11 Abril 2016
O Papa Francisco quis aceitar o desafio de uma realidade complexa, que a Igreja não pode simplificar demais, sem perder, ao mesmo tempo, a bênção da misericórdia de Deus e a caridade na relação com as pessoas. Essa "maravilhosa complicação" – para usar a liberdade de linguagem tão típica do Papa Francisco – abrirá cada vez mais a Igreja não só para o bem máximo, mas também para o bem possível, que alimenta cotidianamente a realidade dinâmica de muitas famílias felizes e de não poucas famílias feridas.
Na exortação apostólica Amoris laetitia, lemos o início de autoridade de um olhar diferente sobre as formas do amor humano. O "doce comprimento" de um documento que abre uma era nova, à luz da Palavra de Deus e da experiência das pessoas.
A opinião é do teólogo italiano Andrea Grillo, leigo casado, professor do Pontifício Ateneu S. Anselmo, de Roma, do Instituto Teológico Marchigiano, de Ancona, e do Instituto de Liturgia Pastoral da Abadia de Santa Giustina, de Pádua.
O artigo foi publicado no seu blog Come Se Non, 08-04-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Não era difícil pensar que encontraríamos, na Amoris laetitia, todos os rastros do caminho, rico e complexo, que a Igreja fez nos últimos três anos. Mas nele se expressa, bem mais, o trabalho fecundo de um caminho muito mais longo, que começa no dia seguinte à perda do poder temporal em 1880 e que chega, ao longo de etapas numerosa diferenciadas, a essa nova passagem de época. Só uma leitura mais atenta poderá esclarecer melhor o porte e a articulação desse documento. Por enquanto, podemos apenas reagir a alguns elementos novos e relevantes do texto:
a) Sai-se da lógica de um "documento sobre o matrimônio ou sobre a família" – como ainda era a Familiaris consortio e como, no início, era a Arcanum divinae sapientiae, em 1880, de Leão XIII – e se entra em uma consideração que poderíamos definir, em sentido amplo, como "pastoral" e "moral" da questão do amor. Só assim se pode compreender plenamente a ampla extensão do documento, que, no seu interior, tem níveis diferentes de tomada da palavra, que vão do sapiencial ao descritivo, do moral ao bíblico, do parenético ao testemunhal. Como já tínhamos lido na Evangelii gaudium, o estilo do Papa Francisco é intencionalmente "superabundante" para atestar a "necessária incompletude" do pensamento cristão, para deixar em aberto o sistema, para garantir que o "a mais de misericórdia" possa irromper. Essa reviravolta fica muito clara não só no início e no fim da exortação, mas aparece continuamente na tessitura do texto. Embora na diversidade dos seus registros, o anúncio do primado da misericórdia e a insuficiência de uma lógica "objetiva" – mesmo que justamente defendida na sua necessidade – aparece como o "baixo contínuo" do documento.
b) Amplamente, prevalece a novidade de uma descrição admirada do "positivo do amor" em relação ao esclarecimento depreciativo do negativo. Em todas as passagens mais delicadas – de caráter bíblico, doutrinal, espiritual ou disciplinar – o texto mantém essa "vocação à integração", que assume um papel de "discrimen". Em uma Igreja que conheceu "duas vias" – excluir ou integrar – as contingências atuais impõem uma escolha muito clara a favor da integração. Isso – reconhece o próprio documento nas suas páginas finais – requer um empenho não só "pastoral", mas também "teológico" de qualidade diferente. O texto, na sua primeira página, reconhece "necessidade de continuar a aprofundar, com liberdade, algumas questões doutrinais, morais, espirituais e pastorais. A reflexão dos pastores e teólogos, se for fiel à Igreja, honesta, realista e criativa, nos ajudará a alcançar uma maior clareza" (AL 2).
c) Especialmente no início e no fim do documento, gastam-se muitas páginas – que certamente ficarão entre as mais importantes – para redefinir corretamente a relação com a tradição. E aqui eu gostaria de evidenciar dois critérios fundamentais, que modificam profundamente o estilo eclesial, tanto pastoral quanto teológico:
- o princípio da superioridade do tempo sobre o espaço ajuda a compreender, ao mesmo tempo, um redimensionamento das pretensões do Magistério e a legitimidade da coexistência de interpretações diferentes: "Quero reiterar que nem todas as discussões doutrinais, morais ou pastorais devem ser resolvidas através de intervenções magisteriais. Naturalmente, na Igreja, é necessária uma unidade de doutrina e práxis, mas isto não impede que existam maneiras diferentes de interpretar alguns aspectos da doutrina ou algumas consequências que decorrem dela" (AL 3).
- a superação de uma leitura rígida e injusta demais da "objetividade do pecado", como obstáculo incontornável para a comunhão, eclesial e sacramental. "Por causa dos condicionalismos ou dos fatores atenuantes, é possível que uma pessoa, no meio de uma situação objetiva de pecado – mas subjetivamente não seja culpável ou não o seja plenamente –, possa viver em graça de Deus, possa amar e possa também crescer na vida de graça e de caridade, recebendo para isso a ajuda da Igreja" (AL 305).
