20 Julho 2018
"A proposta libertadora de Deus para com todas as pessoas, apresentada por Jesus, é agora continuada pelos discípulos, esses que são – como Jesus o foi – testemunhas do amor, da bondade e da solicitude de Deus para com todos que caminham pelo mundo perdido, sem rumo, “como ovelhas sem pastor”. As vítimas da política e da economia global, os que são colocados à margem da sociedade e da vida, os refugiados e refugiadas que buscam em outro país condições dignas de vida e são empurrados de um lado para o outro; os doentes que não têm acesso a um sistema de saúde eficiente, os idosos abandonados e desconsiderados, as crianças separadas de suas mães, que crescem sob dominação de políticas autoritárias ou nas ruas, aqueles que ainda não conseguiram sarar as suas feridas, necessitam encontrar em cada um de nós, discípulos e discípulas de Jesus, o amor, a bondade e a solicitude de Deus, que e Pai e Mãe".
A reflexão é da teóloga leiga Ivanise Santinon. Ela possui doutorado em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo (2009), mestrado em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2003) e Graduação em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (1999). Atua como professora da Faculdade de Teologia, na PUC-Campinas, com atividade docente nas áreas da teologia, com ênfase na pastoral e na antropologia teológica. Estuda temas de teologia, ciências da religião, relações de gênero e da humanização.
Referências Bíblicas
1ª Leitura – Jer 23,1-6
Salmo 22 (23)
2ª Leitura – Ef 2,13-18
Evangelho – Mc 6,30-34
Irmãs e irmãos, neste fim de semana Deus tem uma proposta para celebrarmos e vivermos o seu Amor que não discrimina ninguém. Pela sua sabedoria e justiça Deus convida a todos, sem distinção, a fazer parte de forma organizada dessa missão. E por isso vamos ouvir que Ninguém pode ficar perdido por falta de quem o oriente nos rumos oferecidos por Deus. Assim, após o envio “dois a dois”, celebrado na liturgia da semana passada, agora refletimos propriamente o pastoreio de Deus, que acolhendo a todos e todas, nos impele a uma reflexão que pode acontecer no âmbito pastoral na Igreja em que atuamos. Chamados a construir o Reino, devemos preferencialmente, fazer nossas opções a partir da humildade e solidariedade para com os pobres.
Na liturgia deste fim de semana, por uma interrupção retrospectiva da profecia de João Batista, continuamos a ouvir o relato dessa nossa missão, que é um apostolado, um discipulado de iguais, em que, na beleza da nossa diversidade, somos chamados a ser profetas a exemplo de Jeremias e apóstolos e apostolas segundo o modelo de Jesus. O texto mostra um esquema Eclesial, feito para que a comunidade se organize diante dessa missão que, de forma individual e coletiva, é a proposta de Deus.
Entenderemos isso um pouco mais, com a 1a Leitura (Jr 23,1-6). O ambiente onde se passa essa narrativa e bem conturbado, semelhante ao que estamos vivendo hoje. Em meados do século VI e VII a.C. Jeremias, exerce a sua missão profética depois da destruição de Jerusalém pelos Babilônios. Podemos dizer que a sua missão acontece em três fases: A primeira, a da sua pregação, abrange parte do período de reinado de Josias, um rei muito preocupado em fazer uma impressionante reforma religiosa, destinada a banir do país, cultos a deuses estrangeiros. A segunda fase de Jeremias acontece apos a morte de Josias. As suas terríveis previsões concretizam-se com Nabucodonosor. No trono de Judá fica, então, Sedecias e a sua terceira fase da missão profética acontece durante este reinado. Jeremias não concorda que se confie em exércitos estrangeiros mais do que na justiça de Deus Javé. Então, o texto desta primeira leitura faz referência a um tempo de desordem nacional, em que Judá, não tinha líderes capazes de governar o seu povo.
Aliás, essa imagem adquiriu uma força especial com Davi, o pastor que Javé ungiu e transformou em rei, encarregando-o de cuidar do rebanho do Povo de Deus. Ora, isso tudo ouvido em Jeremias, e muito atual! O texto mostra que os líderes de Judá não procuraram servir o Povo, mas serviram-se do Povo para concretizar os seus interesses pessoais. Mas o “rebanho” não é propriedade desses supostos “pastores”, mas de Deus.
Essa imagem foi tirada do reino vegetal (“rebento”) e sugere entendermos a fecundidade e a vida em abundância. Deus assegurará “o direito e a justiça”. Esse “pastor” irá trazer a organização, a harmonia, ou seja, a vida livre e verdadeira , pretendendo assim anular a frustração e o desespero vividos e inaugurar um tempo de esperança e que nada vai faltar ao Povo de Deus.
Diante disso cantamos o Salmo 22: “O Senhor e o meu pastor, nada me faltara...”
