14 Outubro 2016
Quatro anos após ser derrubado em um impeachment relâmpago, o ex-presidente Fernando Lugo deseja voltar ao comando do Paraguai em 2018.
Bastante popular, o ex-bispo desponta como favorito para vencer as eleições de 2018 em seu país, mostram pesquisas de opinião - cenário que hoje parece impossível para a presidente cassada Dilma Rousseff no Brasil.
A informação é publicada por BBC Brasil, 14-10-2016.
O ex-bispo, atualmente senador, tem percorrido o país realizando "encontros ciudadanos" (reuniões cidadãs), em clara pré-campanha. Sua candidatura, porém, ainda dependerá de uma autorização da Justiça paraguaia, já que há controvérsia sobre a possibilidade de um ex-presidente concorrer novamente.
Em entrevista à BBC Brasil, Lugo confirmou a intenção de se candidatar e disse que "hoje não há dúvida" de que seu julgamento "foi um "equívoco". Embora seu processo e o de Dilma tenham tido durações bem diferentes, ele considera que em ambos os casos não se levou em conta os argumentos de defesa.
"A política não é racional. Não valem os argumentos. Tudo que nós fizemos como argumentação, resposta e defesa, não vale. O que dizem 23 (senadores - votos necessários para aprovar o impeachment no Paraguai) se faz. Acredito que algo similar ocorreu com Dilma. Na América Latina, a irracionalidade sobressai", afirmou.
Sua candidatura é defendida pela Frente Guasú - uma aliança de partidos de esquerda - e por movimentos sociais, campesinos e estudantis. Eles apostam na mobilização popular para vencer a disputa jurídica. Alguns dizem que um eventual impedimento da candidatura pode desencadear conflitos no país.
Para Lugo, o apoio que tem hoje é "sentimental, não racional".
"Em junho de 2012, quiseram enterrar um modelo (político) e uma pessoa. Hoje, porém, há um grande reconhecimento, afeto e carinho da população sobre o que foi o governo de 2008 a 2012", continuou o ex-presidente.
A popularidade do senador é realçada pela baixa aprovação do atual governo de Horacio Cartes, rico empresário eleito pelo tradicional Partido Colorado que também almeja mais cinco anos como presidente.
Embora a economia paraguaia siga crescendo, descolada da crise dos vizinhos, continua alta a desigualdade social. A pobreza, pior no interior, salta aos olhos também em Assunção - as ruas são em sua maioria esburacadas, sujas, e apenas a duas quadras do palácio presidencial há uma favela, la Chacarita.
"Estamos convocando uma grande assembleia para poder desenhar um país que seja de todos e de todas e não de grupos privilegiados que excluem, como foi feito historicamente e como se está fazendo nesse momento", crítica Lugo.
Em seu modesto gabinete, ele fala rodeado por uma Bíblia, um mapa do Paraguai, e um quadro de José Gaspar Francia, líder da independência que governou ditatorialmente de 1814 a 1840.
Questionado sobre a possibilidade de voltar a governar num momento de fortalecimento da direita em países como Brasil e Argentina, Lugo desconversa.
"Lula vai voltar (em 2018). Cristina (Kirchner, ex-presidente argentina) vai voltar. É jovencita".
A eleição de Lugo em 2008 rompeu com seis décadas de hegemonia do Partido Colorado, que comandava o país desde 1947.
Eleito com o apoio de outra força política tradicional, o Partido Liberal, acabou perdendo os aliados, em meio a discordâncias sobre os rumos do governo.
Após as mortes de 16 pessoas, entre camponeses e policiais, durante ação de despejo de trabalhadores sem terra de uma propriedade no interior do país, Lugo foi responsabilizado pelo conflito e cassado pelo Congresso, em um processo que durou menos de 48 horas.
A duração bem maior do julgamento de Dilma Rousseff, que levou meses e resultou na cassação definitiva no final de agosto, é constantemente citada pelos apoiadores de Lugo para reforçar a suposta ilegalidade de sua destituição. Para esses aliados, o chamado "massacre de Curuguaty" foi armado para viabilizar um "golpe parlamentar".
Assim como no caso de Dilma, a falta de habilidade política do ex-bispo também é apontada como um dos motivos de sua queda.
"Ele se comunicava muito bem com as pessoas comuns, mas não sentava para negociar com políticos. Sempre criticava a classe política, como se fosse um sacerdote falando em um púlpito de igreja", observa Fernando Masi, sociólogo do Cadep (Centro de Análisis y Difusión de la Economía Paraguaya).
À BBC Brasil, Lugo disse ter "aprendido muito" com o impeachment, e que agora trabalha em uma aliança para "garantir um governo mais duradouro".
A alta popularidade de Lugo contrasta com a alta rejeição do atual presidente.