Essas duas passagens – que abrem para uma região por enquanto explorada apenas por pastorais de nicho, preciosas, mas até agora muitas vezes nos limites da clandestinidade – tornam possível o acesso da "pastoral ordinária" a uma lógica oficialmente diferenciada. A "complicação" dessa passagem é proporcional à indiferença com que, até agora, ela foi considerada, ao menos em linhas gerais.
d) O princípio de misericórdia como "arquitrave do edifício eclesial": isso determina a necessidade de um repensamento estrutural da relação entre doutrina e pastoral. A doutrina, que não muda, porém, precisa falar uma língua diferente e ser compreendida com um pensamento diferente. A insistência, ao longo de toda a exortação, em não transformar a doutrina "em pedras" – e a assumir um perfil "materno" da doutrina – não é simplesmente um "recurso pastoral", mas diz respeito à interpretação do sentido e do porte da própria doutrina, sobre o matrimônio, sobre a família e sobre o amor. A mudança de estilo e de linguagem aponta para um paradigma doutrinal novo e mais amplo.
e) A superação da "proibição de reconciliação/comunhão" como regra primeira da relação com as situações "irregulares", que ainda era repetida pela Familiaris consortio. As palavras integração, acompanhamento e discernimento tornam-se agora – e só agora – a via geral, embora no máximo genérica, de uma abordagem cuidadosa e misericordiosa para com todos e cada um. A lógica do "discernimento em foro interno" e do "acompanhamento em um itinerário" aparecem, com clareza – embora de forma deliberadamente não determinada – como novas exigências da pastoral ordinária. Caberá à pastoral, aos párocos e aos bispos, determiná-la "aqui e agora". Não estávamos acostumados com isso ao menos há um século. E será preciso arregaçar as mangas.
f) A história pessoal e a consciência dos sujeitos tornam-se relevantes para a recepção da doutrina. Ou, melhor, sem essa recepção, a melhor doutrina permanece como letra morta. "Somos chamados a formar as consciências, não a pretender substituí-las" (AT 37); por isso, a consciência "deve ser mais bem incorporada na práxis da Igreja" (AT 303): este princípio final, composto com o princípio de misericórdia, determina o horizonte novo de uma "pastoral do amor" que deverá assumir as formas adequadas para captar esta histórica oportunidade de renovação. Toda a "pastoral do amor" deve ser lida à luz deste duplo princípio: a misericórdia do Deus que dá e as consciências dos sujeitos que recebem, com Cristo e a Igreja como generosos mediadores.
Mas esses primeiros pontos notáveis não devem deixar de lado uma forte originalidade do texto, seja quanto à estrutura, seja quanto ao estilo. A estrutura prevê um início com um primeiro capítulo "bíblico" de leitura da família concebido com originalidade e com sabedoria, com estilo imediato e corte transversal, que também se torna critério de leitura de tudo o que segue.
A releitura do matrimônio feliz – do qual nunca se esconde nem a alegria nem o drama – acompanha um repensamento da abordagem das crises e das "irregularidades", que não conhece mais nem proibições objetivas, nem limites intransponíveis. Aqui, repito, também está a "reviravolta" em relação à Familiaris consortio, texto que hoje passou o bastão e levou a cumprimento a sua novidade, recolhida cuidadosamente no novo texto, mas também decididamente ultrapassada nele. O caminho sinodal pôde chegar a esse resultado graças ao debate, ao diálogo, à escuta recíproca. E também as páginas "autocríticas", que brilham no início do segundo capítulo do texto (especialmente AL 35-38), e que demarcam sabiamente um "juízo sobre a realidade contemporânea" evitando cruzadas ou lamentações sem medida, ajudam a levar a doutrina e a prática eclesial novamente para o olhar de Jesus. Nessa lógica, o texto continua indicando com lúcida clareza no matrimônio uma das vocações mais altas do homem e da mulher, mas também quer redescobrir, com uma força até agora desconhecida ao magistério moderno que Jesus "se apresenta como Pastor de cem ovelhas, não de 99; e quer tê-las todas" (AT 309).
À luz dessa primeira leitura – integral, mas necessariamente inicial – podemos reconhecer que o Papa Francisco quis aceitar o desafio de uma realidade complexa, que a Igreja não pode simplificar demais, sem perder, ao mesmo tempo, a bênção da misericórdia de Deus e a caridade na relação com as pessoas: "Jesus espera que renunciemos a procurar aqueles abrigos pessoais ou comunitários que permitem manter-nos à distância do nó do drama humano, a fim de aceitarmos verdadeiramente entrar em contacto com a vida concreta dos outros e conhecermos a força da ternura. Quando o fazemos, a vida se complica sempre maravilhosamente" (AT 308).
Essa "maravilhosa complicação" – para usar a liberdade de linguagem tão típica do Papa Francisco – abrirá cada vez mais a Igreja não só para o bem máximo – que continua brilhando como ideal primário para todos – mas também para o bem possível – que alimenta cotidianamente a realidade dinâmica de muitas famílias felizes e de não poucas famílias feridas.
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A maravilhosa complicação e o "doce comprimento" da Amoris laetitia. Artigo de Andrea Grillo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU