09 Setembro 2016
“Se fosse possível extinguir totalmente espécies que uma determinada empresa considerasse danosas, tal atitude estaria justificada? Quem poderia decidir tal extinção? Como isso afetaria as cadeias alimentares e os ecossistemas? A arma já existe, e embora esteja em protótipo, seu desenvolvimento ocorre a um ritmo vertiginoso, deixando muito para trás qualquer regulação de biossegurança e considerações ecológicas, éticas, sociais ou econômicas da grande maioria”, escreve Silvia Ribeiro, pesquisadora do Grupo ETC, em artigo publicado por La Jornada, 03-09-2016. A tradução é de André Langer.
E conclui afirmando que “é urgente ampliar o debate sobre os usos, riscos e impactos da biologia sintética e especialmente dos impulsores genéticos, sobre os quais se deve estabelecer uma estrita moratória internacional que preveja qualquer liberação”.
Eis o artigo.
Se fosse possível extinguir totalmente espécies que uma determinada empresa considerasse danosas, tal atitude estaria justificada? Quem poderia decidir tal extinção? Como isso afetaria as cadeias alimentares e os ecossistemas? A arma já existe, e embora esteja em protótipo, seu desenvolvimento ocorre a um ritmo vertiginoso, deixando muito para trás qualquer regulação de biossegurança e considerações ecológicas, éticas, sociais ou econômicas da grande maioria.
A fim de poder avançar com este enorme risco tecnológico, a indústria biotecnológica mudou de tática. Um reduzido número de ONGs internacionais promove esta nova biotecnologia como meio de “conservação da natureza”, que propõe usar para extinguir espécies invasoras: camundongos, insetos, ervas daninhas. Apresentaram também uma moção ao congresso mundial da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN), que se reúne de 01 a 10 de setembro no Havaí, para adotar a biologia sintética como ferramenta de conservação.
Diante disso, 30 personalidades do campo científico, ambientalistas, advogados, líderes indígenas e outros, publicaram um chamado para suspender estas propostas, assim como a tecnologia de “impulsores genéticos”. Entre os que assinam o manifesto – que incluem Jane Goodall, David Suzuki, Vandana Shiva, Víctor Toledo, Alejandro Nadal – estão as presidentas da União de Cientistas Comprometidos com a Sociedade, Elena Alvarez-Buylla, do México, e Angelika Hilbeck, da Alemanha, da Rede Europeia de Cientistas pela Responsabilidade Social e Ambiental (ENSSER).
A Dra. Hilbeck, entomóloga, assinalou que “os impulsores genéticos são uma tecnologia que se propõe a exterminar espécies. Embora possa parecer a algum conservacionista profissional uma “boa solução” para situações complexas, há altos riscos de consequências não intencionais, que poderiam ser piores que o problema que tratam de resolver (www.synbiowatch.org/gene-drives-iucn-pr).
Os “impulsores genéticos”, ou gene drives em inglês, baseiam-se em uma tecnologia tão nova que ainda não existe tradução acordada. É uma construção transgênica que “engana” a natureza para que as espécies de reprodução sexual (plantas, insetos, animais, humanos) transmitam forçosamente um gene externo a todas as gerações posteriores.
É uma via biotecnológica para destruir a vantagem desenvolvida na co-evolução das espécies em milhões de anos com a reprodução sexual. Normalmente, a progênie herda 50% da informação genética de cada progenitor, o que em gerações posteriores facilita aos organismos eliminarem genes que não são úteis ou lhe são estranhos. Com os impulsores genéticos, o constructo artificial desenhado com tecnologia CRISPR-Cas9, corta/insere novas sequências e elimina o gene correspondente aportado por outro progenitor, garantindo assim que finalmente o gene introduzido esteja em toda a espécie. (Mais informações em: http://tinyurl.com/hp2gph5)
No caso de ser uma modificação para que a progênie seja de um único sexo, se extinguiria a espécie. É justamente esta a proposta do projeto GBIRd (Genetic Biocontrol on Invasive Rodents), liderado pelo grupo Island Conservation, que desenvolve roedores manipulados com impulsores genéticos para que apenas os camundongos machos procriem. O grupo pretende liberá-los em 2020 em ilhas para eliminar camundongos que são nocivos às aves. Outro projeto que se quer liberar no Havaí (este do grupo Revive and Restore) são mosquitos com impulsores genéticos para extingui-los pela mesma via, argumentando que transmitem malária aviar que afeta aves nativas. Isto apesar de que as aves começaram a desenvolver resistência natural a essa doença.
O enfoque é estreito e errôneo, porque não vai às causas, condições e intenções em que se desenvolvem as supostas espécies “daninhas” e, portanto, continuarão surgindo ou serão substituídas por outras com a mesma função. No caso do GBIRd, trata-se de manipular camundongos comuns, razão pela qual a cascata de riscos sobre a espécie, sobre outros roedores aparentados e o papel que jogam em diferentes ecossistemas, é de uma amplitude enorme e impossível de controlar. Isto não é muito diferente no caso dos mosquitos; a eliminação de um tipo de mosquito – se fosse possível – abriria passagem a outros, que se tornariam vetores de doenças talvez muito mais difíceis de controlar.
Por esta e outras razões, 71 governos e 355 ONGs que pertencem à IUCN, em vez de apoiar o uso da biologia sintética, votaram uma emenda a esta moção, estabelecendo uma moratória “de fato” dentro da IUCN ao apoio ou respaldo à investigação, experimentos de campo e uso de impulsores genéticos, até que se analisem em profundidade e se avaliem seus impactos na biodiversidade e outros aspectos. (http://tinyurl.com/hht8byo)
O uso de impulsores genéticos é pensado não apenas para conservação. As transnacionais do agronegócio desenvolvem-nos como uma via para eliminar ervas daninhas, reverter resistências de ervas invasoras aos agrotóxicos dos cultivos transgênicos, para aumentar o seu uso. O fato de que se dê maior importância midiática a eles como instrumento para a conservação ou a prevenção de doenças, também é uma manipulação com vistas a evitar que sejam associados com a ampla rejeição global aos cultivos transgênicos.
É urgente ampliar o debate sobre os usos, riscos e impactos da biologia sintética e especialmente dos impulsores genéticos, sobre os quais se deve estabelecer uma estrita moratória internacional que preveja qualquer liberação. Para começar, aqui pode acrescentar sua assinatura à mencionada carta: http://tinyurl.com/jm4t6bg .
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Armas transgênicas para extinguir espécies. Artigo de Silvia Ribeiro - Instituto Humanitas Unisinos - IHU