Pesquisa divulgada em agosto pelo jornal paraguaio "Ultima Hora" sobre a eleição de de abril de 2018 mostrava o ex-bispo disparado na frente dos demais potenciais concorrentes, com 40% de intenções de voto em Assunção e 50% nas outras principais cidades do país. Já Cartes tinha menos de 10%. No Paraguai, a disputa se encerra em apenas um turno.
Outro levantamento recente mostrou que mais de 70% dos entrevistados avaliam o governo atual como ruim ou péssimo.
Para a senadora do Partido Colorado Blanca Ovelar, o próprio processo de impeachment fortalece o ex-bispo.
"Lugo mostrou sua humildade, aceitou sua destituição, se retirou do palácio com sandálias. Fica a ideia de um presidente vitimizado pelo julgamento político", acredita.
Ovelar, que foi a candidata colorada contra Lugo em 2008, apoiou a eleição de Cartes em 2013, mas hoje faz parte da dissidência a ele dentro do partido.
Na sua opinião, embora Cartes discurse pela redução da pobreza, não faz o suficiente na prática. Um dos limitadores para a expansão dos gastos sociais é a baixa carga tributária do país, de menos de 13% do PIB. Apesar disso, o presidente se opõe a elevar impostos sobre a exportação de soja, setor quase isento atualmente (Paraguai é o quarto maior exportador mundial).
"No imaginário coletivo, se instalou que Lugo se importa com os pobres e que Horacio (Cartes) não. Isso está instalado", resume Ovelar.
Dados do Ministério da Fazenda paraguaio mostram que os gastos sociais do país saltaram no governo Lugo, de 7,7% do PIB em 2008 para 11,7% em 2012, e recuaram em seguida (11,2% em 2014, dado mais recente). Segue sendo uma das taxas mais baixas da América do Sul.
O ex-bispo, que se beneficiou da alta da arrecadação em um momento de valorização das commodities exportadas, ampliou significativamente transferências de renda do Tekoporã (Bolsa Família do Paraguai) e despesas com saúde.
Aliado de Cartes, o senador do Partido Colorado Victor Bogado minimiza o valor das consultas de opinião, lembrando o recente resultado do plebiscito sobre o acordo de Paz na Colômbia, que contrariou as pesquisas. Ele diz que o governo é marcado pela transparência e obras de infraestrutura.
O sociólogo Fernando Masi reconhece avanços nessas áreas, mas diz que estão aquém do que diz o "marketing político", gerando insatisfação na população.
Outra crítica comum ao atual presidente é de que usaria seu dinheiro para comprar apoio político e que governaria de forma autoritária. Apesar de comandar o país, mantém ativos os negócios, tendo adquirido nos últimos anos meios de comunicação e empresas de outros setores, como hotéis.
"Assim como Lugo, Cartes não tem bom diálogo com os políticos. A diferença é que também não tem carisma. Ele não conversa com os ministros, mas ordena como um patrão", nota Masi.
A BBC Brasil procurou a assessoria do governo Cartes para que pudesse responder às críticas, mas não obteve retorno.
"Naturalmente, quando você é uma liderança política forte, gera também uma oposição forte. O dinheiro é importante, mas não é determinante na política", rebateu o aliado Bogado.
A Constituição paraguaia prevê que o presidente e seu vice "não poderão ser reeleitos em nenhum caso".
A interpretação que tem predominado é que a proibição atinge ex-presidentes. Aliados de Lugo argumentam que a leitura literal do artigo não fala em ex-mandatários.
O plano é inscrever sua candidatura e depois enfrentar na Justiça Eleitoral e na Corte Suprema os questionamentos de opositores.
O senador Carlos Filizzola, da Frente Guasú, diz que, quando Lugo foi deposto, optou por não resistir, temendo conflitos. Ele acredita que agora a situação pode ser outra se a candidatura for impedida.
"Vai ser muito difícil barrar uma candidatura que está crescendo. Creio que dessa vez, com o apoio que tem, as pessoas vão sair às ruas para protestar. Pode haver um conflito grave", disse à BBC Brasil.
Horacio Cartes também quer se candidatar e vem tentando convencer o Congresso a alterar a Constituição, permitindo a reeleição. Lugo, porém, tem se oposto à proposta, argumentando que a mudança só poderia ser feita com a convocação de uma Assembleia Constituinte pelo próximo presidente, em 2019.
"Tenho certeza absoluta, Lugo não será candidato se não tiver a emenda (constitucional). Ele não poderá nem inscrever a candidatura", diz Bogado.
Questionado se acredita ser possível que o ex-bispo seja autorizado a concorrer, o sociólogo Fernando Masi ri e responde: "Tudo é possível no Paraguai".
Ele ressaltou, no entanto, que o Judiciário do país está sujeito a muitas pressões: "A Justiça não é independente no Paraguai. Está muito ao arbítrio do que dizem os políticos mais fortes e os poderes econômicos".
À BBC Brasil, Lugo disse que respeitará a decisão da Justiça.
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Volta pós-impeachment: Lugo é favorito para vencer eleição no Paraguai em 2018 - Instituto Humanitas Unisinos - IHU