30 Novembro 2012
O Egito está prestes a se afundar em uma guerra civil? Prevê-se um confronto entre os partidos e os movimentos seculares que deram origem em 2011 à Primavera Árabe e ao bloco islâmico composto pelos Irmãos Muçulmanos e Salafistas? As tensões estão muito fortes, e as manifestações na Praça Tahrir de hoje demonstram isso, mas talvez seja prematuro falar de confronto civil.
A reportagem é de Enrico Casale, publicada na revista dos jesuítas italianos, Popoli, 28-11-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A alavanca que desencadeou o protesto foi o fato de o presidente Mohammed Morsi advogar para si mesmo algumas prerrogativas do poder judiciário. Que o sistema judiciário egípcio precisa de uma profunda reforma é indubitável. A corrupção está em níveis altíssimos, e falta uma tradição de independência. Essas novas prerrogativas dariam ao presidente um papel de absoluta preeminência no sistema político, porque ele já exerce os poderes executivo e legislativo.
O bloco secular o acusa de ter tentado um golpe, explorando a popularidade que o presidente conquistou nos últimos meses graças ao acordo com o Fundo Monetário Internacional e à mediação na crise entre Israel e Gaza.
"É fato que o presidente Morsi e os Irmãos Muçulmanos puseram suas mãos sobre a Primavera Árabe", explica o padre Henri Boulad, jesuíta, estudioso das dinâmicas políticas do seu país. "A Irmandade é um movimento radical, que também pode se tornar violento. Tudo depende dos Estados Unidos. São eles que apoiaram a revolução e são eles que apoiam tanto Morsi quanto as forças armadas, o único verdadeiro contrapoder ao presidente".
No Oriente Médio, Washington precisa de um forte aliado que defenda os seus interesses na guerra não declarada contra o Irã e as milícias ligadas a ele (como os libaneses do Hezbollah). "Eu acredito que por enquanto – continua o jesuíta – os Estados Unidos continuarão apoiando Morsi para defender o seu aliado nesse tabuleiro. A única alternativa a Morsi é precisamente o exército, que há anos se sustenta graças aos financiamento norte-americanos. Só uma revolta liderada pelas forças armadas poderia pôr fim ao governo dos Irmãos Muçulmanos. O risco, porém, é que estoure uma guerra civil. Seria horrível para o país. As forças armadas seriam contra as milícias islâmicas, milícias estas que se teme que estejam se preparando em vista de possíveis confrontos".
Enquanto isso, a economia egípcia não se recuperou depois da queda do regime de Hosni Mubarak. O desemprego masculino supera os 10%, e a feminina beira os 60%. A dívida externa chegou a 34 bilhões de dólares, e 20% da população continua vivendo abaixo do nível da pobreza. E as novas tensões poderiam piorar ainda mais a situação, afastando os investidores estrangeiros e os turistas (o turismo é uma das principais fontes de moeda estrangeira do país).
"Com o anúncio de que Morsi teria assumidos poderes também no campo judiciário – explica Awad Basseet, jornalista egípcio – a Bolsa do Cairo 'queimou' 30 bilhões de dólares, caindo 10% em um único dia de domingo. Esse é o verdadeiro ponto fraco do presidente. Ele está perdendo muitos consensos justamente porque até agora não soube dar respostas racionais para a crise econômica que o país atravessa. As frases prontas e os slogans não servem para trazer bem-estar".
O bloco dos partidos liberais e de esquerda saiu às ruas para protestar. "O bloco liberal – conclui Boulad – é fraco demais, não tem força para arranhar a sólida aliança entre os Irmãos Muçulmanos e as formações salafistas. Nesse confronto, os cristãos apoiam com convicção o bloco liberal. Os ataques às igrejas, lojas e empresas dos coptas os aterrorizam. Eles sabem que, como já aconteceu no passado, com os muçulmanos fundamentalistas no poder, o risco de se tornarem cidadãos de segunda classe, sem nenhum direito".
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Egito: Morsi se coroa faraó. 'Puseram a mão sobre a Primavera Árabe', diz jesuíta egípcio - Instituto Humanitas Unisinos - IHU