Por: Jonas | 02 Outubro 2012
As transformações ocorridas na Venezuela, a partir da era Chávez, são o objeto de debate nos dois artigos abaixo, publicados pelo jornal Página/12, 01-10-2012. A tradução é do Cepat.
A economia em números
Na Venezuela, “entre 1999 e 2011, a expectativa de vida aumentou dois anos, a mortalidade infantil dos menores de cinco anos foi reduzida de 21 para 16 mil, e a desnutrição baixou de 5,3 para 2,9%”. Esses são alguns números positivos dos anos Chávez, apontados por Andrés Asiain, da Cátedra Nacional de Economia Arturo Jauretche.
Eis o artigo.
As emergentes eleições na Venezuela são um bom pretexto para realizar um balanço dos resultados econômicos dos governos de Hugo Chávez. A revolução bolivariana constitui um rico experimento de transformações sociais e de contracorrente num mundo marcado pelo avanço do capitalismo financeiro sobre os direitos sociais e econômicos das maiorias. Dentro de expropriações, orçamentos participativos, empreendimentos cooperativos, grandes obras de infraestrutura e transporte, acordos internacionais que fomentam a unidade latino-americana e que desafiam o imperialismo das potências, a sociedade venezuelana se transformou profundamente. Nesta breve nota, apresentaremos alguns dados dos resultados alcançados por uma gestão econômica que se propôs construir o socialismo.
Desde a recuperação da direção da Pdvsa [Petróleos de Venezuela S.A.], no marco de uma paralisação e lockout petroleiro e geral, que produziu um brutal encolhimento do produto interno, nos anos 2002-2003, passando para um período de taxas de crescimento médio de 15% anual, entre 2004 e 2007, até a última onda de instabilidades, diante do contexto de crise internacional, a economia venezuelana atravessou diferentes etapas. No entanto, impõe-se como tendência uma série de transformações estruturais.
A mudança de paradigma de uma economia em que a exportação de petróleo se desdobrava no consumo minoritário de uma pequena oligarquia para uma expansão do consumo de massas, é refletida na crescente participação do consumo e no investimento no produto interno. O consumo público e privado cresceu 91% durante a era Chávez, passando a representar 88% do produto interno, em 2011 (22 pontos percentuais a mais do que em 1999, medidos a preços constantes de 1997). O investimento em capital fixo cresceu 80% no mesmo período, passando a representar quase 30% do produto interno (se somado a acumulação de estoques, a Venezuela investe quase 40% de suas receitas internas). Um elemento a destacar é que o crescimento de 47% da atividade econômica, entre 1999 e 2011, é devido exclusivamente às atividades não petroleiras (a atividade do setor petróleo decresceu 13% nesse período, medida a preços constantes). Mais de um terço do crescimento são explicados pelas manufaturas, construção e pelas comunicações.
Com o governo bolivariano, a expansão da produção e o consumo geraram um forte aumento das importações (durante o período chavista, cresceram quatro vezes mais rápido do que a produção, alcançando uma proporção equivalente a 42% do PIB), que foram financiadas pelas exportações de petróleo. Estas alcançaram os 88 bilhões de dólares em 2011, 427% a mais do que as de 1999, quando o preço do petróleo alcançou um de seus pisos históricos (contexto no qual se privatizou a YPF na Argentina). Entre 1999 e 2011, as exportações de hidrocarbonetos permitiram que as reservas internacionais fossem duplicadas, a dívida externa eliminada e que fossem sustentados consideráveis empréstimos para países da região, tudo isso num contexto em que, apesar de controles de câmbio, a fuga de capitais dos setores empresariais e médios representou a perda de 9,7 bilhões de dólares anuais em média.
O incremento na atividade permitiu criar três milhões e meio de empregos, durante os 13 anos e meio de governo bolivariano, diminuindo em seis pontos percentuais a taxa de desemprego. O aumento do emprego e as políticas públicas redistributivas tiraram milhões de venezuelanos da pobreza e da indigência. Em 1999, na avaliação pela renda, 50% da população era pobre e 20% indigente. Em 2011, a pobreza atingia 31,6% dos venezuelanos e a indigência 8,5%. É evidente a maior equidade na distribuição da renda, durante os governos de Chávez. Se em 1999 os 20% mais ricos da população ganhavam 14 vezes a renda dos 20% mais pobres, em 2011 essa diferença tinha sido reduzida oito vezes.
A melhoria nas condições de vida da maioria dos venezuelanos se reflete também no aumento da população que tem acesso à água potável, que cresceu 15%, entre 1999 e 2011, até alcançar 95% das casas. A reinserção de quase 20.000 crianças no sistema escolar primário, nesse mesmo período, e a redução de 5% das casas sem acesso aos serviços básicos, são outros exemplos das mudanças produzidas. Em relação aos serviços de saúde, a missão “Barrio Adentro” (Bairro Adentro) levou a instalação de 6.700 consultórios, 550 centros de diagnósticos, 578 salas de reabilitação e 33 centros de alta tecnologia nos bairros mais humildes do país. Os resultados são refletidos nas estatísticas. Entre 1999 e 2011, a expectativa de vida aumentou dois anos, a mortalidade infantil dos menores de cinco anos foi reduzida de 21 para 16 mil, e a desnutrição baixou de 5,3 para 2,9%. Em vista desses números, que dão conta da importante melhoria nas condições de vida dos venezuelanos, no marco da revolução bolivariana, compreende-se a ampla base de apoio social que o presidente Hugo Chávez possui para um novo mandato.
