Por: André | 20 Junho 2016
O Papa Francisco, na abertura do Congresso da Diocese de Roma, na tarde de 16 de junho, na Basílica de São João de Latrão, convidou os presentes para não “colocar em prática uma pastoral de guetos e para guetos”, recordando que o realismo evangélico “não significa não ser claros na doutrina”. “Não se trata de não propor o ideal evangélico – acrescentou; pelo contrário, convida-nos para vivê-lo na história, com tudo o que implica”.
A reportagem é de Andrea Tornielli e publicada por Vatican Insider, 17-06-2016. A tradução é de André Langer.
Fonte: http://bit.ly/1tulbNA
A este respeito, Bergoglio falou sobre um antigo capitel medieval que em um dos seus extremos representa Judas e no outro Jesus carregando o traidor morto sobre seus ombros: “O padre Primo Mazzolari fez um discurso muito bonito sobre isso. Ele era um padre que entendeu bem esta complexidade da lógica do Evangelho: sujar as mãos como Jesus, que não estava limpo, e ia ao encontro das pessoas e as aceitava como eram, não como deviam ser”.
Francisco referiu-se a um capitel da Basílica de Vèzelay, em Borgonha, dedicada a Santa Maria Madalena, que está situada no caminho que leva para Santiago de Compostela. Uma perfeita demonstração da arquitetura românica e muito bem conservada, destino de peregrinações na Idade Média, com milhares de pessoas que se dirigiam a ela para invocar misericórdia vendo o exemplo da mulher que encontrou a profunda compaixão de Cristo e que foi a primeira testemunha da sua ressurreição.
No alto, no primeiro capitel que se vê logo na entrada, há uma escultura pouco conhecida (a altura em que se encontra, a cerca de 20 metros do chão, não facilita sua visão). Uma escultura que, vista de perto surpreende e desconcerta. Em um lado aparece Judas enforcado, com a língua de fora, cercado por diabos. E até aqui, nenhuma novidade: existem muitas representações da dramática e violenta morte do apóstolo suicida que traiu Jesus vendendo-o por algumas moedas.
A surpresa surge quando se olha para o outro lado do capitel: há um homem que carrega sobre os ombros o corpo de Judas. Este homem tem um rosto estranho: a metade da boca sorri e a outra metade está franzida. O homem representado usa uma túnica curta e é um pastor. É o Bom Pastor que carrega sobre os seus ombros a ovelha perdida, essa em cuja busca deixou as outras 99 no redil. O artista que esculpiu a cena e o monge que a inspirou quiseram representar algo extremo chegando a propor que até mesmo Judas teve acesso à salvação.
Ao comentar esta imagem, o Papa Francisco citou uma homilia que Primo Mazzolari, o pároco de Bozzolo e precursor do Concílio Vaticano II, pronunciou na Quinta-Feira Santa de 1958, dedicada justamente a “Judas, o traidor”: “Pobre Judas – começou o padre. Eu não sei o que lhe passou pela alma. Ele é um dos personagens mais misteriosos que encontramos na Paixão do Senhor. Não é minha intenção explicá-lo; conformo-me com pedir-lhes um pouco de piedade por nosso pobre irmão Judas. Não se envergonhem de assumir esta fraternidade. Eu não me envergonho, porque sei quantas vezes traí o Senhor; e creio que ninguém de vocês deveria envergonhar-se dele. E ao chamá-lo de irmão, nós usamos a linguagem do Senhor. Quando recebeu o beijo da traição, no Getsêmani, o Senhor respondeu-lhe com essas palavras que não devemos esquecer: ‘Amigo, com um beijo trais o Filho do Homem!’”
“Amigo! Esta palavra – prosseguiu Mazzolari – nos indica a infinita ternura da caridade do Senhor. Também nos faz compreender porque eu, neste momento, o chamei de irmão. Jesus disse no Cenáculo, não vos chamei servos, mas amigos. Os Apóstolos converteram-se em amigos do Senhor: bons ou não, generosos ou não, fiéis ou não, sempre serão os amigos. Nós podemos trair a amizade de Cristo, mas Cristo nunca nos trai, nunca trai os seus amigos; mesmo quando não o merecemos, mesmo quando nos rebelamos contra Ele, mesmo quando o negamos, diante dos seus olhos e seu coração, nós seremos sempre amigos do Senhor. Judas é um amigo do Senhor inclusive no momento em que, beijando-o, consumava a traição do Mestre”.
Após ter recordado o fim desesperado do apóstolo, Mazzolari concluiu: “Perdoem-me se esta tarde, que deveria ser de intimidade, eu trouxe para vocês considerações tão dolorosas, mas eu também gosto do Judas, ele é meu irmão Judas. Também vou rezar por ele esta tarde, porque eu não julgo, eu não condeno; deveria julgar a mim, deveria condenar a mim. Eu não posso não pensar que a misericórdia de Deus é também para Judas, este abraço de caridade, essa palavra ‘amigo’, que o Senhor disse enquanto ele o beijava para traí-lo; eu não posso pensar que esta palavra não tenha aberto uma abertura em seu pobre coração. E, talvez, o último momento, ao recordar essa palavra e a aceitação do beijo, Judas também sentiu que o Senhor o queria e o recebia entre os seus. Talvez foi o primeiro apóstolo que entrou, junto com os dois ladrões. Um séquito que parece não honrar o Filho de Deus, como alguns pensam, mas que é uma grandeza de sua misericórdia”.
“E agora, antes de retomar a missa, vou repetir o gesto de Cristo na última Ceia, lavando os pés das crianças que representam os Apóstolos do Senhor entre nós, beijando esses pés inocentes; deixem que eu pense um momento no Judas que eu carrego dentro de mim, no Judas que talvez vocês também carregam dentro de vocês. E deixem que ele peça a Jesus, ao Jesus agonizante, para que nos aceite como somos, deixem que peça a ele, como graça pascal, que me chame amigo”.
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A superação de uma pastoral de guetos e para guetos. Esse Bom Pastor que carrega Judas sobre seus ombros - Instituto Humanitas Unisinos - IHU