Assim, podemos fazer a atualização no Novo Testamento, ao refletirmos o Evangelho (Mc 6,30-34). Neste domingo ele apresenta-nos o regresso dos enviados de Jesus, isso, Jesus os convida a descansarem em um lugar mais sossegado. Marcos chama-lhes agora de “apóstolos”, que quer dizer “enviados”. Mostra que a missão deles foi eficaz e que como agora “apóstolos” estão entusiasmados, mas, como seres humanos, naturalmente cansados.
O texto começa com a narração do regresso dos discípulos de Jesus que, animados, contam a Jesus a forma como se tinha desenrolado a missão que lhes fora confiada. Na sequência, Jesus convida-os a irem com Ele para um lugar isolado e a descansarem um pouco. Os discípulos foram, com Jesus, para um lugar deserto; mas as multidões descobriram para onde Jesus e os discípulos se dirigiam e chegaram primeiro antes deles. Ao desembarcar, Jesus viu aquelas pessoas e teve compaixão. Nesse momento, o texto de Marcos desenvolve uma catequese sobre o discipulado, dividida alguns pontos:
1. Os apóstolos são os chamados por Jesus e são enviados a continuar no mundo a missão do próprio Jesus.
2. A referência à necessidade de os “apóstolos” descansarem, pois nem sequer tinham tempo para comer, pretende ser um aviso contra um ativismo exagerado, que destrói as forças do corpo e do espírito, levando tantas vezes, a perder o sentido da missão.
3. Os “apóstolos”, assim, são convidados por Jesus a irem com Ele.
4. As multidões tinham seguido Jesus e os discípulos, a pé, ou seja, deslocaram-se à volta do Lago com o barco, mas sempre à vista.
Essa Palavra nos dá a garantia que Deus é o verdadeiro “Pastor” que se preocupa conosco, que está atento a cada uma das suas “ovelhas”. Ele cuida das nossas necessidades e está permanentemente disposto a intervir na nossa história para nos conduzir por caminhos seguros e para nos oferecer segurança e esperança em nossa vida.
A proposta libertadora de Deus para com todas as pessoas, apresentada por Jesus, é agora continuada pelos discípulos, esses que são – como Jesus o foi – testemunhas do amor, da bondade e da solicitude de Deus para com todos que caminham pelo mundo perdido, sem rumo, “como ovelhas sem pastor”. As vítimas da política e da economia global, os que são colocados à margem da sociedade e da vida, os refugiados e refugiadas que buscam em outro país condições dignas de vida e são empurrados de um lado para o outro; os doentes que não têm acesso a um sistema de saúde eficiente, os idosos abandonados e desconsiderados, as crianças separadas de suas mães, que crescem sob dominação de políticas autoritárias ou nas ruas, aqueles que ainda não conseguiram sarar as suas feridas, necessitam encontrar em cada um de nós, discípulos e discípulas de Jesus, o amor, a bondade e a solicitude de Deus, que e Pai e Mãe.
Assim, o texto nos ensina a pararmos para analisar a proposta deixada por Jesus. Devemos voltar a descobrir o sentido das coisas e renovar o nosso empenho profético, o da construção de um Reino de justiça para todos.
A grande preocupação de Jesus diante das “ovelhas sem pastor” se consolida na 2ª leitura (Ef 2, 3-18), que sinaliza o seu amor para com todas e todos. Revela a sua sensibilidade e manifesta a sua solidariedade para com os pobres e sofredores. A comoção de Jesus convida-nos a sermos sensíveis às dores e necessidades dos nossos irmãos, pois toda pessoa, seja ela quem for, é nosso irmão e nossa irmã e tem o direito a esperar de nós um gesto de solidariedade e de acolhimento.
Não podemos ficar acomodados, indisponíveis diante de tudo o que nos cansa e nos desinstala do conforto e comodismo. Nos referindo à proposta eclesial, pastoral, feita por Jesus neste fim de semana, ela quer dizer que não adianta termos uma regularidade nos rituais dos templos e ficarmos em paz com a consciência somente porque já fomos à missa ou rezamos as orações que a Igreja nos pede. Se somos intolerantes a aqueles “diferentes” de nos e principalmente, ao ver toda e qualquer pessoas sofrer diante da exclusão, da intolerância e do não ter o necessário para se manter com vida digna, não estamos parando para refletir e repensar a proposta feita por Jesus neste fim de semana.
A nossa consciência cristã tem de nos questionar ao vermos uma pessoa desprezada, explorada, ofendida, excluída ou privada dos seus direitos e da sua dignidade. E esta proposta eclesial nos aponta para algo interessante e importante na missão profética a que Jesus nos chama, hoje, a mensagem tem uma clara intenção eclesial, ou seja uma proposta de sabedoria ao se pensar na justiça social, a da não distinção de ninguém na organização pastoral da nossa Igreja e diante da nossa responsabilidade perante a missão política e religiosa do Povo de Deus.
Que não fique a comunidade sem os verdadeiros pastores e pastoras que a exemplo de Jeremias, profeticamente sabem denunciar as opressões e injustiças e não cessam de animar o povo na construção do reino de Deus.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
16º domingo do tempo comum - Ano B - chamados e enviados em missão - Instituto Humanitas Unisinos - IHU