Por: MpvM | 21 Junho 2019
"Em tempos de individualismos e egoísmos multiplicados, é imperativo que saibamos olhar o outro, percebendo que ele é alguém que tem uma história, que enfrenta lutas diárias, que sofre e se alegra, que é digno de amor e responsabilidade assim como nós. Nosso tempo nos incentiva a lavarmos nossas mãos diante do outro, mas somos cristãos da esperança e da fraternidade, caminhamos contra a corrente, somos chamados por Jesus a reconhecer seu rosto no olhar comprometido para o outro.
"Que a graça do Senhor, que fez o Antigo Israel olhar para o alto, faça-nos hoje saber olhar para o lado."
A reflexão é de Mariana Aparecida Venâncio, leiga. Ela possui graduação em teologia pelo Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora - ES/JF (2016), especialização em sagrada escritura pelo Centro Universitário Claretiano (2018), mestrado em Letras (literatura Brasileira) pelo CES/JF. Atua como docente da Graduação em Teologia no CES/JF.
Referências bíblicas
1ª Leitura: Zc 12,10-11; 13,1
Salmo: Sl 62(63),2-6.8-9 (R/. 2ce)
2ª Leitura: Gl 3,26-29
Evangelho: Lc 9,18-24
Desejo iniciar esta reflexão chamando atenção para a primeira leitura (Zc 12,10-11; 13,1), que é retirada do livro do profeta Zacarias (Zc 12,10-11; 13,1). Zacarias escreve no pós-exílio, ao redor do ano 520, quando ainda é latente a questão do retorno à Terra como uma resposta divina à expiação dos pecados de Israel pela escravidão. Nessa época, em que as tradições religiosas estavam sendo reorganizadas, as leis de purificação e expiação recebiam destaque. Por isso, o tema da conversão e do retorno a YHWH são importantes.
Mas gostaria ainda de chamar a atenção para uma ação importante no texto: o Senhor promete sobre a casa de Davi um espírito de graça e oração, que tem como consequência olhar para o Senhor. Isso é bonito, porque o Antigo Testamento é todo costurado pelo desejo de Israel de que o Senhor olhe para ele: assim cantamos no salmo 80, ou na bênção de Nm 6: que ele volte sobre nós o seu olhar, a sua face, e nos dê a paz. Zacarias fala de um movimento contrário, que é o de olhar para o Senhor. Em Dn 4, a conversão de Nabucodonosor se dá quando ele é capaz de olhar para o alto. Ora, olhar para o alto, olhar para Deus, significa dar-se conta de que Ele existe e, mais ainda: dar-se conta de sua própria existência.
Olhar para o alto é satisfazer o desejo mais profundo e íntimo do coração humano, que às vezes custamos a entender, mas que é a sede de Deus, como cantamos nesta liturgia, no Salmo 62: A minh’alma tem sede de vós, como a terra sedenta, ó meu Deus. Vosso amor vale mais do que a vida, ansioso vos busco, venho contemplar-vos, meus lábios vos louvam, quero elevar a vós minhas mãos. Quando olhamos para Deus e percebemos sua grandeza, percebemos também o quão pequenos somos diante dele. Mas não só isso, percebemos que, mesmo pequenos, fomos criados à sua semelhança, agraciados com uma dignidade ímpar, cujo modelo é o próprio Deus Altíssimo. Olhar para o alto é dar-se conta Dele e de si.
Jesus, no Evangelho de Lucas (Lc 9,18-24), já tão comentado e conhecido, alia a esse olhar para o alto uma outra direção, que é o olhar para o lado. Jesus pede aos discípulos que olhem para ele e digam quem ele é. Ora, olhar para Jesus nos faz também reconhecer quem ele é e quem nós somos. A diferença é que ele, como Deus, agora coloca-se ao nosso lado e abre-nos um novo horizonte para olhar. Pedro descobre quem é Jesus. Ele diz: tu és o Cristo de Deus, o Messias.
A partir daí, Jesus vai propor que o discípulo comece a reconhecer-se a si mesmo. Quem é o discípulo? Aquele que toma a sua cruz, renuncia a si mesmo, perde a sua vida por Jesus. Aquele que pertence a Cristo, conforme o que Paulo diz aos Gálatas no trecho da carta que lemos (Gl 3,26-29). Olhar para Jesus nos faz olhar de novo para a nossa vida e perceber que, com Jesus, não somos mais os mesmos, mas somos diferentes: revestidos de nova dignidade, comprometidos com um novo Reino, promotores de uma nova justiça, serventes em um novo projeto de amor.
O mais belo para mim é que Jesus nos abre um novo horizonte para que reconheçamos a Deus. E essa é a pista de atualização do Evangelho para os nossos dias. No Antigo Testamento, para conhecer a Deus e a si mesmo, olhávamos para o alto. A partir de Jesus, olhamos para o lado, para a frente, para o horizonte. Hoje, quando Jesus já não está mais presente entre nós em uma forma física, nosso olhar encontra a criação, mas principalmente o irmão.
Em tempos de individualismos e egoísmos multiplicados, é imperativo que saibamos olhar o outro, percebendo que ele é alguém que tem uma história, que enfrenta lutas diárias, que sofre e se alegra, que é digno de amor e responsabilidade assim como nós. Nosso tempo nos incentiva a lavarmos nossas mãos diante do outro, mas somos cristãos da esperança e da fraternidade, caminhamos contra a corrente, somos chamados por Jesus a reconhecer seu rosto no olhar comprometido para o outro.
Que a graça do Senhor, que fez o Antigo Israel olhar para o alto, faça-nos hoje saber olhar para o lado!
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12º Domingo do Tempo Comum - Ano C - No reconhecimento de Jesus, o chamado a reconhecê-lo no outro - Instituto Humanitas Unisinos - IHU