreiteiros brasileiros nos últimos tempos esteve longe de ocorrer nesta quarta-feira, quando o ex-deputado federal Eduardo Cunha (PMDB-RJ) foi preso em Brasília sob a suspeita de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e evasão de divisas. Acusado no âmbito da Lava Jato, o ex-presidente da Câmara dos Deputados que impulsionou o impeachment de Dilma Rousseff (PT) negociou termos mínimos para se entregar ao policiais federais, como vestir-se de terno, o figurino que preferia até para reuniões informais em sua casa, no auge do seu poder. A cena de um enfadado Cunha embarcando rumo à Curitiba, a capital que concentra as investigações do escândalo da Petrobras, durou pouco, mas foi suficiente para mergulhar Brasília, de novo, em burburinho e ansiedade. Centenas de políticos comentaram a possibilidade de o peemedebista firmar um acordo de colaboração com o Ministério Público Federal e delatar seus aliados em supostos esquemas de corrupção. Não faltou na bolsa de apostas as possíveis implicações da prisão para o Governo do seu correligionário de partido, Michel Temer.
A reportagem é de Afonso Benites, publicada por El País, 19-10-2016.
Desde que foi cassado pela Câmara, em 12 de setembro, Cunha já esperava ser preso pela Polícia Federal a mando do juiz Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba. A certeza de sua detenção ocorreu logo no início da manhã desta quarta-feira, quando sua mulher, Cláudia Cordeiro Cruz, se assustou ao receber vários agentes da PF cumprindo um mandado de busca e apreensão na luxuosa casa onde a família Cunha vive no Rio de Janeiro. Ela ligou para o marido, que contatou um de seus advogados em Brasília.
O defensor buscou a PF com uma mensagem: se houvesse algo contra o cliente dele, o ex-deputado estaria à disposição dos agentes. O principal temor do peemedebista era o de que sua mulher ou sua filha Danielle Dytz (a primeira ré e a segunda investigada na Lava Jato) fossem presas por eventuais desdobramentos da operação. Um acordo básico foi fechado e o advogado de Cunha e os policiais federais combinaram de se encontrar por volta das 13h na garagem do bloco B, da quadra 316 Norte de Brasília, no cômodo apartamento funcional da União que deputado cassado habitava ilegalmente. Sem cargo, Cunha tinha até 13 de outubro para entregar o imóvel para a Câmara dos Deputados. Como não o fez, foi notificado sobre a necessidade de devolver as chaves. A multa de 987 reais devia a Câmara é uma nota irônica para quem acabava de ter 220, 6 milhões de reais em bens bloqueados pela decisão judicial que o deteve.
Cunha desembarcou pouco depois das 16h30 em Curitiba. Os policiais driblaram os repórteres e fizeram com que o ex-deputado entrasse na sede da superintendência da PF sem que ele fosse flagrado pelas câmeras ou fosse escrachado pelo pequeno grupo de manifestantes que estava no local.
As reações à prisão foram diversas. As principais conversas giravam em torno de o ex-parlamentar assinar ou não o acordo de delação premiada para reduzir sua pena e entregar dezenas de comparsas em delitos cometidos principalmente contra a Petrobras _o pacto, no entanto, depende da anuência dos procuradores da Lava Jato, que há meses negociam se aceitam ou não outras colaborações com potencial dramático para o mundo político, como a do empresário Marcelo Odebrecht. Cunha é investigado em seis inquéritos e, neste caso específico, foi preso por suspeita de receber propina de 1,5 milhão de dólares em um negócio envolvendo um campo de exploração de petróleo em Benin, na África.
Na gestão Michel Temer, de quem Cunha foi aliado até sua queda, a ordem era fingir que nada estava acontecendo e passar um ar de normalidade às vésperas da votação da PEC 241, que cria um teto de gastos públicos, prevista para a próxima segunda-feira. Só quem falaria oficialmente pelo Governo, neste momento, seria o presidente, que antecipou em 12 horas o seu retorno da viagem que fez para a Ásia onde participou da reunião dos BRICS e de um encontro bilateral com autoridades japonesas. Apesar da antecipação, ministros de Temer dizem que foi apenas uma coincidência que nada teve a ver com a prisão do ex-todo-poderoso da Câmara.
As conversas nos corredores de ministérios e do Congresso Nacional, contudo, demonstram que há uma preocupação crescente entre boa parte dos auxiliares presidenciais. Mesmo sem um acordo de delação, Cunha pode decidir aumentar a artilharia contra aliados do Planalto. O deputado cassado já sinalizou quem deve ser seu primeiro alvo: o secretário do Programa de Parcerias e Investimentos, Moreira Franco, contra quem Cunha já disparou críticas no dia de sua cassação.
“É evidente que nenhum ser humano fica feliz com a desgraça alheia. Por outro lado, existe um ditado popular que diz que a gente colhe aquilo que a gente planta”, afirmou o deputado Silvio Costa (PTdoB-PE), um dos principais opositores de Cunha. Ao menos outros quinze deputados comentaram a detenção no mesmo sentido.
Entre os seus aliados, um silêncio quase absoluto. Apenas um defendeu Cunha abertamente na tribuna, Alberto Fraga (DEM-DF). “Hoje foi o Eduardo Cunha. Amanhã, pode ser o Lula. E eu espero que ninguém utilize a tribuna para ficar fazendo esse show de pirotecnia. Portanto, a prisão é uma questão de tempo, mas agora não é motivo para a gente ficar aqui comemorando”, alfinetou. A especulação não foi só dos desafetos do petista e o temor de que a mira de Moro se volte de vez para Lula também se espalhou entre seus apoiadores. "Moro estava em uma sinuca de bico, pressionado porque a esquerda dizia que ele só prendia pessoas ligadas ao PT. Agora ele prende o outro lado para mostrar que é imparcial", diz Afrânio Silva Jardim, professor associado de direito processual penal da Universidade Estadual do Rio de Janeir o (UERJ), um crítico da prisão preventiva de Cunha.
Até quem era da sua tropa de choque, como Paulinho da Força (SD-SP), disse que a expectativa de prisão só crescia a cada dia. Na Câmara, Paulinho afirmou que na cadeia, Cunha terá “mais tempo” para escrever o livro que planejava sobre o impeachment de Dilma.
Cunha repetiu diversas vezes que jamais assinará uma delação premiada, mas a simples palavra do peemedebista não resiste ao contraste com seu histórico. Em março de 2015, disse ao EL PAÍS que era contra o impeachment de Dilma Rousseff e o considerava um golpe, mas em dezembro do mesmo ano aceitou abrir o processo contra a então presidenta. Em mais de uma dezena de ocasiões disse que, mesmo sendo processado no Conselho de Ética e cercado pelos investigadores da PF, não cogitava a hipótese de renunciar à presidência da Câmara. O fez em julho passado. Como disse um dos investigadores da Lava Jato, o estoque de ansiolítico nas farmácias de Brasília terá uma baixa considerável nos próximos dias.
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A prisão de Eduardo Cunha mergulha Brasília, de novo, em ansiedade - Instituto Humanitas Unisinos - IHU