12 Abril 2016
Bastam poucas frases para entender por que este papa é amado por muitos e detestado por alguns.
A reportagem é de Aldo Cazzullo, publicada no jornal Corriere della Sera, 09-04-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
"O matrimônio é um dom do Senhor. (...) Esse dom inclui a sexualidade" (Jorge Mario Bergoglio, o Papa Francisco, de agora em diante simplesmente Francisco, Amoris laetitia, n. 60).
"De fato, há homens castrados, porque nasceram assim; outros, porque os homens os fizeram assim; outros, ainda, se castraram por causa do Reino do Céu. Quem puder entender, entenda" (Mateus 19, 12).
"O próprio Deus criou a sexualidade, que é um presente maravilhoso para as suas criaturas" (Francisco, AL 150).
"A mulher é um templo construído sobre uma cloaca. Tu, mulher, és a porta do diabo, enganaste esse mesmo homem que o diabo não ousava atacar de frente. É por tua causa que o filho de Deus teve que morrer; tu deverás fugir para sempre de luto e coberta de trapos" (Tertuliano).
"O erotismo mais saudável, embora esteja ligado a uma busca de prazer, supõe a admiração e, por isso, pode humanizar os impulsos. Assim, não podemos, de maneira alguma, entender a dimensão erótica do amor como um mal permitido ou como um peso tolerável para o bem da família, mas como dom de Deus que embeleza o encontro dos esposos" (Francisco, AL 151-152).
"Se é bom não tocar uma mulher, então é mau tocá-la: os desposados vivem como as feras; de fato, no coito com as mulheres, os homens não se distinguem em nada dos porcos e dos animais irracionais" (São Jerônimo).
"Vivida de modo humano e santificada pelo sacramento, a união sexual é, por sua vez, caminho de crescimento na vida da graça para os esposos. É o mistério nupcial (Francisco, AL 74).
"Maria foi pura, santa, sem mancha, resplandecente, de sentimentos divinos, santificada, livre de todas as sujeiras do corpo, do pensamento, da alma" (Sofrônio de Jerusalém).
"A Bíblia aparece cheia de famílias, gerações, histórias de amor e de crises familiares" (Francisco, AL 8).
"Se fosse amigo o Rei do universo / a ele rezaríamos por tua paz, / pois que te apieda o nosso mal perverso" (Dante Alighieri, Inferno, Canto V, episódio de Paolo e Francesca).
"Mulheres, sejam submissas a seus maridos" (São Paulo, Carta aos Efésios 5, 22).
"É importante deixar clara a rejeição de toda a forma de submissão sexual. Por isso, convém evitar toda a interpretação inadequada do texto da Carta aos Efésios (…). São Paulo exprime-se em categorias culturais próprias daquela época; nós não devemos assumir esta roupagem cultural, mas a mensagem revelada que subjaz ao conjunto da perícope" (Francisco, AL 156).
"Desejos, sentimentos, emoções (os clássicos chamavam-lhes 'paixões') ocupam um lugar
importante no matrimônio. (…) O ser humano é um vivente desta terra, e tudo o que faz e busca está carregado de paixões" (Francisco, AL 143).
"Sim, da vontade perversa, gera-se a paixão, e a obediência à paixão gera o hábito, e a aquiescência ao hábito gera a necessidade" (Santo Agostinho, Confissões, Livro VIII).
"Experimentar uma emoção não é, em si mesmo, algo moralmente bom nem mau. Começar a sentir desejo ou repulsa não é pecaminoso nem censurável" (Francisco, AL 145).
"Os desejos da carne levam à morte; enquanto os desejos do Espírito levam para a vida e a paz. De fato, os desejos da carne estão em revolta contra Deus, porque não se submetem à lei de Deus; e nem mesmo o podem" (São Paulo, Carta aos Romanos 8, 6-7).
"Sentir atração por alguém não é, de por si, um bem. Se esta atração me leva a procurar que essa pessoa se torne minha escrava, o sentimento estará ao serviço do meu egoísmo. Julgar que somos bons só porque 'provamos sentimentos', é um tremendo engano. Há pessoas que se sentem capazes de um grande amor, só porque têm grande necessidade de afeto, mas não conseguem lutar pela felicidade dos outros e vivem confinados nos próprios desejos" (Francisco, AL 145).
"As mulheres estão destinadas principalmente a satisfazer a luxúria dos homens. Onde há morte, aí há matrimônio; onde não há matrimônio, aí não há morte" (São João Crisóstomo).
"Em vez de se falar da superioridade da virgindade sob todos os aspectos, parece mais apropriado mostrar que os diferentes estados de vida são complementares, de tal modo que um pode ser mais perfeito em um sentido, e outro pode sê-lo a partir de um ponto de
vista diferente" (Francisco, AL 159).
"Pela graça de Deus, Maria manteve-se pura de todo o pecado pessoal ao longo de toda a vida" (Catecismo da Igreja Católica, n. 493).
"Por outro lado, os momentos de alegria, o descanso ou a festa, e mesmo a sexualidade são sentidos como uma participação na vida plena da sua Ressurreição" (Francisco, AL 317).
"Cristo nunca ria" (Jorge de Burgos, O Nome da Rosa, de Umberto Eco).
"Um amor verdadeiro também sabe receber do outro, é capaz de se aceitar como vulnerável e necessitado, não renuncia a receber, com gratidão sincera e feliz, as expressões corporais do amor na carícia, no abraço, no beijo e na união sexual" (Francisco, AL 157).
* * *
Nos 2.000 anos de discussão entre as maiores inteligências da cristandade sobre o amor e o sexo, encontra-se tudo e o seu contrário. As interpretações mudam com as mudanças das condições históricas e das sensibilidades. Mas bastam essas poucas referências para perceber que a exortação Amoris laetitia, começando pelo título, é uma grande inovação na história da Igreja (embora, obviamente, a sexualidade seja concebida pelo papa dentro do matrimônio); e bastaria isso para dar a entender por que Francisco é muito amado por muitos, mas também muito detestado por alguns; e por que, embora continue o seu pontificado, esse papa está destinado a entrar para a história, e depois dele nada será como antes.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Amor e sexo no cristianismo: 2.000 anos de debates - Instituto Humanitas Unisinos - IHU