Contradições e possibilidades
“Numa aliança de governo, que está longe de ser exemplo de pureza ideológica ou política, Chávez continua sendo fundamental como fator de unidade, mas também de radicalidade”, apontam Mariano Féliz e Melina Deledicque, membros do Centro de Estudos para a Mudança Social.
Eis o artigo.
Até fins dos anos 1980, a Venezuela era conhecida fundamentalmente por seu petróleo, suas praias e pela Miss Universo. Em 1989, na explosão popular denominada “Caracazo”, o povo venezuelano decidiu começar a transformar a história. Em 1992, o comandante Hugo Chávez encabeçou um novo levante contra o neoliberalismo e, embora fracassou, abriu uma esperança. Vinte anos depois, a Venezuela está na vanguarda da mudança pós-neoliberal na região.
A Venezuela é um país baseado na renda petroleira e um exemplo dos custos que é seguir esse caminho. O processo iniciado em 1998 tenta – trabalhosamente e longe da perfeição – avançar na mudança copernicana que aproveite dos rendimentos extraordinários da exploração petroleira (que representa quase a totalidade das exportações) para conceder a milhões de venezuelanos os direitos sociais básicos e, por sua vez, possa acomodar as bases de um novo projeto social e político, que desde 2006 se conhece como Socialismo do século XXI.
O primeiro grande passo nesta direção foi a recuperação, para o povo, da empresa Petróleos de Venezuela (Pdvsa), no ano de 2003, sendo 100% estatal e instrumento chave na redistribuição social da renda petroleira, equivalente a quase metade da arrecadação fiscal. Com a “base petroleira”, o governo bolivariano avançou na construção da cidadania para os milhões que habitam os bairros populares de Caracas e mais distante, que não existiam para o Estado. Esse processo envolveu a promoção da organização popular, na consideração das necessidades dos bairros e em sua solução, por meio de uma infinidade de missões que permitiram acomodar uma rede de mercados populares para lutar contra a especulação e a inflação, criar milhares de salas médicas que desenvolveram a saúde preventiva, incentivar campanhas que erradicaram o analfabetismo, entre outras. Em menos de uma década, milhões de venezuelanos/as tiveram acesso a bens e serviços que lhes foram historicamente negados pelas elites governantes.
Essa estratégia é acompanhada de uma política de desenvolvimento que busca garantir a soberania alimentar e produtiva do país. Por meio de convênios de cooperação e intercâmbio solidário com as nações aliadas, o governo conseguiu a construção de dezenas de empreendimentos para a produção de alimentos, bens de consumo e maquinaria. Estas trocas compensadas buscam superar a lógica do comércio capitalista, apontando a possibilidade de tirar a Venezuela de anos da dependência da importação. A missão “Gran Vivenda Venezuela” [Grande Moradia Venezuela], que concluirá seus primeiros dois anos construindo 300 mil novas casas, apoia-se na contribuição material e humana da Rússia, Bielorrússia, China e outros sócios, numa multidão de empreendimentos com autogestão.
Na Venezuela, o projeto de revolução do século XXI busca – com dificuldades e limitações – construir um novo tipo de Estado, num novo tipo de sociedade. Por meio das leis do Poder Popular (aprovadas em 2010), a auto-organização popular é incentivada, financiada e apoiada pela via de milhares de conselhos comunitários e dezenas de comunas socialistas em construção. Se o povo conseguir aproveitar a oportunidade que estes instrumentos proporcionam, eles poderão formar experiências embrionárias de formas de autogoverno popular, que substituem o Estado burguês que ainda prevalece. O principal risco é o uso clientelístico e burocrático, que em muitos casos impera. Procura-se complementar estas novas formas organizativas com a promoção de novas formas de propriedade comunitária e cooperativa, que incentivem outro estilo de desenvolvimento.
O caminho do Socialismo do século XXI está repleto de barreiras. Os próprios aparatos do Estado existente tendem a bloquear as iniciativas populares devido ao peso das velhas estruturas políticas. Numa aliança de governo, que está longe de ser exemplo de pureza ideológica ou política, Chávez continua sendo fundamental como fator de unidade, mas também de radicalidade. A política macroeconômica enfrenta as barreiras de uma economia capitalista ainda minada por grandes empresas, que pretendem continuar impondo seus interesses ao projeto coletivo. Acima de tudo, enfrenta a dificuldade de avançar numa mudança transcendental, numa região onde Argentina e Brasil buscam impor projetos neodesenvolvimentistas de capitalismo periférico. A incorporação da Venezuela ao Mercosul (estratégia de integração de raiz neoliberal) expõe a interrogação sobre as possíveis contradições com a aposta de uma integração pós-neoliberal na Alba. Hoje, a Venezuela é o farol que ilumina um possível horizonte de superação do desenvolvimento capitalista. A continuidade e aprofundamento desse processo são a esperança dos povos do mundo, nesta etapa de crise e mudanças no capitalismo em escala internacional.
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Socialismo bolivariano do século XXI - Instituto Humanitas Unisinos - IHU