05 Julho 2016
Esta entrevista foi concedida com exclusividade para o jornal L'Unità, publicada no dia 28 de janeiro de 2008. À distância de mais de seis anos, muitas das considerações do intelectual e escritor Elie Wiesel, prêmio Nobel da Paz em 1986, que faleceu no último sábado, parecem proféticas e enquadram o presente de modo até mesmo surpreendente.
A reportagem é de Umberto De Giovannangeli, publicada no jornal L'Unità, 04-07-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Ele fala daqueles que querem "classes separadas para crianças imigrantes e barreiras" imigratórias, de sociedades multiétnicas... Com referências a líderes que hoje não estão mais no poder, nós a repropomos na íntegra: ela vale tanto hoje quanto na época.
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"Recordar é um investimento no futuro e não só um tributo à memória das vítimas de um trágico passado. Não podemos, não devemos esquecer o que aconteceu nos campos de concentração nazistas. E que, no fundo do Holocausto, havia o propósito de aniquilar os judeus, culpados de existir: aqueles que continuam a negar isso infligem às vítimas dos campos de extermínio uma segunda morte. Como não ver que, no desejado esquecimento da memória, há quem tente construir uma nova prática de intolerância?"
Quem fala é Elie Wiesel, prêmio Nobel da Paz de 1986, que, nos campos de extermínio de Auschwitz (lá, ele perdeu a mãe, o pai e a irmãzinha) e de Buchenwald, passou 11 meses. Recordar não só é um tributo aos milhões de mulheres e homens aniquilados nos campos de concentração.
"O antissemitismo e o ódio racial – reflete Wiesel – também marcam o início do século. Não posso perdoar os torturadores e aqueles que exaltam os seus gestos."
"Estamos deixando para as novas gerações um mundo cheio de medo", acrescenta o grande escritor da memória. "O que faremos? Vamos transformá-lo em uma fortaleza?"
Eis a entrevista.
Professor Wiesel, em Roma, reapareceram frases contra os judeus, que negam a Shoá. A um jovem de hoje que lhe perguntasse o que foi o Holocausto, que resposta o senhor daria?
Foi o Mal absoluto. Eis o que ele foi. O que caracterizou aquele período foi uma determinação absoluta em planejar e levar a cabo a aniquilação de um povo. Isto foi o Holocausto, nisto consiste a sua novidade em relação ao passado: pela primeira vez na história, se pretendia eliminar um povo completamente da face da Terra. Os judeus não foram perseguidos e exterminados por motivos específicos, porque acreditavam ou não em Deus, porque eram ricos ou pobres, ou porque professavam ideologias inimigas: não, os judeus eram mortos, humilhados, torturados pelo simples fato de serem judeus. Porque eram culpados de existir: esse é o horror indelével da Shoá.
A memória do Holocausto parece se perder: há quem afirme que isso é bom, que recordar só serve para perpetuar antigas divisões.
Não, não, sou absolutamente contrário. Esquecer as vítimas significa nada mais do que lhes infligir uma segunda morte! Uma verdadeira reconciliação, além disso, não pode ocorrer senão a partir da recordação, preservando a memória daquilo que foram aqueles anos. É verdade: hoje, há quem exalte o esquecimento, quem considere que chegou a hora de arquivar o passado. Nessa operação, eu sinto o dever moral de me rebelar, ontem como hoje: porque por nenhuma razão no mundo é possível apagar a distinção entre o carnífice e a sua vítima. E ainda hoje o Holocausto ensina que, quando uma comunidade é perseguida, todo o mundo é atingido.
A desconfiança em relação ao diferente parece hoje se concentrar nos Rom [os chamados "ciganos"]...
Novamente, seria preciso nos agarrarmos à memória: eu lembro que, nos campos de concentração nazistas, morreram milhares e milhares de Rom. Eles morreram junto com milhões de judeus. Não pretendo entrar em polêmicas políticas. O que eu quero dizer é que a Europa tem uma dívida para com a população Rom. Essa consciência deveria orientar a definição de políticas de integração, o que, naturalmente, não significa justificar comportamentos criminosos que dizem respeito à pessoa, ao indivíduo, e não à etnia de pertença.
