12 Dezembro 2012
Diante da crescente oposição, o presidente egípcio, Mursi, prometeu continuar promovendo sua constituição polarizadora e defendeu os decretos que lhes conferiram um poder quase absoluto. Os editoriais alemães dizem que, se ninguém ceder, a mais recente rodada de violência não será a última.
A reportagem é de Renuka Rayasam, publicado pela revista Der Spiegel e reproduzida pelo Portal Uol, 08-12-2012.
Nesta semana, o Egito foi testemunha da pior onda de violência desde as manifestações da Primavera Árabe que derrubaram o regime do ex-presidente Hosni Mubarak, dois anos atrás. Seis pessoas morreram e centenas ficaram feridas quando manifestantes da oposição e defensores do presidente Mohammed Mursi se confrontaram na noite de quarta-feira (5). E com mais manifestações programadas , há temores que a cisão entre os dois lados apenas se aprofunde.
Apesar da inquietação, o presidente Mursi, sob ataques, manteve-se firme em um discurso transmitido em cadeia nacional de televisão na quinta-feira à noite. O presidente, que é partidário da Irmandade Muçulmana, disse que estava aberto ao diálogo com a oposição a partir de sábado (8), mas recusou-se a suspender os decretos emitidos no mês passado que colocaram sua autoridade acima da revisão pela justiça. Ele também rejeitou os pedidos para adiar o referendo marcado para o dia 15 de dezembro para aprovar uma constituição que tornaria vários preceitos islâmicos em lei.
Os líderes da oposição, por sua vez, dizem que, sem essas concessões, eles não concordam em conversar. O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, ligou para Mursi na quinta-feira à noite para expressar sua preocupação pelos feridos na violência. De acordo com uma declaração emitida pela Casa Branca, o presidente deixou claro que a violência era inaceitável e instou tanto Mursi quanto a oposição a participarem de um diálogo sem pré-condições.
No discurso na televisão, contudo, Mursi defendeu raivosamente suas ações, dizendo que estava salvaguardando a estabilidade do país e protegendo os cidadãos egípcios. Líderes da oposição, enquanto isso, não manifestaram interesse no convite de Mursi para negociar, e os protestos continuaram na sexta-feira (7).
Os comentaristas alemães disseram que, com os dois lados se negando a ceder, a oportunidade para a reconciliação está desaparecendo.
O "Süddeutsche Zeitung", de centro-esquerda, escreve:
"A única coisa que Mursi, funcionário da Irmandade Muçulmana que ascendeu a chefe de Estado, provou foi sua incapacidade de facilitar a integração dos 85 milhões de habitantes do Egito… como resultado, os manifestantes se desinibiram, os conflitos estão se tornando mais sangrentos, e as manifestações diante do Palácio Presidencial e na praça Tahrir novamente estão custando vidas."
"Nenhum dos dois lados se mostra compreensivo, e tanto a oposição quanto o governo estão levando sua luta para as ruas. Os tanques de segurança do palácio trafegando pelo Cairo lembram a terceira faceta do poder do Egito: o exército. Se voltar a agir, todo o experimento político do Egito terá um final rápido – tanto para islamistas quanto para os liberais."
O jornal financeiro "Handelsblatt" escreve:
"Diante da atual polarização entre islamistas e seculares, o Egito agora se vê em uma profunda crise política. A crise contribui para uma piora dos problemas econômicos antigos e severos do país e enfraquece o papel do Egito na região."
"Como resultado, o Egito parece estar condenado a pagar um alto preço pela destruição política e a estagnação espiritual da antiga ditadura. O país padece com uma governança incompetente por parte da Irmandade Muçulmana e, ao mesmo tempo, com a imaturidade da oposição."
"O Egito precisa de um consenso democrático nacional entre seus poderes políticos, em vez de um confronto constante. Isso só vai aprofundar a divisão. E Mursi precisa reconciliar-se com a oposição para que seu mandato continue legítimo."
O conservador "Die Welt" escreve:
"Justificadamente, prevalece uma noção de poder sem limites, absoluto e sem controles. Em países que, por décadas, não conheceram nada além da autocracia ou ditaduras, uma transição direta para um Estado democrático e constitucional é impossível, alguns argumentam. De fato é até perigoso, porque as pessoas não têm experiência com a liberdade e não sabem usá-la, e as consequências são o caos e mais violência. Por isso que esses países precisam de um autocrata bem intencionado, que lidere as pessoas com mão forte e que bem lentamente oriente-as para um novo período de democracia e divisão de poderes. Essa, ao menos, é a narrativa do presidente russo Vladimir Putin. A realidade parece muito diferente, porém. Esse caminho para a democracia raramente é alcançado."
"Mursi é um islamista, mas não um combatente na guerra santa. Em vez disso, é um político habilidoso com sede de poder. Como tal, ele pode estar disposto a fechar acordos. Contudo, isso só vai acontecer se estiver lidando com adversários que sabem o que ele quer, o que não é o caso. A Primavera Árabe está se tornando um duro inverno. As forças políticas no Egito não conseguiram comprar tempo para estabelecer um processo que leve a um Estado democrático."
O conservador "Frankfurter Allgemeine Zeitung" escreve:
"A violência como meio de confronto político está aumentando, e não há uma redução das tensões a vista. Para ambos os lados, há muito em jogo. A Irmandade Muçulmana não quer entregar o poder que ganhou. Os defensores do antigo regime e ativistas seculares sabem que, em um futuro previsível, eles não poderão derrotá-los nas urnas. Os assessores do presidente Mursi insistem em um diálogo sem precondições. A chance de sucesso é baixa, porque nenhum lado está disposto a se afastar de suas demandas máximas."
"Enquanto (Mursi) insiste em um diálogo sem pré-condições e o outro lado tem condições tão específicas, um diálogo não será possível. A credibilidade de Mursi agora subirá ou descerá de acordo com sua capacidade de despolitizar os juízes e de romper com o passado. Contudo, parece impossível criar um apartidarismo em um ambiente tão esquentado. Os confrontos continuarão por outra rodada".
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A Primavera Árabe está se tornando um duro inverno, dizem analistas da Alemanha - Instituto Humanitas Unisinos - IHU