07 Julho 2016
A intercomunhão, atualmente, é considerada e aplicada como um fim: comungaremos juntos quando se encontrar o acordo sobre a expressão da fé, dos costumes, da instituição da Igreja e quando se chegar ao fim das contendas que obscurecem a memória das Igrejas e pesam sobre o seu presente. Mas esse é um bom método?
O comentário é do teólogo e monge beneditino francês Ghislain Lafont, professor emérito de teologia da Pontifícia Universidade Gregoriana e Pontifício Ateneu Santo Anselmo, em Roma. O artigo foi publicado por Settimana News, 04-07-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Um célebre Padre do deserto, Evágrio Pôntico, dava este conselho: "Se você tiver um problema com um irmão, convide-o para almoçar". Ao fazer isso, com efeito, dispomo-nos ao perdão, que facilita a reconciliação. Primeiro, tratamos a pessoa de modo honroso, "reconhecemo-la" porque a convidamos; depois, oferecemos a ela o alimento e, portanto – ao menos por essa refeição –, doamos a ela a vida, dizemos a ela, com esse gesto que a sua vida é preciosa.
Se o irmão aceitar o convite, significa que ele considera um encontro, por menor que seja, como uma possível etapa na relação. O contexto que, desse modo, virá se definir, vai ajudar a trocar algumas palavras com uma certa doçura. Será possível perceber que não é necessário estar de acordo sobre tudo e que é possível permitir, reciprocamente, divergências de avaliação ou de conduta, permanecendo, contudo, em comunhão.
Não podemos encontrar nesse conselho que brota da sabedoria dos Padres uma sugestão que diz respeito à unidade das Igrejas? A intercomunhão, atualmente, é considerada e aplicada como um fim: comungaremos juntos quando se encontrar o acordo sobre a expressão da fé, dos costumes, da instituição da Igreja e quando se chegar ao fim das contendas que obscurecem a memória das Igrejas e pesam sobre o seu presente. Mas esse é um bom método?
Passaram-se mais de 50 anos desde que o Patriarca Atenágoras e o Papa Paulo VI cancelaram as excomunhões recíprocas, então decretadas por Miguel Cerulário e pelo cardeal Humberto.
No entanto, continuamos não comungando na liturgia da outra Igreja; esperamos que se formulem acordos sob a autoridade do papa, por exemplo, ou que sejam reguladas situações que foram geradas no passado, como o caso das Igrejas uniatas.
Podemos nos perguntar se o processo inverso não seria, a médio ou longo prazo, mais eficaz: acima de tudo, porque envolveria pessoas reais em comunidades concretas, depois porque criar oportunamente um clima de comunhão que permitiria diálogos e perdões impossíveis enquanto permanecermos nas próprias posições.
Essa sequência (comunhão primeiro, discussão depois) talvez seja impossível atualmente com as Igrejas do Oriente. Elas pertencem, com efeito, a universo cultural há muito tempo diferente do nosso; os Padres gregos e os Padres latinos certamente já não tinham a mesma mentalidade, o que é manifesto sobretudo na diferença das liturgias. A sua própria identidade é dificilmente separável da história política em que o Ocidente cristão parecia culpado (saque de Constantinopla em 1204, falta de ajuda em Constantinopla contra o Islã em 1453, processo de latinização ou de catolicização por parte dos "latinos" nas terras do Oriente nos tempos modernos...).
Mas não é o mesmo com as comunidades nascidas da Reforma: elas pertencem ao mesmo universo histórico e cultural das comunidades católicas, em última análise, o da Europa. As línguas e as referências culturais são as mesmas. As nossas discussões sobre a graça ocorrem à sombra de Agostinho; as questões do sacramento, da Eucaristia, do ministério nos estão animando desde a Idade Média; o contexto político (com o seu pano de fundo financeiro) era o mesmo: o imperador, o papa, os reis, os príncipes, os bispos e, por fim, o povo.
O grande evento que inaugurou a era contemporânea é, com efeito, comum a todos, embora se faça referência à Revolução "Francesa". O ecumenismo nasceu, primeiro, entre nós: depois de nos termos exposto violentamente, começamos a nos perguntar como remediar as separações, e foi feito um caminho nada mau para nos aproximarmos.
Por isso, eu me pergunto se a comemoração do quinto centenário da Reforma não deveria se centrar na interrogação: como fazer a comunhão juntos em 2017? E esperamos a resposta da parte católica antes que da protestante: da parte desta última, com efeito, o convite já chegou.
Em termos claros, a questão se coloca da seguinte forma: os católicos, com base nos desenvolvimentos do Vaticano II sobre a Igreja e sobre a liturgia, não poderiam rever a sua dupla recusa: tanto de convidar a Reforma para a Santa Mesa, quanto de responder ao convite da Reforma da Santa Ceia? E as comunidades protestantes não poderiam se interrogar sobre o que, junto delas, obstaculiza uma resposta católica positiva à sua mesa aberta?
Mais uma vez, eu não penso que a resposta a essas interrogações deve envolver um acordo completo sobre as divergências, mas apenas o mínimo indispensável para uma comunhão litúrgica autêntica. E em que consiste esse mínimo?
Estamos todos de acordo sobre a obediência à Escritura: esta nos narra a Última Ceia de Jesus com os seus discípulos e o seu mandamento de repeti-la (Mc 14, 22-24 e par.); por outro lado, ela atesta a obediência da primeira geração cristã a esse mandamento (1Cor 10, 16-17 e 11, 17-34).
Portanto, celebrando assim, colocamo-nos juntos nas pegadas de Jesus, e, acima de tudo, Ele se coloca nas nossas. E nos comprometemos a perseverar na oração, no diálogo teológico e na ação comum pela paz e pela justiça – o que está sendo feito frutuosamente há mais de 50 anos.
Talvez eu seja otimista ao fazer esses discursos. No entanto, no estado atual das coisas, acho que existem possibilidades e desejo que olhássemos para a oportunidade de 2017 nessa perspectiva.
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Pensar a intercomunhão na perspectiva de 2017. Artigo de Ghislain Lafont - Instituto Humanitas Unisinos - IHU