Deixe-me acrescentar que a multietnicidade própria das sociedades modernas não deve ser vivida como um perigo, mas sim como um valor, uma oportunidade comum de crescimento. Mas, para que essa aspiração se transforme em realidade completa, é necessário dar vida a uma cultura da solidariedade, que é algo mais rico e exigente do que uma cultura da tolerância. Ouço falar de salas separadas para crianças imigrantes, de barreiras... Mas uma sociedade multiétnica plenamente democrática, deve derrubar os guetos e não criar novos. A inclusão não é inimiga de uma compreensível necessidade de segurança.
Para quem viveu a experiência dos campos de concentração nazistas, qual o sentido da palavra "perdão"?
É a pergunta que acompanhou a minha existência de sobrevivente. Mas palavras como perdão ou misericórdia não encontram lugar no inferno de Auschwitz, de Buchenwald, de Dachau, de Treblinka... Não, não é possível perdoar os torturadores de antigamente e aqueles que ainda hoje exaltam os seus gestos. Nesses 63 anos, eu rezei muitas vezes a Deus, e a oração é a mesma que eu rezava quando estava preso no campo de concentração: "Deus de misericórdia, não tenha misericórdia pelos assassinos de crianças judias, não tenha misericórdia daqueles que criaram Auschwitz, e Buchenwald, e Dachau, e Treblinka, e Bergen-Belsen... Não perdoa aqueles que assassinaram aqui". Mas isso não significa condenar para sempre o povo alemão, porque nós, judeus, as vítimas, não acreditamos na culpa coletiva. Só o culpado é culpado. Os nossos algozes queriam apagar a nossa identidade, antes de nos negar a vida, para nos reduzir apenas a números, aqueles marcados a fogo nos nossos braços. Mas não conseguiram: mataram seis milhões de judeus, mas não conseguiram apagar a nossa identidade.
Do passado a um presente inquietante. O senhor usou palavras muito duras contra o presidente iraniano Ahmadinejad. Por quê?
Por que ele, ao ridicularizar as verdades historicamente comprovadas, ao ofender a memória dos sobreviventes do Holocausto ainda vivos, glorifica a arte da mentira. Como número um dos negacionistas do mundo, como antissemita por uma mente perturbada, ele declara que a "solução final" de Hitler nunca existiu. E não para por aí. De acordo com Ahmadinejad, não houve um Holocausto no passado, mas haverá no futuro. Elucubrações de um fanático? Sim, mas o fanático se dirige a multidões que aplaudem as suas ideias. Palavras vazias? Ele não fala por nada. Parece empenhado em manter as suas "promessas". Seria um erro duvidar da sua determinação. Uma pessoa não prega o ódio por nada. Eu pertenço a uma geração que aprendeu a levar a sério as palavras do inimigo. Até porque essas palavras são acompanhadas por fatos: quem está por trás da organização terrorista do Hezbollah? O Irã. O Irã lhes fornece todas as armas mais sofisticadas e oficiais que treinam as suas milícias. O Hezbollah não quer o nascimento de um Estado palestino ao lado do Estado de Israel. O seu único objetivo – e do presidente iraniano – é a destruição de Israel. É por isso que eu defendo que Ahmadinejad não pode ter um lugar no panorama dos líderes políticos internacionais. Ele deveria se tornar "persona non grata" pelo que ele está fazendo com o seu país, o seu povo, a toda a humanidade.
Israel. O que ele representa para você?
A aurora dos nossos sonhos. A afirmação do direito do povo judeu a ter um lar nacional próprio. Um direito defendido a um caro preço nesses 60 anos.
Israel, um dia, poderá viver em paz com os palestinos?
É a esperança que eu sei que compartilho com a grandíssima maioria dos israelenses conscientes de que não existe outra solução senão a de dois Estados que vivam lado a lado, optando pela paz. Mas, para que isso possa acontecer, é necessário que os palestinos compreendam que não é com o ódio e a violência praticada por grupos extremistas como o Hamas que eles vão ver realizadas, um dia, as suas aspirações.
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"Os judeus foram mortos porque eram culpados de existir." Entrevista com Elie Wiesel - Instituto Humanitas Unisinos - IHU